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quinta-feira, 6 de abril de 2017

Dois poemas de Júlio Dinis



C . . .

Não meças o amor pelo tempo que dura;
Ontem amei-te mais nessa hora tão ligeira,
Senti maior prazer, gozei maior ventura,
Do que ao pé de ti passasse a vida inteira.

Deixa que esta paixão termine com o dia,
Efémera cecém nascida à madrugada,
E que ao cair do Sol, nessa hora de poesia,
Deixou pender no chão a fronte desfolhada.

Fiquemos sempre assim, um ao outro ignorados
Nestas vagas regiões duma paixão nascente.
Sigamos cada um caminhos separados;
Com uma hora de amor a alma é já contente.

Lisboa 1869.


A ROMEIRA

Onde é que vais tão garrida,
Lenço azul, saia vermelha;
Pareces-me mais crescida
Ai, filha, fazes-me velha!

Mas... inda agora reparo,
Cordão novo e arrecadas!
Onde vais nesse preparo
E com estas madrugadas?

— Onde vou ? à romaria
Da Senhora da Bonança.
Querem ver que não sabia
Que era hoje? Ai que lembrança!

— Que queres tu, rapariga,
Se toda a minha canseira
É fiar a minha estriga
Ao canto desta lareira.

Ora o Senhor vá contigo.
— Fique em paz minha madrinha.
— A casa voltes sem perigo.
Olha lá, vem à noitinha!

— Ai venho, logo às trindades,
Que é que quer que eu lhe traga?
— Como me levas saudades
Traz-me saudades em paga.

Pois trarei e até à vinda,
Adeus que há muito amanhece.
— Vai, que romeira tão linda
É que lá não aparece.

1857.

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Júlio Dinis, pseudónimo literário de Joaquim Guilherme Gomes Coelho (1839-1871), médico de formação académica na Escola Médio-Cirúrgica do Porto (1861), vitimado pela tuberculose, nos 32 anos que teve de vida deixou uma notável obra literária, sendo mais conhecido por um cultor exímio de uma prosa que foi beber à ruralidade sadia e ao bucolismo das gentes e dos campos do Minho que lhe serviram de teia, onde teceu as figuras populares que enchem de encanto os seus livros.

Menos conhecido nas Letras Portuguesas como Poeta, reuniu num único volume o acervo das suas poesias divididas três partes e é desse livro que se reproduzem estas duas poesias - C... e A Romeira - que nos dão do autor a beleza de uma pena simples, que sem prejudicar a arte poética a exalta de um modo que ficou ímpar na Poesia portuguesa, especialmente, no modo como ele descreve as cenas - que são quadros pintados com letras - como acontece no diálogo travado entre a romeira e a tecedeira, sua madrinha.

Sobre a primeira das composições, aqui plasmadas, e que o Poeta dedica a um Senhora - C... -  datada de Lisboa  e do ano de 1869, dois anos antes da sua morte - ficará para sempre ignorada a dama-heroína do poema, mas deixando-se perceber que nunca tendo casado, conhecedor, a que acrescia o seu estatuto de médico, da doença fatal que lhe ceifou a vida no fulgor da idade, Júlio Dinis, a ter em conta a seriedade de que encheu a sua vida e o modo como criou as suas figuras literárias - muitas delas retiradas da realidade vivencial que ele conheceu de perto - ao dedicar aquele poema a - C... - transportou para ele uma realidade amorosa que viveu e a que, pelo seu estado de saúde, não pode corresponder.

Eis, porque, não deixa de ser comovente aquilo que ele escreveu:

Não meças o amor pelo tempo que dura;
Ontem amei-te mais nessa hora tão ligeira,
Senti maior prazer, gozei maior ventura,
Do que ao pé de ti passasse a vida inteira.

Comovidamente, tiro o meu chapéu à memória de Julio Dinis que encheu a minha juventude de uma prosa escorreita, simples e pura nos ideais que ele soube viver e criar.

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