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sexta-feira, 12 de setembro de 2014

Um poema de Gomes Leal



Caricatura de Gomes Leal 
publicada pelo jornal republicano "Berro" de 23 de Fevereiro de 1896





A Visita


Ontem dormia à noite - e, eis que desperto
Sacudido d'um vento agudo e forte,
Como um homem tocado pela Morte,
Ou varrido d'um vento do deserto.

Acordei - era Deus, que de mim perto,
Me dizia: Alma céptica e sem norte!
É preciso que creias e te importe
Adorar o Deus Uno, Eterno, e Certo!

É preciso que a fé cresça em tua alma
Como no inútil saibro a verde palma,
Verme! filho da Duvida--Eis-me aqui!

Eu sou a Espada o Antigo, o Omnipotente!
Crê barro vil! - Mas eu, descortezmente,
Voltei-me do outro lado e adormeci.

Gomes Leal (António)
in 'Claridades do Sul' (1875)






O "Anjo Rebele" como lhe chamou Júlio Dantas, foi um extraordinário cultor das musas que o levaram a cantar em versos idólatras o seu antagonismo à religião cristã num tempo seguinte à publicação das "Claridades do Sul" (1875), com a redacção do Anti-Cristo (1886) transformando a sua musa em sarcasmos anti-religiosos à guisa de Guerra Junqueiro e Teófilo Braga, dentro do sentimento iconoclasta que então era apanágio da "geração de 70".

Esta acção anticlerical é revista na segunda edição da obra em 1907, onde nas "Notas Explicativas" esclarece: "A tese primacial do poema é esta: - O Homem, e por extensão o Cosmo de que ele é simples molécula, para ser perfeito, eterno, feliz, não carece de muita Ciência, carece de plena Consciência. A aquisição completa desta é que dá direito à Vida." 

Em Gomes Leal, a rondar então, os sessenta anos, a Consciência tomara forma e avisa-os dos destemperos da juventude.
Neste tempo, ultrapassara a crise religiosa deflagrada com a História de Jesus (1883), ao mesmo tempo que a primeira edição do Anti-Cristo fora o testemunho do angustioso imbróglio em que se metera o seu espírito conturbado que se havia de converter ao catolicismo em 1910, um passo em que se vê abandonado pelos seus antigos amigos da estroinice lisboeta.

A "Visita" é um poema escrito quando Gomes Leal tinha 27 anos, assinalando, por isso, a luta íntima que ele vivia consigo mesmo quanto à aceitação de Deus como condutor da sua consciência, em contraponto com um certo desvario que então se vivia, e que o leva, como ele diz, descortezmente, a não dar crédito à idealizada "visita" de Deus ao seu leito, ignorando-O.

Gomes Leal, foi um entre tantos homens do seu tempo - como hoje acontece e assim há-de continuar - a pensar em Deus como um farol para a vida e, ao qual, se tira a luz, para depois, num tempo subsequente, a consciência O voltar a trazer à existência, pela simples razão que Deus é isso mesmo: uma Consciência Universal que vive dentro da própria consciência de cada homem, que tem o livre arbítrio de o pegar ou largar.

Vale a pena ler a biografia deste homem que morreu pobre - a receber como Camões uma tença do Estado -  e que em grande parte da sua vida foi um livre-pensador, tendo morrido respeitando o cristianismo e ouvindo Missa, ainda que depois, alguma demência e o vinho sem regras lhe houvesse enegrecido os últimos dias.

Nunca o saberemos, mas se algum dia, terá recriado em sua mente uma nova "Visita" de Deus, certamente, não se virou de lado - como diz no Poema, porque a sua alma redimida já O havia abraçado.



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