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sábado, 13 de setembro de 2014

Nos "Lusíadas" a aversão à lisonja de Luís de Camões



Luís de Camões
Escultura de Simões de Almeida, in Revista Ocidente nº 59 de Junho 1880




A lisonja daqueles que o povo apelida de "lambe botas" é, possivelmente, dos actos menos nobres que se cometem, porque, para além de falsear a verdade das relações humanas, pretende com a atitude rasteira subverter os princípios que deviam nortear todas as criaturas.

O Padre António Vieira - esse vulto grandioso de Portugal - um dia deixou apontado nas suas "Cartas" quando a sua brilhante pena discorreu sobre este mal social, o seguinte: Em tempo em que só vale a lisonja, não podia parecer bem quem professa só a verdade e esta afirmação assenta por inteiro em Luís de Camões que morreu pobre, podendo ter tido outra sorte se tem lisonjeado os homens importantes do seu tempo e ao invés de seguir pelo respeito da lisura social dos comportamentos humanos, e por isso teve a coragem de se por do lado da virtude, da razão, da justiça e de se erguer como censor dos grandes, quando não via neles o merecimento. 

Dera-lhe Deus um talento poético incomparável.

Fadou-o com o génio, e o grande homem fez o uso mais generoso desses dons celestes, consagrando-os aos Iouvores da terra que o viu nascer, pondo unicamente o fito em granjear renome entre os seus patrícios, e desprezando altivo e sobranceiro as riquezas e as honras, que a adulação dos Príncipes e dos grandes da terra poderia granjear-lhe. 

Camões não foi cortesão, não foi adulador dos grandes, não transigiu com o vicio malsão da lisonja, como avisadamente o demonstra nas seguintes estrofes do seu Poema imorredoiro, que bem poderiam levar por título: 

Louvor somente a quem merece

Pois logo em tantos males é forçado,
Que só vosso favor me não faleça
Principalmente aqui, que sou chegado
Onde feitos diversos engrandeça:
Dai-mo vós sós, que eu tenho já jurado
Que não o empregue em quem o não mereça,
Nem por lisonja louve algum subido,
 Sob pena de não ser agradecido.
 

Nem creiais, Ninfas, não, que a fama desse 
A quem ao bem comum e do seu Rei 
Antepuser seu próprio interesse, 
Inimigo da divina e humana Lei.
Nenhum ambicioso, que quisesse
Subir a grandes cargos, cantarei,
Só por poder com torpes exercícios
Usar mais largamente de seus vícios;
 

Nenhum que use de seu poder bastante,
Para servir a seu desejo feio,
E que, por comprazer ao vulgo errante,
Se muda em mais figuras que Proteio.
Nem, Camenas, também cuideis que canto
Quem, com hábito honesto e grave, veio,
Por contentar ao Rei no ofício novo,
A despir e roubar o pobre povo.

In, Canto 7º estrofes 83 a 87



Estes versos são uma eloquente lição de moral politica, que oxalá estivesse de continuo presente ao espírito dos que exercem os mais altos cargos do Estado, com o nosso épico a estigmatizar os que antepõem o seu próprio interesse ao bem comum: os ambiciosos insaciáveis de poder para satisfazerem todo o género de paixões e vícios.


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