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domingo, 14 de setembro de 2014

Teremos de ser todos doutores e engenheiros?!





Certamente, para quem teve a felicidade de ler "As Pupilas do Senhor Reitor" recordar-se-á do diálogo do lavrador José das Dornas com o Reitor sobre as inquietações quanto ao grau da educação escolar a dar pelo lavrador aos seus filhos Pedro e Daniel, porquanto, o primeiro era forte e sadio e o outro mas franzino e delicado. Na opinião dele, referindo-se-lhe afirmou Aquilo é outra mãe — o Senhor chame lá. Um dia de ceifa é bastante para mo matar.

Instado pelo Reitor para colocar Daniel nos estudos, respondeu:
— Nisso mesmo penava eu. Já me lembrou mandá-lo estudar, mas tinha cá certos escrúpulos.

Não ficou sem resposta, porque o Reitor lhe disse com ternura:

— Escrúpulos! Valha-te não sei que diga! Pois ainda és desses tempos? Que escrúpulos podes ter em mandar ensinar teus filhos? Fazes-me lembrar um tio meu que nunca permitiu que as filhas aprendessem a ler; como se pela leitura se perdesse mais gente do que pela ignorância.

O lavrador coçou a cabeça e respondeu:

— Não é isso, Sr. Padre António, não é isso o que eu quero dizer; mas custa-me dar a meus filhos uma educação desigual. Vê Vossa Senhoria. São irmãos e , mais tarde, o que tomar melhor carreira e se elevar pelo estudo, há de desprezar o que seguir a vida do pai, a ponto de que os filhos dum e doutro quase não se conhecerão: é o que mais vezes se vê. Não é uma injustiça que faço a Pedro a educação que der a Daniel?

Ripostou o Reitor:

— Homem de Deus, não há desigualdade verdadeira, senão a que separa ohomem honrado do criminosos e mau. Essa sim, que é estabelecida porDeus, que, na hora solene, extremará os eleitos dos réprobos. Educa bem os teus filhos em qualquer carreira em que os encaminhes; educa-os segundo os princípios da virtude e da honra, e não os distanciará, acredita; porque, cumprindo cada um com o seu dever, serão ambos dignos um do outro e prontos apertarão as mãos onde quer que se encontrem. E no sentido mundano, julgas tu que fazes mais feliz Daniel, por o elevares a uma classe social acima da tua! Aí, homem, como viver enganado! o quinhão de dores e provações foi indistintamente repartido por todas as classes, sem privilégio de nenhuma. Há infortúnio e misérias que causam o tormento dos grandes e poderosos, e que os pobres e humildes nem experimentam, nem imaginam sequer. Grande nau grande tormenta: hás de ter ouvido dizer. Sabes que mais José? — concluiu o reitor — manda-me o rapaz lá por casa, que eu lhe irei ensinado o pouco que sei do latim, e deixa-te de malucar!

A resposta dada pelo Reitor à aflição do pai dos dois rapazes, faz deste livro singular de Júlio Dinis uma obra, que tendo marcado a sua época, devia marcar a nossa, especialmente, no aspecto educacional contemporâneo, onde parece, que todos os homens e mulheres - para terem êxito na vida - terão de ser doutores ou engenheiros.

O Reitor disse a José das Dornas: Educa bem os teus filhos em qualquer carreira em que os encaminhes; educa-os segundo os princípios da virtude e da honra, e, neste conselho  entrou toda a sabedoria de quem, prudentemente, sabia que dada a diferença que havia entre os dois irmãos - diferenças que hão-de continuar a haver enquanto o mundo for mundo - o mais avisado era conduzir Daniel para os estudos e Pedro para continuar lavrador, seguindo a carreira do pai.

A lição fica aqui, para todos os que pensam, hoje, que todos teremos de ser licenciados, como se as profissões intermédias dos que não atingem os graus superiores da Universidade ficassem diminuídos, o que de todo, não é verdade, porquanto, na vida concreta, todos os homens e mulheres, se o quiserem ser, são mestres em tudo aquilo que fazem e é isto que conta.

Tudo o mais, quantas vezes, serve apenas, para aguçar a vaidade humana, quando ela deve existir e é bom que aconteça - mas sem toleimas - em todos os actos da existência.


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