Gravura publicada pelo Jornal
"Jardim Literário" nº 5 do 1º semestre de 1846
Os antigos povos,
especialmente os gregos, segundo o seu misterioso sistema de personificarem as
mais sublimes ideias, também, e com mais razão, fizeram da justiça uma divindade,
simbolizando-a na deusa Themis, filha do Céu e da Terra, amada de Júpiter;
empunhando a balança e a espada para denotar a igualdade e rectidão dos seus
juízos, coroada de um diadema como rainha de todas as virtudes; mas cujo venturoso
império só exerceu sobre a Terra durante a idade de ouro, fugindo desde então para
o Céu, espavorida e aterrada pelos vícios e crimes dos homens, os quais por seu
mal, cedo profanaram os devidos cultos a
esta divindade, que, se para as novas crenças deixou de ser uma deusa, é, e
será sempre um dos principais atributos do Criador, cuja influência no coração
humano seria o estimulo para que os homens gozassem a mais perfeita felicidade sobre
a Terra, se mil caprichos não os transviassem do exercicio desta sem igual
virtude.
Sem ela o estado social seria um sacrifício para
o homem, curvado à única lei da vontade do mais forte nenhuns direitos teria
que alegar o fraco em sua defeza.... mas, estarão já hoje os direitos e os
deveres tão bem definidos, que o justo e o injusto sejam ideias tão positivas
que não possam sofrer contestação ? (...)
O velho texto acima transcrito ipsis-verbis que remonta ao tempo das terceiras e últimas eleições do "cabralismo" faz parte do Jornal acima referido e que vem encimado com a gravura que nos serve de apresentação,
Depois da sua leitura - que achámos pródiga de significado e de intenção - não podemos deixar de apontar que a deusa Themis ali referida foi muito hábil quando tomou a atitude sensata de ter fugido para o Céu, enfastiada da maldade dos homens, farta dos seus vícios e crimes, servindo, assim a mitologia grega para nos dar motivos de reflexão neste nosso século em que se acabaram os mitos e existem as realidades sociais e políticas, que de sobra nos dão motivos de algum desconforto.
Com efeito, hoje, na parte que cabe às atitudes dos homens, algo se passa de semelhante quando às suas destemperanças - individuais ou de grupo - porque em cada dia que passa não cessa a comunicação social de nos dar notícias delas, incluindo as que se prendem com o esbulho de bens da colectividade, ficando, por vezes, a impressão, neste casos, que a Justiça parece imitar a deusa Themis, não se deixando ver, como se, por uma arte mágica tivesse voado para um céu qualquer...
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