Vista aérea do Promontório do ao Espichel
Esplanada da Senhora do Cabo com as alas das casas antigamente destinadas aos peregrinos
Fachada da Igreja de Nossa Senhora do Cabo
Neste Verão, em visita feita à Península de Setúbal com começo pelo Promontório do Cabo Espichel onde se situa a velha e linda Igreja da Senhora do Cabo, foi-me dado verificar o abandono a que está votado este património sacro - com excepção do Templo - e cuja história se prende à memórias de um tempo que levou até ali ranchos de festeiros, muitos deles, para além da crença em Nossa Senhora, para beneficiarem da beleza grandiosa do sítio escarpado que se agiganta como se fosse uma sentinela sobre o Atlântico, que dezenas de metros abaixo, ora desfaz os vagalhões contra os rochedos, ora, o faz em "beijos" que se desfazem em espuma na areia da pequena enseada.
Se em Portugal houvesse respeito pelo património - sagrado ou não - por certo que este pequeno paraíso que apresenta entaipadas as antigas casas dos romeiros que dão em duas alas para a ampla esplanada do Templo, haveriam de servir a população que ali se dirige - tal como eu o fiz - com servidões dignas de um tempo novo, que não devia esquecer o passado, e desse modo, não apresentando aquele aspecto de abandono forçado.
O Templo, de uma grande dignidade arquitectural apresenta aos visitantes a memória dos séculos em que tem servido a honra invocativa da Mãe de Jesus, ali invocada pela Senhora do Cabo naquele local grandioso que em tempos idos levava ali em romaria o povo e a realeza, onde houve reis que foram "Juízes" das Festas que sempre tiveram o cunho popular, em lembrança do modo como nasceram.
Uma das características que imprimiu à Senhora do Cabo a
extraordinária devoção que lhe é devida há séculos, adveio do seu cunho de
religiosidade popular que desde os primeiros tempos assistiu às comemorações e que teve afloramentos de algum paganismo na base do fenómeno
surgido na escarpa agreste do Cabo Espichel, em princípios do século XIII.
Este
paganismo basista, convenhamos, não foi um defeito, porquanto teve profunda
influência na religiosidade que lhe estava subjacente e que a Igreja, enquanto
Instituição e depósito fiel da Fé, entendeu num dado ponto assumir com o peso
da respeitabilidade que baseou no testemunho popular que
lhe cumpriu cristianizar.
Temos
assim que a Festa da Senhora do Cabo foi, apenas, mais uma que a partir dessa religiosidade, foi absorvida pela Igreja,
chamando-a ao seio onde vive há milénios a luz que rasgou as sombras de um
passado em que a Salvação se punha no enviado do Céu que Deus prometera aos
homens, que em seu louvor e ali, com grande empenho, demonstravam através do "Círio" que deu à Festa o nome do Círio da Senhora do Cabo, ainda hoje assim chamado.
Este
evento é conhecido pela associação directa que se faz a uma vela de cera – mas
de maior proporção – que na Liturgia cristã é usado na noite de Sábado de
Aleluia e que toma o nome de “Círio Pascal” no Domingo de Páscoa.
O nome
vem da religiosidade popular que desde as mais remotas romarias celebradas
“fora de portas”, isto é, dos grandes centros populacionais os levavam acesos
pelas mãos dos peregrinos, um hábito que se perdeu, mas deixando intacto, até
hoje, o nome de “Círio”, que tendo sido dado às romarias que eram feitas à
pequena ermida erguida bem perto da escarpa do Cabo Espichel, chegou até aos
nossos dias.
Temos
assim que se deu o nome de “Círio” à
deslocação em massa de um determinado grupo de pessoas a um local de veneração
espiritual, dando-se o mesmo
nome à festividade, sempre que a Imagem de Nossa Senhora do Cabo se deslocava de
Paróquia em Paróquia, como ainda hoje, acontece.
Tudo começou com uma lenda que viria a transformar-se numa tradição.
Diz-nos a
mais antiga que se conhece que o culto a Nossa Senhora do Cabo Espichel remonta
ao ano de 1215, quando a tripulação de uma nau inglesa se salvou de um
naufrágio, na noite de Natal, junto ao cabo Espichel. A tripulação atribuiu o
milagre a Nossa Senhora e decidiu construir uma pequena e rústica ermida em
acção de graças.
in,
Enciclopédia das Festas Populares e Religiosas de Portugal. Vol. 3- pág 280
Quanto à
primeira tradição, Frei Agostinho de Santa Maria narra-a de forma bastante
lacónica no seu "Santuário Mariano" (17, Tomo II, p. 474): No mar Oceano, para a parte do meio
dia a sul da Corte, e Cidade de Lisboa, mete a terra hua ponta, ou despenhada
rocha, a que os navegantes chamam o "Cabo de Espichel", e os antigos
chamaram Promontório Barbárico (…) Neste sítio sobre a rocha se vê ao presente
rua Ermidinha, que se edificou para memória, a que chamam o Miradouro; é
tradição constante, que apparecera a imagem de nossa Senhora que por ser vista
naquela rocha, a que chamão Cabo, a denominàrão com este título." E passa
a identificar os autores da descoberta: "Os venturosos", e os que
primeiro descubriram este rico tesouro, foram alguns homens da Caparica, que
iam aquela serra a cortar lenha; e daqui teve principio serem eles os primeiros
também, que a festejassem. Por esta causa vão todos os anos com o seu cirio a
solenizar a sua festa em o primeiro Domingo de Junho (…).
Diz a tradição que o culto - como já se disse - remonta ao ano de 1215, como um acto eclesial a Nossa Senhora do Cabo ou
Santa Maria da Pedra de Mua, mas tal facto só aparece documentado pela primeira vez numa
carta régia de D. Pedro I, datada de 1366, constituindo, assim, uma das mais antigas e
interessantes manifestações de religiosidade popular em Portugal.
Só por isto, que não é pouco, merecia outro respeito.
Quem acode à Senhora do Cabo?
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