Sem Causa a Infância Ri
Sem causa a Infância ri, sem
causa chora:
Incauta se despenha a mocidade;
Sacode o jugo, e nela a liberdade,
A caça, o jogo, o amor, tudo a namora.
Das honras o varão se condecora;
Tudo é nele ilusão, tudo vaidade:
Junta Tesouros a avarenta idade;
Diz mal do nosso, e ao tempo andado adora.
Tormento é toda a vida, é toda enganos:
Quando uns afectos vence a novos corre,
E tarde reconhece os próprios danos:
Porque enfim se a prudência nos socorre,
Ditada na lição dos longos anos,
Quando se sabe, então é que se morre.
Abade de Jazente, in 'Antologia
Poética'
O autor deste soneto é um antigo Poeta, mas continua novo e vivo o seu preclaro pensamento sobre a criança do seu tempo e de todos os tempos.
Só por isso - e que é muito! - merece ser lembrado, porquanto, depois de adulto fala dos sonhos perdidos o primeiro dos tercetos, sem rodeios, pondo a nú a realidade em que se cai, quando, mesmo sem causa, a criança ri ou chora, deixando ficar sempre impresso nesses momentos a alma limpa, isenta das paixões do mundo.
E se de vez em quando, sem causa ríssemos ou chorássemos em vez de afivelarmos a máscara que mostramos, esquecendo-nos que é nela que está, ainda que escondida a sete chaves a criança que fomos?
E se nos lembrássemos que tendo perdido o encanto da criança que fomos, adquirimos a malícia do mundo?
E se nos lembrássemos que com esta nova atitude perdemos o direito de rir ou de chorar sem causa aparente?
E se nos lembrássemos que o mundo que nos acolhe, nos assusta, mas continuamos como se fôssemos todos os dias para uma festa?
E se nos lembrássemos que perdemos o direito de dizer tudo o que devíamos dizer e só o não fazemos por parecer mal?
Ao longo da vida, efectivamente, vamos perdendo muita coisa.
Estamos crescidos e não podemos ser tão sinceros como fomos em criança e, assim, cheios desta sabedoria que o mundo da "etiqueta" não nos deixa pôr em prática, quando se sabe é que se morre, diz o Poeta Abade de Jazente e tem razão, porque ao longo da vida fomos "assassinos" de nós mesmos por termos morto a criança que havia dentro de nós!
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