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domingo, 1 de abril de 2018

"O Compasso" ou "Visita Pascal", era assim na minha aldeia!

A Visita do Compasso
in, nº 1 da revista "Branco e Negro" de 5 de Abril de 1896
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O "Compasso" ou "Visita Pascal", antigamente, era assim.

Conheci e vivi esta celebração da Ressurreição de Jesus com a bênção das casas na minha própria aldeia serrana entre os anos do segundo quartel do século XX e fins dos anos setenta, quando este antigo e genuíno costume cristão deixou de ser seguido, algo que lamentei no tempo devido - mas fui obrigado a compreender - dada a dificuldade do Pároco de então  da minha Freguesia, sem qualquer coadjutor, poder abarcar todas as aldeias que tinha sob a sua ordem pastoral.

No momento e numa atitude revivalista esta antiga tradição litúrgico-pascal que teve na Idade-Media a sua implantação mais viva, existe, ainda, por aqui ou por ali, mas tudo ou grande parte se perdeu do velho "Compasso" que de uma forma solene visitava as casas dos fiéis  com a mensagem do ALELUIA que era dada em cada uma delas.

Recordo o tempo em que, de propósito, eu mesmo me deslocava à minha aldeia conjuntamente com outros meus conterrâneos que viviam distantes do torrão natal onde havíamos aberto os olhos para o Mundo, para ali no Sábado de Aleluia comemorarmos a Ressurreição de Jesus, ajudando nos preparativos profanos que consistiam em colocar diante da porta principal da Capela um grosso madeiro a que se juntava lenha miúda para atear uma fogueira que começava a arder à meia-noite, precisamente, no momento em que, algum dos presentes subia à torre sineira para fazer badalar o sino num rebate festivo de alegria que inundava os corações dos presentes.

CRISTO RESSUSCITARA!

Seguia-se depois, numa sã alegria a assadura das carnes das mais variadas espécies e das chouriças que se comiam pela noite fora, enquanto se cantavam hinos ao SENHOR JESUS, tudo isto acompanhado pelo vinho das colheitas da aldeia que todos levavam e, valha a verdade, quando se apagava o madeiro, no regresso a casa, havia sempre quem levasse "o seu grão nas asa".

Era uma noite de Festa!

No dia seguinte - DOMINGO DE PÁSCOA - era a espera do "Compasso" ou da "Visita Pascal", anunciada em primeiro lugar pelos jovens que iam para o cimo do monte para poderem avistar o cortejo e regressavam a correr para o anunciar:

- Já lá vem o Senhor Prior!

Abriam-se todas as casas para receber e beijar a SANTA CRUZ dar as boas-vindas ao Senhor Prior, solenemente paramentado de batina, sobrepeliz branca e estola, ao sacristão que transportava a CRUZ e aos irmãos do Santíssimo Sacramento de capas vermelhas, um deles com a caldeirinha de água benta e onde não faltavam os rapazes-acólitos que com as campainhas anunciavam o cortejo que se deslocava de terra em terra da Freguesia, entrando nas casa ricas e pobres.

Era um costume sadio aquele a que eu assisti, tantas vezes, num simples e comovente acto de fervor cristão, breve como se impunha dado o muito que havia para fazer e que se repetia de casa em casa com o sacristão a entrar em primeiro lugar com a CRUZ e a ser convidado a dirigir-e à sala, já de mesa posta com as vitualhas que cada um podia oferecer, lugar onde todos se ajoelhavam para receber a bênção do Senhor Prior, que depois dava a todos a CRUZ ornada com flores, a beijar, enquanto recitava: 

CRISTO RESSUSCITOU!  
ALELUIA! 
Seguiam-se, então, os cumprimentos do dono, ou dona da casa, acompanhados dos desejos de "boas festas pascais" e o convite à comitiva, com o ênfase dado ao respectivo Presidente:

- Coma alguma coisa Sr. Prior e vós, que o acompanhais!

Por fim, aceite um pedaço do que havia na mesa - dado que tinham muito para andar e honrar a comida que cada casa ofertava - seguia-se a tradição de entregar ao Senhor Prior numa bandeja, a melhor que houvesse em casa, um envelope com uma quantia de dinheiro segundo as posses de cada um - era a côngrua ou o dízimo -  e a comitiva com uma bênção final retirava-se.

Que saudades tenho daqueles momentos vividos na minha aldeia serrana, onde hoje, nada disto acontece com o cerimonial de antigamente que dava aos seus residentes e a todos os seus filhos dispersos, por aquele tempo, o ar sereno e alegre que se via reflectido na alegria dos cumprimentos trocados.

CRISTO RESSUSCITARA!

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