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sábado, 4 de fevereiro de 2017

Um pouco de história da CRUZ ALTA na Serra de Sintra

Segundo se pensa a CRUZ ALTA de estilo manuelino foi colocada no ponto mais alto da Serra de Sintra - 529 metros de altitude - em pleno reinado de D. João III, no ano de 1522.



in, Revista "Alma Nova" nºs 13-15 - III Série - Janeiro a Março de 1924


Francisco Costa que assim cantou e sentiu os estragos que fez um raio - dos que costumam existir naquele lugar paradisíaco - foi um poeta natural de Sintra e é, com alguma emoção que se lê este soneto, especialmente, o último terceto, dando à CRUZ ALTA o sentido protector, que afinal existe em todas as CRUZES que espelham o sofrimento de Jesus Cristo.

Há, porém, um acontecimento mais antigo que nos dá conta da mutilação sofrida por este célebre Monumento, ao pé do qual esteve Alexandre Herculano que deu conta à posteridade da perturbação sensorial que lhe mereceu aquela Cruz mutilada.

Conta Bulhão Pato que no ano de 1849 foi de passeio a Sintra, a pé, com Alexandre Herculano - que tinha trinta e nove anos e umas pernas de aço - com o sentido de ali permanecerem uma semana na Serra, no convento do Carmo que pertencia ao conde de Lavradio.

De saco a tiracolo, com leve bagagem, e sapato de salto raso – sapato de campino, que é o melhor -, cada um pegou no seu cajado e partimos serra de Monsanto acima, cortando para Queluz, onde devíamos almoçar.Dos altos da serra via-se já o sol a romper, atirando horizontalmente as frechas rubras sobre o escudo brunido e esverdeado do Tejo.
(…) Até Queluz o caminho era bravo – tudo serra. Não havia estrada. Herculano seguia a passo cadenciado e militar; o corpo curvado e pendido um pouco sobre o lado direito. Pelo caminho ia-nos contando os passos do seu tempo de soldado; os dias mais felizes da sua vida, e também os da emigração, com terem tido muitas horas amargas.
(…) Terminado o almoço em Queluz, seguimos, estrada fora, até Sintra. Em Sintra comemos alguma fruta e partimos, serra acima, até ao convento do Carmo.

Na sua brilhante descrição, diz Bulhão Pato:

(…) A pouca distância do convento do Carmo, naquela agreste e encantadora posição da nossa Sintra, a que o próprio Lord Byron, inimigo figadal dos portugueses, chama “a mais bela da Europa”, estava a cruz que impressionou Herculano.
Tinha um braço partido, e a hera, a mãe solícita das ruínas, deitara-lhe em volta os ramos verdejantes e cariciosos.
A poesia foi começada no convento do Carmo.
Abre com estes magníficos versos:

Amo-te, ó cruz, no vértice firmada
De esplêndidas igrejas;
Amo-te quando, à noite, sobre a campa,
Junto ao cipreste alvejas;
Amo-te sobre o altar, onde, entre incensos,
As preces te rodeiam;
Amo-te, quando em préstito festivo
As multidões te hasteiam;
Amo-te, erguida no cruzeiro antigo,
No adro do presbitério,
Ou quando o morto, impressa no ataúde,
Guias ao cemitério!
Amo-te, ó cruz, até, quando no vale
Negrejas triste e só,
Núncia do crime, a que deveu a terra
Do assassinado o pó!

Alexandre Herculano, censurado de ímpio e herege espécie de papão com que em certa sociedade se chegou a meter medo às crianças e até às mulheres já feitas –, era uma alma profundamente religiosa. É correr os seus livros.
Há um sabor, um perfume do misticismo santo de Jesus, em centos de versos e em relanços da sua prosa escultural.
Nesta composição da ‘Cruz Mutilada’, escrita em dias prósperos, sob o céu do nosso Outono, na convivência de dois amigos íntimos, está o coração grande e virtuoso de Alexandre Herculano. Inspiravam-no a natureza e Deus!
Aos que o acusavam de blasfemo respondia com estes versos:

……………As linhas puras
De teu perfil, falhadas, tortuosas,
Ó mutilada cruz, falam de um crime
Sacrílego, brutal, e ao ímpio inútil!"

Bulhão Pato, 1883

Sobre  a CRUZ ALTA e as diversas intempéries que a mutilaram ao longo dos anos, penso, que esta é a primeira notícia conhecida e, logo, merecedora de uma poesia célebre de Alexandre Herculano.

Desde a sua implantação no século XVI e os trabalhos que ela mereceu ao a D. Fernando II na fase dos muitos trabalhos que levou a cabo no Parque lindíssimo, ao que se pensa, nada se sabe, mas sabe-se que coube ao segundo marido da Rainha D. Maria II, a CRUZ foi substituída por outra que veio a ser derrubada por um raio em 1905, tendo sido gateada através de grampos de ferro que são visíveis na foto que acima se reproduz.

A actual CRUZ ALTA - local privilegiado de excursões turísticas - foi substituída em Junho de 2008 e colocada no mesmo lugar por um bloco de calcário único embelezada com a arte manuelina, tendo uma altura de 3,5 metros, tendo sido obra da valorização do património cultural de Sintra.

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