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sexta-feira, 9 de fevereiro de 2018

Vamos falar sobre "os diabos à solta"

"A Tentação de Jesus" - tela de Ary Scheffer (1854)
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Na minha qualidade de leigo e seguidor da doutrina da Igreja Apostólica Romana tive a sorte de ser beneficiado, por beneplácito de Deus, pela "aragem refrescante" advinda do Concílio Vaticano II num tempo em que vivia a minha idade madura.
Todo o texto que se segue - fora das transcrições que vão em itálico - é da minha lavra, constituindo um reflexo da minha postura humana ante um ataque feroz e descabido ao ilustre prelado D. Manuel Clemente, Cardeal Patriarca de Lisboa, pessoa que conheço da minha intimidade com Deus e de o ver ou ouvir quando acontecem cerimónias religiosas presididas por ele.

Os "diabos à solta" não são de agora.

São figuras desencaminhadas que se escondem nas alfurjas mais sombrias desde a primeira aurora dos tempos, mas sempre prontas a desequilibrar a Balança do Divino que rege o Mundo e, por isso, sem hesitações ou palavras dúbias vamos falar do diabo, uma figura que se admite ser um anjo caído em desgraça ante Deus. segundo uma crença que assim foi considerada pela tradição oral numa era muito antiga e depois referenciado como diabo ou demónio nos Livros bíblicos do Antigo Testamento, como lemos em: 


Tobias (3, 7-8) - "Aconteceu que, precisamente naquele dia, Sara, filha de Raguel, em Ecbátana na Média, teve também de suportar os ultrajes de uma serva de seu pai. Ela tinha sido dada sucessivamente a sete maridos. Mas logo que eles se aproximavam dela, um demónio chamado Asmodeu os matava."

Jó (40, 28) - "Tua esperança será lograda, bastaria seu aspecto para te arrasar." Trata-se de Leviatã, um monstro considerado como a representação do diabo.

Levítico (17, 7) - "Nunca mais oferecerão os seus sacrifícios aos sátiros, com os quais se prostituem. Esta será para eles uma lei perpétua de geração em geração."  Sátiro é aqui referido como um ser anormal.

Isaías (65, 11) -"Quanto a vós, desertores do Senhor, que haveis esquecido meu monte santo, que preparáveis a mesa para Gad, e enchíeis a taça de vinho aromatizado para Meni."

Salmo (106, 37) - "Imolaram os seus filhos e as suas filhas em sacrifício aos demónios".

Livro da Sabedoria (2, 24) - "É por inveja do demónio que a morte entrou no mundo, e os que pertencem ao demónio prová-la-ão."

Sintetizando, dir-se-á que os primeiros rabinos judeus falavam da tendência humana para o mal e da tendência humana para o bem. Eles entendiam que a tendência para o mal  estava personificada ou simbolizada pelo “diabo”.

O Diabo, Satanás ou o Demónio, mais perto de nós - ignorando no caso as várias alusões que lhe são feitas no Novo Testamento de que é exemplo pictórico o quadro de Ary Scheffer que se repdoduz - mereceu no decorrer do Concílio Vaticano II repetidas alusões, como acontece na "Lumen Gentium" nos seguintes números:

16 - Tudo o que de bom e verdadeiro neles há, é considerado pela Igreja como preparação para receberem o Evangelho (34), dado por Aquele que ilumina todos os homens, para que possuam finalmente a vida. Mas, muitas vezes, os homens, enganados pelo demónio, desorientam-se em seus pensamentos e trocam a verdade de Deus pela mentira, servindo a criatura de preferência ao Criador.

35 - Os leigos mostrar-se-ão filhos da promessa se, firmes na fé e na esperança, aproveitarem bem o tempo presente  e com paciência esperarem a glória futura. Mas não devem esconder esta esperança no seu íntimo, antes, pela contínua conversão e pela luta «contra os dominadores deste mundo tenebroso, contra os espíritos do mal»

55 - A Sagrada Escritura do Antigo e Novo Testamento e a venerável Tradição mostram de modo progressivamente mais claro e como que nos põem diante dos olhos o papel da Mãe do Salvador na economia da salvação. Os livros do Antigo Testamento descrevem a história da salvação na qual se vai preparando lentamente a vinda de Cristo ao mundo. Esses antigos documentos, tais como são lidos na Igreja e interpretados à luz da plena revelação ulterior, vão pondo cada vez mais em evidência a figura duma mulher, a Mãe do Redentor. A esta luz, Maria encontra-se já profeticamente delineada na promessa da vitória sobre a serpente, por muitos estudiosos bíblicos considerada a primeira alusão ao Diabo tentador.

No tempo actual o Diabo existe em todos os que lutam contra Deus através do incitamento aos homens de se deixarem cair na tentação da mentira, do engano, quando tais defeitos da sua humanidade os não leva à possessão física contra o seu semelhante, sem cuidarem que a derrota do Diabo começou com a vitória de Jesus Cristo ma Cruz.

Apesar disto a maldade e a falta de escrúpulos éticos e morais - obra do Diabo - continuam a imperar neste tempo de tantas conquistas civilizacionais que deviam impor-se em nome de um progresso da criatura ante a sociedade de que faz parte, e não como despudoradamente, de uma forma abjecta, impura e própria de seres analfabetos se impõem à opinião pública através de uma comunicação social distorcida, como aconteceu recentemente com o alarido que fizeram - como obra do Diabo - de um documento do Patriarcado de Lisboa sobre uma "Nota para a receção do capítulo VIII da exortação apostólica Amoris Laetitia"

Para se ter uma percepção integral do referido capítulo, seguidamente fazemos a sua publicação, fazendo ressaltar, por ser muito evidente, entre outros os nºs 299 e 300.

CAPÍTULO VIII
ACOMPANHAR, DISCERNIR E INTEGRAR A FRAGILIDADE

291. Os Padres sinodais afirmaram que, embora a Igreja reconheça que toda a ruptura do vínculo matrimonial «é contra a vontade de Deus, está consciente também da fragilidade de muitos dos seus filhos». Iluminada pelo olhar de Cristo, a Igreja «dirige-se com amor àqueles que participam na sua vida de modo incompleto, reconhecendo que a graça de Deus também actua nas suas vidas, dando-lhes a coragem para fazer o bem, cuidar com amor um do outro e estar ao serviço da comunidade onde vivem e trabalham». Aliás esta atitude vê-se corroborada no contexto de um Ano Jubilar dedicado à misericórdia. Embora não cesse jamais de propor a perfeição e convidar a uma resposta mais plena a Deus, «a Igreja deve acompanhar, com atenção e solicitude, os seus filhos mais frágeis, marcados pelo amor ferido e extraviado, dando-lhes de novo confiança e esperança, como a luz do farol dum porto ou duma tocha acesa no meio do povo para iluminar aqueles que perderam a rota ou estão no meio da tempestade». Não esqueçamos que, muitas vezes, o trabalho da Igreja é semelhante ao de um hospital de campanha.

292. O matrimónio cristão, reflexo da união entre Cristo e a sua Igreja, realiza-se plenamente na união entre um homem e uma mulher, que se doam reciprocamente com um amor exclusivo e livre fidelidade, se pertencem até à morte e abrem à transmissão da vida, consagrados pelo sacramento que lhes confere a graça para se constituírem como igreja doméstica e serem fermento de vida nova para a sociedade. Algumas formas de união contradizem radicalmente este ideal, enquanto outras o realizam pelo menos de forma parcial e analógica. Os Padres sinodais afirmaram que a Igreja não deixa de valorizar os elementos construtivos nas situações que ainda não correspondem ou já não correspondem à sua doutrina sobre o matrimónio.

A gradualidade na pastoral

293. Os Padres consideraram também a situação particular de um matrimónio apenas civil ou mesmo, ressalvadas as distâncias, da mera convivência: «quando a união atinge uma notável estabilidade através dum vínculo público e se caracteriza por um afecto profundo, responsabilidade para com a prole, capacidade de superar as provas, pode ser vista como uma ocasião a acompanhar na sua evolução para o sacramento do matrimónio». Além disso, é preocupante que hoje muitos jovens não tenham confiança no matrimónio e convivam adiando indefinidamente o compromisso conjugal, enquanto outros põem termo ao compromisso assumido e imediatamente instauram um novo. Aqueles «que fazem parte da Igreja, precisam duma atenção pastoral misericordiosa e encorajadora». Com efeito, aos pastores compete não só a promoção do matrimónio cristão, mas também «o discernimento pastoral das situações de muitas pessoas que deixaram de viver esta realidade», para «entrar em diálogo pastoral com elas a fim de evidenciar os elementos da sua vida que possam levar a uma maior abertura ao Evangelho do matrimónio na sua plenitude».[ No discernimento pastoral, convém «identificar elementos que possam favorecer a evangelização e o crescimento humano e espiritual».

294. «Muitas vezes a escolha do matrimónio civil ou, em diversos casos, da simples convivência não é motivada por preconceitos ou relutância face à união sacramental, mas por situações culturais ou contingentes».[ Nestas situações, poderão ser valorizados aqueles sinais de amor que refletem de algum modo o amor de Deus.Sabemos que «está em contínuo crescimento o número daqueles que, depois de terem vivido juntos longo tempo, pedem a celebração do matrimónio na Igreja. Muitas vezes, escolhe-se a simples convivência por causa da mentalidade geral contrária às instituições e aos compromissos definitivos, mas também porque se espera adquirir maior segurança existencial (emprego e salário fixo). Noutros países, por último, as uniões de facto são muito numerosas, não só pela rejeição dos valores da família e do matrimónio, mas sobretudo pelo facto de a cerimónia do casamento ser sentida como um luxo, pelas condições sociais, de modo que a miséria material impele a viver uniões de facto». Mas «é preciso enfrentar todas estas situações de forma construtiva, procurando transformá-las em oportunidades de caminho para a plenitude do matrimónio e da família à luz do Evangelho. Trata-se de acolhê-las e acompanhá-las com paciência e delicadeza». Foi o que Jesus fez com a Samaritana (cf. Jo 4, 1-26): dirigiu uma palavra ao seu desejo de amor verdadeiro, para a libertar de tudo o que obscurecia a sua vida e guiá-la para a alegria plena do Evangelho.

295. Nesta linha, São João Paulo II propunha a chamada «lei da gradualidade», ciente de que o ser humano «conhece, ama e cumpre o bem moral segundo diversas etapas de crescimento». Não é uma «gradualidade da lei», mas uma gradualidade no exercício prudencial dos atos livres em sujeitos que não estão em condições de compreender, apreciar ou praticar plenamente as exigências objectivas da lei. Com efeito, também a lei é dom de Deus, que indica o caminho; um dom para todos sem excepção, que se pode viver com a força da graça, embora cada ser humano «avance gradualmente com a progressiva integração dos dons de Deus e das exigências do seu amor definitivo e absoluto em toda a vida pessoal e social».

O discernimento das situações chamadas «irregulares»

296. O Sínodo referiu-se a diferentes situações de fragilidade ou imperfeição. A este respeito, quero lembrar aqui uma coisa que pretendi propor, com clareza, a toda a Igreja para não nos equivocarmos no caminho: «Duas lógicas percorrem toda a história da Igreja: marginalizar e reintegrar. (...) O caminho da Igreja, desde o Concílio de Jerusalém em diante, é sempre o de Jesus: o caminho da misericórdia e da integração. (...) O caminho da Igreja é o de não condenar eternamente ninguém; derramar a misericórdia de Deus sobre todas as pessoas que a pedem com coração sincero (...). Porque a caridade verdadeira é sempre imerecida, incondicional e gratuita».[ Por isso, «temos de evitar juízos que não tenham em conta a complexidade das diversas situações e é necessário estar atentos ao modo em que as pessoas vivem e sofrem por causa da sua condição».

297. Trata-se de integrar a todos, deve-se ajudar cada um a encontrar a sua própria maneira de participar na comunidade eclesial, para que se sinta objecto duma misericórdia «imerecida, incondicional e gratuita». Ninguém pode ser condenado para sempre, porque esta não é a lógica do Evangelho! Não me refiro só aos divorciados que vivem numa nova união, mas a todos seja qual for a situação em que se encontrem. Obviamente, se alguém ostenta um pecado objectivo como se fizesse parte do ideal cristão ou quer impor algo diferente do que a Igreja ensina, não pode pretender dar catequese ou pregar e, neste sentido, há algo que o separa da comunidade (cf. Mt 18, 17). Precisa de voltar a ouvir o anúncio do Evangelho e o convite à conversão. Mas, mesmo para esta pessoa, pode haver alguma maneira de participar na vida da comunidade, quer em tarefas sociais, quer em reuniões de oração, quer na forma que lhe possa sugerir a sua própria iniciativa discernida juntamente com o pastor. Quanto ao modo de tratar as várias situações chamadas «irregulares», os Padres sinodais chegaram a um consenso geral que eu sustento: «Na abordagem pastoral das pessoas que contraíram matrimónio civil, que são divorciadas novamente casadas, ou que simplesmente convivem, compete à Igreja revelar-lhes a pedagogia divina da graça nas suas vidas e ajudá-las a alcançar a plenitude do desígnio que Deus tem para elas»,sempre possível com a força do Espírito Santo.

298. Os divorciados que vivem numa nova união, por exemplo, podem encontrar-se em situações muito diferentes, que não devem ser catalogadas ou encerradas em afirmações demasiado rígidas, sem deixar espaço para um adequado discernimento pessoal e pastoral. Uma coisa é uma segunda união consolidada no tempo, com novos filhos, com fidelidade comprovada, dedicação generosa, compromisso cristão, consciência da irregularidade da sua situação e grande dificuldade para voltar atrás sem sentir, em consciência, que se cairia em novas culpas. A Igreja reconhece a existência de situações em que «o homem e a mulher, por motivos sérios – como, por exemplo, a educação dos filhos – não se podem separar». Há também o caso daqueles que fizeram grandes esforços para salvar o primeiro matrimónio e sofreram um abandono injusto, ou o caso daqueles que «contraíram uma segunda união em vista da educação dos filhos, e, às vezes, estão subjectivamente certos em consciência de que o precedente matrimónio, irremediavelmente destruído, nunca tinha sido válido». Coisa diferente, porém, é uma nova união que vem dum divórcio recente, com todas as consequências de sofrimento e confusão que afetam os filhos e famílias inteiras, ou a situação de alguém que faltou repetidamente aos seus compromissos familiares. Deve ficar claro que este não é o ideal que o Evangelho propõe para o matrimónio e a família. Os Padres sinodais afirmaram que o discernimento dos pastores sempre se deve fazer «distinguindo adequadamente», com um olhar que discirna bem as situações. Sabemos que não existem «receitas simples».

299. Acolho as considerações de muitos Padres sinodais que quiseram afirmar que «os baptizados que se divorciaram e voltaram a casar civilmente devem ser mais integrados na comunidade cristã sob as diferentes formas possíveis, evitando toda a ocasião de escândalo. A lógica da integração é a chave do seu acompanhamento pastoral, para saberem que não só pertencem ao Corpo de Cristo que é a Igreja, mas podem também ter disso mesmo uma experiência feliz e fecunda. São baptizados, são irmãos e irmãs, o Espírito Santo derrama neles dons e carismas para o bem de todos. A sua participação pode exprimir-se em diferentes serviços eclesiais, sendo necessário, por isso, discernir quais das diferentes formas de exclusão actualmente praticadas em âmbito litúrgico, pastoral, educativo e institucional possam ser superadas. Não só não devem sentir-se excomungados, mas podem viver e maturar como membros vivos da Igreja, sentindo-a como uma mãe que sempre os acolhe, cuida afectuosamente deles e encoraja-os no caminho da vida e do Evangelho. Esta integração é necessária também para o cuidado e a educação cristã dos seus filhos, que devem ser considerados o elemento mais importante».

300. Se se tiver em conta a variedade inumerável de situações concretas, como as que mencionamos antes, é compreensível que se não devia esperar do Sínodo ou desta Exortação uma nova normativa geral de tipo canónico, aplicável a todos os casos. É possível apenas um novo encorajamento a um responsável discernimento pessoal e pastoral dos casos particulares, que deveria reconhecer: uma vez que «o grau de responsabilidade não é igual em todos os casos», as consequências ou efeitos duma norma não devem necessariamente ser sempre os mesmos. Os sacerdotes têm o dever de «acompanhar as pessoas interessadas pelo caminho do discernimento segundo a doutrina da Igreja e as orientações do bispo. Neste processo, será útil fazer um exame de consciência, através de momentos de reflexão e arrependimento. Os divorciados novamente casados deveriam questionar-se como se comportaram com os seus filhos, quando a união conjugal entrou em crise; se houve tentativas de reconciliação; como é a situação do cônjuge abandonado; que consequências têm a nova relação sobre o resto da família e a comunidade dos fiéis; que exemplo oferece ela aos jovens que se devem preparar para o matrimónio. Uma reflexão sincera pode reforçar a confiança na misericórdia de Deus que não é negada a ninguém». Trata-se dum itinerário de acompanhamento e discernimento que «orienta estes fiéis na tomada de consciência da sua situação diante de Deus. O diálogo com o sacerdote, no foro interno, concorre para a formação dum juízo correto sobre aquilo que dificulta a possibilidade duma participação mais plena na vida da Igreja e sobre os passos que a podem favorecer e fazer crescer. Uma vez que na própria lei não há gradualidade (cf. Familiaris consortio, 34), este discernimento não poderá jamais prescindir das exigências evangélicas de verdade e caridade propostas pela Igreja. Para que isto aconteça, devem garantir-se as necessárias condições de humildade, privacidade, amor à Igreja e à sua doutrina, na busca sincera da vontade de Deus e no desejo de chegar a uma resposta mais perfeita à mesma». Estas atitudes são fundamentais para evitar o grave risco de mensagens equivocadas, como a ideia de que algum sacerdote pode conceder rapidamente «excepções», ou de que há pessoas que podem obter privilégios sacramentais em troca de favores. Quando uma pessoa responsável e discreta, que não pretende colocar os seus desejos acima do bem comum da Igreja, se encontra com um pastor que sabe reconhecer a seriedade da questão que tem entre mãos, evita-se o risco de que um certo discernimento leve a pensar que a Igreja sustente uma moral dupla.

As circunstâncias atenuantes no discernimento pastoral

301. Para se entender adequadamente por que é possível e necessário um discernimento especial nalgumas situações chamadas «irregulares», há uma questão que sempre se deve ter em conta, para nunca se pensar que se pretende diminuir as exigências do Evangelho. A Igreja possui uma sólida reflexão sobre os condicionamentos e as circunstâncias atenuantes. Por isso, já não é possível dizer que todos os que estão numa situação chamada «irregular» vivem em estado de pecado mortal, privados da graça santificante. Os limites não dependem simplesmente dum eventual desconhecimento da norma. Uma pessoa, mesmo conhecendo bem a norma, pode ter grande dificuldade em compreender «os valores inerentes à norma» ou pode encontrar-se em condições concretas que não lhe permitem agir de maneira diferente e tomar outras decisões sem uma nova culpa. Como bem se expressaram os Padres sinodais, «pode haver factores que limitam a capacidade de decisão». E São Tomás de Aquino reconhecia que alguém pode ter a graça e a caridade, mas é incapaz de exercitar bem alguma das virtudes, pelo que, embora possua todas as virtudes morais infusas, não manifesta com clareza a existência de alguma delas, porque a prática exterior dessa virtude está dificultada: «Diz-se que alguns Santos não têm certas virtudes, enquanto experimentam dificuldade em pô-las em acto, embora tenham os hábitos de todas as virtudes».

302. A propósito destes condicionamentos, o Catecismo da Igreja Católica exprime-se de maneira categórica: «A imputabilidade e responsabilidade dum acto podem ser diminuídas, e até anuladas, pela ignorância, a inadvertência, a violência, o medo, os hábitos, as afeições desordenadas e outros factores psíquicos ou sociais». E, noutro parágrafo, refere-se novamente às circunstâncias que atenuam a responsabilidade moral, nomeadamente «a imaturidade afectiva, a força de hábitos contraídos, o estado de angústia e outros fatores psíquicos ou sociais». Por esta razão, um juízo negativo sobre uma situação objetiva não implica um juízo sobre a imputabilidade ou a culpabilidade da pessoa envolvida. No contexto destas convicções, considero muito apropriado aquilo que muitos Padres sinodais quiseram sustentar: «Em determinadas circunstâncias, as pessoas encontram grandes dificuldades para agir de maneira diferente. (...) O discernimento pastoral, embora tendo em conta a consciência rectamente formada das pessoas, deve ocupar-se destas situações. As próprias consequências dos actos praticados não são necessariamente as mesmas em todos os casos».

303. A partir do reconhecimento do peso dos condicionamentos concretos, podemos acrescentar que a consciência das pessoas deve ser melhor incorporada na práxis da Igreja em algumas situações que não realizam objetivamente a nossa conceção do matrimónio. É claro que devemos incentivar o amadurecimento duma consciência esclarecida, formada e acompanhada pelo discernimento responsável e sério do pastor, e propor uma confiança cada vez maior na graça. Mas esta consciência pode reconhecer não só que uma situação não corresponde objectivamente à proposta geral do Evangelho, mas reconhecer também, com sinceridade e honestidade, aquilo que, por agora, é a resposta generosa que se pode oferecer a Deus e descobrir com certa segurança moral que esta é a doação que o próprio Deus está a pedir no meio da complexidade concreta dos limites, embora não seja ainda plenamente o ideal objectivo. Em todo o caso, lembremo-nos que este discernimento é dinâmico e deve permanecer sempre aberto para novas etapas de crescimento e novas decisões que permitam realizar o ideal de forma mais completa.

As normas e o discernimento

304. É mesquinho deter-se a considerar apenas se o agir duma pessoa corresponde ou não a uma lei ou norma geral, porque isto não basta para discernir e assegurar uma plena fidelidade a Deus na existência concreta dum ser humano. Peço encarecidamente que nos lembremos sempre de algo que ensina São Tomás de Aquino e aprendamos a assimilá-lo no discernimento pastoral: «Embora nos princípios gerais tenhamos o carácter necessário, todavia à medida que se abordam os casos particulares, aumenta a indeterminação (…). No âmbito da acção, a verdade ou a rectidão prática não são iguais em todas as aplicações particulares, mas apenas nos princípios gerais; e, naqueles onde a rectidão é idêntica nas próprias acções, esta não é igualmente conhecida por todos. (...) Quanto mais se desce ao particular, tanto mais aumenta a indeterminação». É verdade que as normas gerais apresentam um bem que nunca se deve ignorar nem transcurar, mas, na sua formulação, não podem abarcar absolutamente todas as situações particulares. Ao mesmo tempo é preciso afirmar que, precisamente por esta razão, aquilo que faz parte dum discernimento prático duma situação particular não pode ser elevado à categoria de norma. Isto não só geraria uma casuística insuportável, mas também colocaria em risco os valores que se devem preservar com particular cuidado.

305. Por isso, um pastor não pode sentir-se satisfeito apenas aplicando leis morais àqueles que vivem em situações «irregulares», como se fossem pedras que se atiram contra a vida das pessoas. É o caso dos corações fechados, que muitas vezes se escondem até por detrás dos ensinamentos da Igreja «para se sentar na cátedra de Moisés e julgar, às vezes com superioridade e superficialidade, os casos difíceis e as famílias feridas». Na mesma linha se pronunciou a Comissão Teológica Internacional: «A lei natural não pode ser apresentada como um conjunto já constituído de regras que se impõem a priori ao sujeito moral, mas é uma fonte de inspiração objectiva para o seu processo, eminentemente pessoal, de tomada de decisão». Por causa dos condicionalismos ou dos factores atenuantes, é possível que uma pessoa, no meio duma situação objectiva de pecado – mas subjectivamente não seja culpável ou não o seja plenamente –, possa viver em graça de Deus, possa amar e possa também crescer na vida de graça e de caridade, recebendo para isso a ajuda da Igreja. O discernimento deve ajudar a encontrar os caminhos possíveis de resposta a Deus e de crescimento no meio dos limites. Por pensar que tudo seja branco ou preto, às vezes fechamos o caminho da graça e do crescimento e desencorajamos percursos de santificação que dão glória a Deus. Lembremo-nos de que «um pequeno passo, no meio de grandes limitações humanas, pode ser mais agradável a Deus do que a vida externamente correcta de quem transcorre os seus dias sem enfrentar sérias dificuldades». A pastoral concreta dos ministros e das comunidades não pode deixar de incorporar esta realidade.

306. Em toda e qualquer circunstância, perante quem tenha dificuldade em viver plenamente a lei de Deus, deve ressoar o convite a percorrer a via caritatis. A caridade fraterna é a primeira lei dos cristãos (cf. Jo 15, 12; Gal 5, 14). Não esqueçamos a promessa feita na Sagrada Escritura: «Acima de tudo, mantende entre vós uma intensa caridade, porque o amor cobre a multidão de pecados» (1 Ped 4, 8); «redime o teu pecado pela justiça; e as tuas iniquidades, pela piedade para com os infelizes» (Dn 4, 24); «a água apaga o fogo ardente, e a esmola expia o pecado» (Sir 3, 30). O mesmo ensina também Santo Agostinho: «Tal como, em perigo de incêndio, correríamos a buscar água para o apagar (...), o mesmo deveríamos fazer quando nos turvamos porque, da nossa palha, irrompeu a chama do pecado; assim, quando se nos proporciona a ocasião de uma obra cheia de misericórdia, alegremo-nos por ela como se fosse uma fonte que nos é oferecida e da qual podemos tomar a água para extinguir o incêndio».

A lógica da misericórdia pastoral

307. Para evitar qualquer interpretação tendenciosa, lembro que, de modo algum, deve a Igreja renunciar a propor o ideal pleno do matrimónio, o projecto de Deus em toda a sua grandeza: «É preciso encorajar os jovens baptizados para não hesitarem perante a riqueza que o sacramento do matrimónio oferece aos seus projectos de amor, com a força do apoio que recebem da graça de Cristo e da possibilidade de participar plenamente na vida da Igreja». A tibieza, qualquer forma de relativismo ou um excessivo respeito na hora de propor o sacramento seriam uma falta de fidelidade ao Evangelho e também uma falta de amor da Igreja pelos próprios jovens. A compreensão pelas situações excepcionais não implica jamais esconder a luz do ideal mais pleno, nem propor menos de quanto Jesus oferece ao ser humano. Hoje, mais importante do que uma pastoral dos falimentos é o esforço pastoral para consolidar os matrimónios e assim evitar as rupturas.

308. Todavia, da nossa consciência do peso das circunstâncias atenuantes – psicológicas, históricas e mesmo biológicas – conclui-se que, «sem diminuir o valor do ideal evangélico, é preciso acompanhar, com misericórdia e paciência, as possíveis etapas de crescimento das pessoas, que se vão construindo dia após dia», dando lugar à «misericórdia do Senhor que nos incentiva a praticar o bem possível». Compreendo aqueles que preferem uma pastoral mais rígida, que não dê lugar a confusão alguma; mas creio sinceramente que Jesus Cristo quer uma Igreja atenta ao bem que o Espírito derrama no meio da fragilidade: uma Mãe que, ao mesmo tempo que expressa claramente a sua doutrina objectiva, «não renuncia ao bem possível, ainda que corra o risco de sujar-se com a lama da estrada». Os pastores, que propõem aos fiéis o ideal pleno do Evangelho e a doutrina da Igreja, devem ajudá-los também a assumir a lógica da compaixão pelas pessoas frágeis e evitar perseguições ou juízos demasiado duros e impacientes. O próprio Evangelho exige que não julguemos nem condenemos (cf. Mt 7, 1; Lc 6, 37). Jesus «espera que renunciemos a procurar aqueles abrigos pessoais ou comunitários que permitem manter-nos à distância do nó do drama humano, a fim de aceitarmos verdadeiramente entrar em contacto com a vida concreta dos outros e conhecermos a força da ternura. Quando o fazemos, a vida complica-se sempre maravilhosamente».

309. É providencial que estas reflexões sejam desenvolvidas no contexto de um Ano Jubilar dedicado à misericórdia, porque, também perante as mais diversas situações que afectam a família, «a Igreja tem a missão de anunciara misericórdia de Deus, coração pulsante do Evangelho, que por meio dela deve chegar ao coração e à mente de cada pessoa. A Esposa de Cristo assume o comportamento do Filho de Deus, que vai ao encontro de todos sem excluir ninguém». Ela bem sabe que o próprio Jesus Se apresenta como Pastor de cem ovelhas, não de noventa e nove; e quer tê-las todas. A partir desta consciência, tornar-se-á possível que «a todos, crentes e afastados, possa chegar o bálsamo da misericórdia como sinal do Reino de Deus já presente no meio de nós».

310. Não podemos esquecer que «a misericórdia não é apenas o agir do Pai, mas torna-se o critério para individuar quem são os seus verdadeiros filhos. Em suma, somos chamados a viver de misericórdia, porque, primeiro, foi usada misericórdia para connosco». Não é uma proposta romântica nem uma resposta débil ao amor de Deus, que sempre quer promover as pessoas, porque «a arquitrave que suporta a vida da Igreja é a misericórdia. Toda a sua acção pastoral deveria estar envolvida pela ternura com que se dirige aos crentes; no anúncio e testemunho que oferece ao mundo, nada pode ser desprovido de misericórdia». É verdade que, às vezes, «agimos como controladores da graça e não como facilitadores. Mas a Igreja não é uma alfândega; é a casa paterna, onde há lugar para todos com a sua vida fadigosa».

311. O ensino da teologia moral não deveria deixar de assumir estas considerações, porque, embora seja verdade que é preciso ter cuidado com a integralidade da doutrina moral da Igreja, todavia sempre se deve pôr um cuidado especial em evidenciar e encorajar os valores mais altos e centrais do Evangelho, particularmente o primado da caridade como resposta à iniciativa gratuita do amor de Deus. Às vezes custa-nos muito dar lugar, na pastoral, ao amor incondicional de Deus.[ Pomos tantas condições à misericórdia que a esvaziamos de sentido concreto e real significado, e esta é a pior maneira de aguar o Evangelho. É verdade, por exemplo, que a misericórdia não exclui a justiça e a verdade, mas, antes de tudo, temos de dizer que a misericórdia é a plenitude da justiça e a manifestação mais luminosa da verdade de Deus. Por isso, convém sempre considerar «inadequada qualquer concepção teológica que, em última instância, ponha em dúvida a própria omnipotência de Deus e, especialmente, a sua misericórdia».

312. Isto fornece-nos um quadro e um clima que nos impedem de desenvolver uma moral fria de escritório quando nos ocupamos dos temas mais delicados, situando-nos, antes, no contexto dum discernimento pastoral cheio de amor misericordioso, que sempre se inclina para compreender, perdoar, acompanhar, esperar e sobretudo integrar. Esta é a lógica que deve prevalecer na Igreja, para «fazer a experiência de abrir o coração àqueles que vivem nas mais variadas periferias existenciais». Convido os fiéis, que vivem situações complexas, a aproximar-se com confiança para falar com os seus pastores ou com leigos que vivem entregues ao Senhor. Nem sempre encontrarão neles uma confirmação das próprias ideias ou desejos, mas seguramente receberão uma luz que lhes permita compreender melhor o que está a acontecer e poderão descobrir um caminho de amadurecimento pessoal. E convido os pastores a escutar, com carinho e serenidade, com o desejo sincero de entrar no coração do drama das pessoas e compreender o seu ponto de vista, para ajudá-las a viver melhor e reconhecer o seu lugar na Igreja.

E no prosseguimento publica-se parte do nº 1 da "Nota" do Patriarcado de Lisboa que lhe serve de intróito:
  

Pelo que é dito chama-se nesta "Nota" a atenção para o cap. VIII da Exortação Apostólica "Amoris Laetitia sobre o amor na família" que foi causa do já referido documento firmado com a chancela do Patriarca de Lisboa, D. Manuel Clemente e do qual a seguir se transcreve desde o nº 2 até final, todo o texto.

2. A 5 de setembro de 2016 os Bispos da Região Pastoral de Buenos Aires publicaram uma Nota com Critérios básicos para a aplicação do capítulo VIII da Amoris Laetitia. Em Carta desse mesmo dia o Papa agradeceu o documento, nestes termos: «O texto é muito bom e explicita cabalmente o sentido do capítulo VIII da Amoris Laetitia. Não há outras interpretações». A recente publicação oficial destes documentos em Acta Apostolicae Sedis, CVIII/10 (2017) p. 1071 ss, requer-nos a indispensável receção. Os textos foram publicados em português em Lumen, setembro/outubro de 2016. p. 73 ss.  

A Nota, assim autorizada, dá-nos uma sequência de aplicação do capítulo de que sublinho as seguintes passagens:

a) Quanto à finalidade: «Em primeiro lugar, recordamos que não convém falar de “autorizações” para aceder aos sacramentos, mas de um processo de discernimento acompanhado por um pastor. É um discernimento “pessoal e pastoral” (AL, 300)». E ainda: «Este caminho não acaba necessariamente nos sacramentos, mas pode orientar-se para outras formas de uma maior integração na vida da Igreja: uma maior presença na comunidade, a participação em grupos de oração ou reflexão, o compromisso nos diversos serviços eclesiais, etc. (cf. AL 299).»

b) Quanto ao processo: «… pode-se propor o compromisso em viver em continência. A Amoris laetitia não ignora as dificuldades desta opção (cf. nota 329) e deixa aberta a possibilidade de aceder ao sacramento da Reconciliação, quando se falhe nesse propósito (cf. nota 364, segundo o ensinamento de S. João Paulo II ao Cardeal W. Baum, de 22/03/1996)». Continuando: «Noutras circunstâncias mais complexas, e quando não se pôde obter uma declaração de nulidade, a opção mencionada pode não ser de facto fatível. Não obstante, é igualmente possível um caminho de discernimento. Quando se chega a reconhecer que, num caso concreto, há limitações que atenuam a responsabilidade e a culpabilidade (cf. 301-302), particularmente quando uma pessoa considere que cairia numa ulterior falta, prejudicando os filhos da nova união, a Amoris Laetitia abre a possibilidade do acesso aos sacramentos da Reconciliação e da Eucaristia (cf. notas 336 e 351). Estes sacramentos, por sua vez, dispõem a pessoa a prosseguir amadurecendo e crescendo com a força da graça.» 

c) Entretanto, a Nota prossegue: «Todavia, há que evitar entender esta possibilidade como um acesso não restrito aos sacramentos, ou como se qualquer situação o justificasse. O que se propõe é um discernimento que distinga adequadamente cada caso. Por exemplo, requer especial cuidado “uma nova união que vem de um recente divórcio”, ou “a situação de alguém que reiteradamente falhou nos seus compromissos familiares” (AL, 298). Também quando há uma espécie de apologia ou de ostentação da própria situação “como se fizesse parte do ideal cristão” (AL, 297). Nestes casos mais difíceis, os pastores devem acompanhar com paciência, procurando algum caminho de integração (cf. AL, 297, 299). […] Quando houve injustiças não resolvidas, o acesso aos sacramentos é particularmente escandaloso.»

d) A estas observações, juntam-se as seguintes: «Pode ser conveniente que um eventual acesso aos sacramentos se realize de modo reservado, sobretudo quando se prevejam situações conflituosas. Todavia, simultaneamente, não se deve deixar de acompanhar a comunidade para que cresça no espírito de compreensão e de acolhimento, sem que isso implique criar confusões no ensino da Igreja sobre o matrimónio indissolúvel.»

e) O discernimento continuará ainda, sem desistir da proposta matrimonial cristã na sua inteireza: «O discernimento não se fecha, porque “é dinâmico e deve permanecer sempre aberto a novas etapas de crescimento e novas decisões, que permitam realizar o ideal cristão de modo mais pleno” (AL, 303), segundo a “lei da gradualidade” (AL, 295) e confiando na ajuda da graça.»

Podemos concluir que, também para os Bispos signatários desta Nota, o discernimento não se deterá no que aconteceu ou ainda acontece, devendo caminhar para a adequação plena à verdade evangélica sobre o matrimónio: cf. Mt 5, 31-32; 19, 3-9; Mc 10, 2-12; Lc 16, 18.

3. Logo de seguida, a 19 de setembro de 2016, o então Cardeal Vigário do Papa para a Diocese de Roma, Agostino Vallini, dissertou sobre o tema no respetivo Congresso Pastoral. Sobre estes casos e o papel dos sacerdotes, que não substituem nem desacompanham as consciências, dispôs o seguinte: «Como deve ser entendida esta abertura? Certamente não no sentido de um acesso indiscriminado aos sacramentos, como por vezes acontece, mas de um discernimento que distinga adequadamente caso por caso. Quem pode decidir? Do teor do texto e da mens do seu Autor, não me parece que haja outra solução a não ser a do foro interno. De facto, o foro interno é o caminho favorável para abrir o coração às confidências mais íntimas e, se se tiver estabelecido no tempo uma relação de confiança com um confessor ou com um guia espiritual, é possível iniciar e desenvolver com ele um itinerário de conversão longo, paciente, feito de pequenos passos e de verificações progressivas. Portanto, não pode ser senão o confessor, a certa altura, na sua consciência, depois de muita reflexão e oração, a ter de assumir a responsabilidade perante Deus e o penitente, e pedir que o acesso aos sacramentos se faça de forma reservada. Nestes casos, não termina o caminho de discernimento (cf. AL, 303: discernimento dinâmico) para se alcançarem novas etapas em ordem ao ideal cristão pleno.» E acrescentou: «Precisamente a delicadeza de saber discernir, caso por caso, a vontade de Deus sobre essas pessoas, pede-nos a nós, sacerdotes, que nos preparemos bem para sermos capazes de tomar essas graves decisões». Esta preparação é extensiva a «agentes pastorais leigos» (cf. citado número de Lumen, p. 93-94).

4. Insistindo no acolhimento cordial e respeitoso de todas as pessoas, especialmente nos casos referidos, o Papa Francisco pretende sobretudo ressaltar o valor do matrimónio cristão e a necessidade de o preparar e acompanhar. É uma insistência retomada ao longo de toda a Amoris laetitia, como se lê em trechos tão claros como este: «Como cristãos, não podemos renunciar a propor o matrimónio, para não contradizer a sensibilidade atual, para estar na moda, ou por sentimentos de inferioridade face ao descalabro moral e humano; estaríamos a privar o mundo dos valores que podemos e devemos oferecer» (AL, 35).

Quer antes quer depois da celebração do matrimónio, o Papa Francisco refere o seu caráter vinculativo: «Tanto a pastoral pré-matrimonial como a matrimonial devem ser, antes de mais nada, uma pastoral do vínculo, na qual se ofereçam elementos que ajudem quer a amadurecer o amor quer a superar os momentos duros» (AL, 211). E quase concluindo: «Em suma, a espiritualidade matrimonial é uma espiritualidade do vínculo habitado pelo amor divino» (AL, 315).

Quem seguir o magistério do Papa Francisco sobre o matrimónio dar-se-á conta de tal insistência. Insistência que devemos compartilhar, para sermos fiéis à sua intenção. Ainda muito recentemente: «É sabido como a família, sobretudo no Ocidente, é considerada, infelizmente, uma instituição superada. Em vez da estabilidade de um projeto definitivo, preferem-se ligações fugazes. Ora não se mantém de pé uma casa construída sobre a areia de relacionamentos frágeis e volúveis; mas é preciso a rocha, sobre a qual assentar bases sólidas. E a rocha é precisamente aquela comunhão de amor, fiel e indissolúvel, que une o homem e a mulher, comunhão essa que tem uma beleza austera, um caráter sacro e inviolável e uma função natural na ordem social» (Discurso ao corpo diplomático, in L’Osservatore Romano, ed. port., 11 de janeiro de 2018, p. 10).          


5. Com tudo isto presente, indico algumas alíneas operativas: a) Acompanhar e integrar as pessoas na vida comunitária, na sequência das exortações apostólicas pós-sinodais Familiaris Consortio, 84, Sacramentum Caritatis, 29 e Amoris Laetitia, 299 (cf. apêndice). b) Verificar atentamente a especificidade de cada caso. c) Não omitir a apresentação ao tribunal diocesano, quando haja dúvida sobre a validade do matrimónio. d) Quando a validade se confirma, não deixar de propor a vida em continência na nova situação. e) Atender às circunstâncias excecionais e à possibilidade sacramental, em conformidade com a exortação apostólica e os documentos acima citados. f) Continuar o discernimento, adequando sempre mais a prática ao ideal matrimonial cristão e à maior coerência sacramental. 

Reunião de Vigários, 6 de fevereiro de 2018

+ Manuel, Cardeal-Patriarca


Apêndice:

S. João Paulo II, Familiaris Consortio, 84: «Juntamente com o Sínodo exorto vivamente os pastores e a inteira comunidade dos féis a ajudar os divorciados, promovendo com caridade solícita que eles não se considerem separados da Igreja, podendo, e melhor devendo, enquanto batizados, participar na sua vida. Sejam exortados a ouvir a Palavra de Deus, a frequentar o Sacrifício da Missa, a perseverar na oração, a incrementar as obras de caridade e as iniciativas da comunidade em favor da justiça, a educar os filhos na fé cristã, a cultivar o espírito e as obras de penitência para assim implorarem, dia a dia, a graça de Deus. Reze por eles a Igreja, encoraje-os, mostre-se mãe misericordiosa e sustente-os na fé e na esperança.»

Bento XVI, Sacramentum Caritatis, 29: «… os divorciados recasados, não obstante a sua situação, continuam a pertencer à Igreja, que os acompanha com especial solicitude na esperança de que cultivem, quanto possível, um estilo cristão de vida, através da participação na Santa Missa ainda que sem receber a comunhão, da escuta da Palavra de Deus, da adoração eucarística, da oração, da cooperação na vida comunitária, do diálogo franco com um sacerdote ou um mestre de vida espiritual, da dedicação ao serviço da caridade, das obras de penitência, do empenho na educação dos filhos.»


Francisco, Amoris Laetitia, 299: «Acolho as considerações de muitos Padres sinodais que quiseram afirmar que “os batizados que se divorciaram e voltaram a casar civilmente devem ser mais integrados na comunidade cristã sob as diferentes formas possíveis, evitando toda a ocasião de escândalo. A lógica da integração é a chave do seu acompanhamento pastoral, para saberem que não só pertencem ao Corpo de Cristo que é a Igreja, mas podem ter disso mesmo uma experiência feliz e fecunda. São batizados, são irmãos e irmãs, o Espírito Santo derrama neles dons e carismas para o bem de todos. A sua participação pode exprimir-se em diferentes serviços eclesiais, sendo necessário, por isso, discernir quais das diferentes formas de exclusão atualmente praticadas em âmbito litúrgico, pastoral, educativo e institucional possam ser superadas. Não só não devem sentir-se excomungados, mas podem viver e maturar como membros vivos da Igreja, sentindo-a como uma mãe que sempre os acolhe, cuida afetuosamente deles e encoraja-os no caminho da vida e do Evangelho. Esta integração é necessária também para o cuidado e a educação cristã dos seus filhos, que devem ser considerados o elemento mais importante”.»

Em conclusão e em  abono da verdade contra todos aqueles órgãos da comunicação socia - que cumprem na "perfeição" deles o papel de Diabos à solta - e contra todos aqueles que fora e até dentro da própria Igreja se rebelaram contra o Patriarca de Lisboa, D. Manuel Clemente, a que não pouparam críticas de ser ele o autor de uma vida de continência sexual para os recasados, atente-se nisto:

A Nota do Patriarcado alude a um documento de 5 de Setembro de 2016 emanado dos Bispos da Região Pastoral de Buenos Aires que tendo-se debruçado sobre a temática do cap, VIII da Amoris Laetitia, por carta recebida nesse mesmo dia, o Papa Francisco expressou-lhes o agradecimento e a constatação, que «O texto é muito bom e explicita cabalmente o sentido do capítulo VIII da Amoris Laetitia. Não há outras interpretações». 

E foi a partir daqui que D. Manuel Clemente que presidiu à reunião dos respectivos Vigários expressou o seguinte: A Nota, assim autorizada, dá-nos uma sequência de aplicação do capítulo de que sublinho as seguintes passagens, respeitando as alíneas "a" - "b" - "c" - "d" e "e" que já tinham tido a leitura e aprovação do Papa Francisco.

Eis, porque, se os críticos cáusticos de D. Manuel Clemente, um homem de grande cultura - não apenas eclesial - que honra com a sua função de Bispo de Lisboa o título de Patriarca que é atribuído ao seu Prelado desde 1716, tivessem lido e meditado, como deviam toda a documentação inerente ao assunto que se apressaram a criticar na pessoa de D. Manuel Clemente - se não fossem com os seus comportamentos os diabos à solta do nosso tempo destemperado - por certo teriam recolhido a língua e a caneta nas Redacções de alguns meios de comunicação social e teriam tido outro comportamento.

Mas os diabos do nosso tempo não cuidaram disso, porquanto na sua mira esquisita há sempre um alvo a denegrir: A Igreja Católica Apostólica Romana - a quem com todos os seus defeitos humanos - a sociedade tanto deve de orientação pastoral e social, coisas de somenos importância para os actuais Diabos à solta, fora . e, pasme-se - dentro da Igreja.

Paciência com eles.
Já, como se disse, vêem dos recuados tempos da transmissão oral e de alguns dos Livros do Antigo Testamento, arcando com a carga maléfica de muitos milhares de anos, que se conheça.

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