No Céu,
se Existe um Céu para quem Chora
No céu, se existe um céu para quem chora.
Céu, para as magoas de quem sofre tanto...
Se é lá do amor o foco, puro e santo,
Chama que brilha, mas que não devora...
No céu, se uma alma n'esse espaço mora.
Que a prece escuta e encherga o nosso pranto...
Se há Pai, que estenda sobre nós o manto
Do amor piedoso... que eu não sinto agora...
No céu, ó virgem! findarão meus males:
Hei-de lá renascer, eu que pareço
Aqui ter só nascido para dores.
Ali, ó lírio dos celestes vales!
Tendo seu fim, terão o seu começo.
Para não mais findar, nossos amores.
Antero de Quental, in 'Sonetos
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Antero de Quental, apelidado de "Santo Antero" por Eça de Queirós, conotando-o com Santo Antero o décimo nono Papa da Igreja que pontificou entre 235 e 236 e morreu decapitado às ordens do Imperador Maximiano, é um dos Poetas maiores de Portugal e de que é exemplo este expressivo e "misterioso" soneto.
No céu, se existe - é assim começa a sua primeira estrofe - deixa ficar bem expressa a dúvida que o atormentou toda a vida, mas é para lá, para a imaterialidade desse "espaço" etéreo que ele atira o fim dos seus males e, por fim - num desejo de renascer, como se ele fora o homem novo de que falou Jesus a Nicodemos, numa conversa nocturna que ficou famosa - declara, convicto, que hão-de ter o começo para não mais findar os amores com aquela que encheu a sua alma - o lírio dos celestes vales - que pode ser ou não uma imagem poética, porque, em todos as criaturas perpassa sempre, ao longo da vida, algum mistério que fica preso no mais íntimo das suas almas e nem sempre é descoberto.
Quem foi o lírio de que nos fala Antero de Quental?
Mistério.
Mas, sem qualquer mistério o que fica deste soneto é o problema religioso que ele nunca soube resolver até ao dia em que, junto da parede do Convento da Esperança, em Ponta Delgada se suicidou num banco de jardim do Campo de S. Francisco
Por cima do banco, soldada à parede existe uma placa, que já lá estava, e nela em letras gradas está escrito o nome: ESPERANÇA, como se Antero tivesse escolhido aquele lugar na esperança da sua alma encontrar pela misericórdia de Deus o céu e, nele, o lírio dos celestes vales, que ele faz desabrochar, oloroso, nesta composição poética.
Quem foi o lírio de que nos fala Antero de Quental?
Mistério.
Mas, sem qualquer mistério o que fica deste soneto é o problema religioso que ele nunca soube resolver até ao dia em que, junto da parede do Convento da Esperança, em Ponta Delgada se suicidou num banco de jardim do Campo de S. Francisco
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