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segunda-feira, 18 de novembro de 2013

Mário Beirão (1890-1965)



Memória escultórica de Mário Beirão, em Beja, no Largo Doutor Lima Faleiro,
 tendo na mesma base um fuste em pedra um poema dedicado ao Castelo de Beja


Castelo de Beja,
No plaino sem fim;
Já morto que eu seja,
Lembra-te de mim!


Castelo de Beja,
De nuvens toucado;
A luz que te beija
É sol do Passado!


Castelo de Beja,
Espiando o inimigo;
Te veja ou não veja,
Sempre estou contigo!


Castelo de Beja,
Feito de epopeias;
Um sonho flameja,
Nas tuas ameias!


Castelo de Beja,
Subindo, lá vais...
Tu fazes inveja
Às águias reais!


Castelo de Beja,
Lembra-te de mim:
Saudade que adeja,
No plaino sem fim...
 

  O Poeta, Mário Gomes Pires Beirão bem merecia uma memória escultórica mais condizente com o homem que foi e pelo amor que dedicou a Portugal e à sua querida terra alentejana de Beja, onde nasceu em 1890 e na qual fez os estudos primários e secundários que veio a completar em Lisboa, onde se viria a formar em Direito e onde faleceu em Fevereiro de 1965.
  Nas lides literárias apareceu em 1913 com a publicação de "O Último Lusíada", inspirado na corrente do saudosismo, na linha estética que lhe imprimiu  Teixeira de Pascoaes na revista "A Águia" de que Mário Beirão foi colaborador, entroncando-se assim, nesta corrente literária baseada na saudade - o traço místico definidor da alma portuguesa - em que o homem relacionado com Deus, assim se sente com o mundo, num desejo de união entre  o espiritual e o material imbuído do amor pelo bem social e espiritual do homem.
Foi considerado per Hernâni Cidade "o maior de todos depois de Pascoaes, o grande revelador da alma nostálgica", tendo atingido uma aura inconfundível entre os poetas líricos do seu tempo, transportando para a sua poesia a alma das planuras do Alentejo, sem contudo ter sido apodado de poeta regionalista, dado que o seu campo de produção literária abrangia tudo quando a terra - considerada como Pátria - lhe sugeriu e ele cantou no seu verso ritmado, onde não faltou o mar, o sangue português e a história, temas por vezes exaltados na mística saudosa que embora o tivesse afastado do torrão natal, deixou que lhe ficassem presas na alma as lídimas lembranças da infância ali vivida.
  Foi o cantor dos "malteses" e dos "campaniços".
  No dizer de David Mourão-Ferreira, Mário Beirão foi o cantor dos campos de Beja, das pedras da cidade e das ascéticas planuras do seu termo e da bravia austeridade da sua gente.
  Julião Quintinha fez publicar no nº 2434 do "Diário do Alentejo" de 26 de Março de 1940 este testemunho, dos tempos do Liceu:
 
"Recordo agora, com saudade e encanto, certo momento em que Mário Beirão, ao entardecer de um dia de Agosto, passeando vagarosamente pela cidade de Beja – rua das Ferrarias, Largo de Santiago, arrabalde da Graça – me ia dizendo, baixinho, os seus primeiros versos, já tocados da graça morena das musas alentejanas, melancólicos e tristonhos como o anoitecer na planície, imbuídos dessa toada nostálgica, evocativa das coisas passadas, extintas e sempre amadas.
É deste tempo um maravilhoso soneto que o poeta me leu antes de ser publicado em qualquer livro seu. Tinha este título estranho, "As Corujas", e era inspirado na superstição do povo, modelar e repassado de paixão.
Bons tempos! Mário Beirão teria, então, quinze anos, mais ou menos, e cursava o Liceu.. Eu, poucos mais teria, e cursava ...a oficina"
 
  Na evolução estética da sua arte poética, Mário Beirão, terminou embrenhado numa corrente nacionalista e conservadora, ficando a dever-se-lhe o hino da Mocidade Portuguesa, fazendo jus aos temas nacionais que exaltou com o brilho apenas consentido às almas que sentem palpitar dentro de si o amor pela Pátria, a mais antiga com fronteiras delimitadas no Continente europeu.
  Da sua vasta obra, constam os seguintes livros:

1913  - O Último Lusíada
1915  - Ausente
1917  - Lusitânia
1923  - Pastorais
1928  - A Noite Humana
1940  - Novas Estrelas
1957  - Mar de Cristo
1964  - O Pão da Ceia
 
Eis, o Poeta retratado em algumas das sua poesias:
 
 
Ausência

Nas horas do poente,
Os bronzes sonolentos,
- pastores das ascéticas planuras –
Lançam este pregão ao soluçar dos ventos,
À nuvem erradia,
Às penhas duras:
- Que é dele, o eterno Ausente,
- Cantor da nossa melancolia?

 
Nas tardes duma luz de íntimo fogo,
Rescendentes de tudo o que passou,
Eu próprio me interrogo:
- Onde estou? Onde estou?
E procuro nas sombras enganosas
Os fumos do meu sonho derradeiro!
- Ventos, que novas me trazeis das rosas,
Que acendiam clarões no meu jardim?
 
- Pastores, que é do vosso companheiro?
- Saudades minhas, que sabeis de mim?
 
in, Pastorais
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A Epopeia dos Malteses
 
Choros que o pó amassaram,
Ódios, fel, desesperança,
Minha crueza geraram:
Sou a estátua da Vingança!
 
Maltês, meu nome de guerra!
Ver-me é logo pressentir
Que o vento sul se descerra:
Já mirram searas de o ouvir!
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Meu sangue reza nas veias;
Por quem reza? por quem chora?
Pelos que em terras alheias
Foram escravos outrora!
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Coveiro da própria raça!
Dor de além-dor! Ao que vim!
Grito e o medo me trespassa,
Acordo e fujo de mim!
 
Existo e ausento-me. Há escuro
Na minha memória: - em vão
Me interrogo e me procuro...
Sou realidade ou visão?
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Ascendo ás regiões supremas;
Ao alto, bem ao alto, ao cimo,
Quebro todas as algemas:
Não sou eu; sou Deus, - redimo!
 
Ricos, prostai-vos: é a hora!
Sou Deus, esmago Satã:
Do sangue nasce uma aurora,
Nas almas é já manhã!
 
in, "O Último Lusíada"
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O Entardecer do Descampado de Beja

A luz do entardecer banha de Ausência
- Enquanto os ecos dizem: nunca mais! -
A planície perdida em sonolência
E no vago das sombras funerais...

A luz do entardecer, febril, demora
O seu adeus; nos ermos se detém...
E parece que vai nascer a Aurora,
Em outra vida, em outro céu, além!
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Tarde sem fim, magnífica... vertendo,
No plaino em cisma, dum livor mortuário,
Uma luz que está sempre amanhecendo
Para as bandas dó cerro do Calvário!
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Oh, ermos de oiro pálido, na benta
Unção da tarde, ermos de ignoto mundo:
A luz que, em vós, desmaia sonolenta,
Flui do extático olhar dum moribundo!

Ah, fugir deste cárcere! Embriagar-me
Na essência azul da tarde milagrosa,
Na transportada música do carme
Que embala aquela nuvem descuidosa!

Uma ânsia de regresso a Deus, à Origem,
Nossas almas agita... e, de repente,
Soltam o vôo; em bandos se dirigem
Para os jardins suspensos, no ar dormente!
...........................................................
Como que absorta no seu próprio enlevo,
A luz jamais tem fim... Na esparsa, etérea
Fluidez da tarde, molho a pena; escrevo...
E sinto desprender-me da Matéria!

in, Novas Estrelas
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Sintra

(Soneto) II

Oh, Céus! Como eu quisera aqui deter
Os passos vãos desta culposa vida;
No côncavo da fraga, - a mais sentida,
A mais humana angústia padecer:

Para que resgatasse o torvo ser
Da noite que o fascina e o intimida;
Para que, ao soar o instante da Partida
Visse minha alma, súbito, esplender!

Para que, enfim, - raiz da Desventura -
Eu, sorrindo, florisse... e, ledo, anseasse
Remontar-me, ascender à mor altura!

Para que, enfim, já quando repousasse
Ma Morte, - extinto o olhar, velada a face -
Fossem sonhos de Deus os que eu sonhasse!

in, Novas Estrelas
 

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