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terça-feira, 5 de novembro de 2013

Sobre um pensamento de Francisco Arámburo

 

   Fotografei este pedaço de sabedoria a partir de um diaporama que a amizade fez chegar até ao meu correio electrónico. Não conheço o autor desta frase, mas cumpre-me dizer se há alguma ilicitude em tê-la retratado e fazer dela o tema para o que vou escrever, peço desculpa, mas não me foi possível resistir à sua beleza, que deixa às claras todo um mundo de contornos belíssimos, onde a velhice é exaltada de um modo exemplar e, de tal modo único e em tão breves - mas concisas palavras - que são uma profunda e bela lição de Humanidade. Ao seu autor tiro o meu chapéu e agradeço.
 
  
Começo por fazer esta pergunta: - o que é a velhice?
E respondo, citando um texto eloquente de filosofia de Kierkegaard, intitulado:

 
Memória vs Recordação
As Armas da Juventude e da Velhice


   Recordar-se não é o mesmo que lembrar-se; não são de maneira nenhuma idênticos. A gente pode muito bem lembrar-se de um evento, rememorá-lo com todos os pormenores, sem por isso dele ter a recordação. A memória não é mais do que uma condição transitória da recordação: ela permite ao vivido que se apresente para consagrar a recordação. Esta distinção torna-se manifesta ao exame das diversas idades da vida. O velho perde a memória, que geralmente é de todas as faculdades a primeira a desaparecer. No entanto, o velho tem algo de poeta; a imaginação popular vê no velho um profeta, animado pelo espírito divino. Mas a recordação é a sua melhor força, a consolação que os sustenta, porque lhe dá a visão distante, a visão de poeta. Ao invés, o moço possui a memória em alto grau, usa dela com facilidade, mas falta-lhe o mínimo dom de se recordar.  Em vez de dizer: «aprendido na mocidade, conservado na velhice», poderíamos propor: «memória na mocidade, recordação na velhice». Os óculos dos velhos são graduados para ver ao perto; mas o moço que tem de usar óculos, usa-os para ver ao longe; porque lhe falta o poder da recordação, que tem por efeito afastar, distanciar.
A feliz recordação do velho é, como a feliz facilidade do moço, um gracioso dom da natureza, da natureza que protege com seus cuidados maternais as duas idades da vida que mais precisam de socorro, se bem que, em certo sentido, sejam também as mais favorecidas. Mas é por isso também que a recordação, tal como a memória, muitas vezes não passa de portadora dos dados mais acidentais.
    Apesar de se distinguirem por grande diferença, a recordação e a memória são por vezes tomadas uma pela outra. A recordação é efectivamente idealidade, mas como tal, implica uma responsabilidade muito maior do que a memória, que é indiferente ao ideal.

 
Soren Kierkegaard, in "O Banquete"

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   O filósofo Kierkegaard (1) diz num dado passo que a imaginação popular vê no velho um profeta, animado do espírito divino, uma asserção que faz todo o sentido cristão se cotejarmos aquela frase com a prece do ancião, de que se faz eco o salmista: Não me rejeites no tempo da velhice, não me desampares, quando se for acabando a minha força (Sl 70, 9) e de um modo mais explícito quanto à sabedoria acumulada - de muitas juventudes vividas - no mesmo Livro bíblico, um pouco mais adiante, sobre o espírito divino de que nos fala o filósofo está expresso - com toda a carga sobrenatural que alimenta a alma de todo o homem - este conceito sábio sobre todos aqueles que praticam o bem: Até na velhice dão frutos e hão-de manter-se sempre fortes e sadios. (Sl 91, 14).
   Se analisarmos com o espírito despido dos preconceitos do mundo profano que não vê na velhice a carga de sabedoria que o filósofo lhe atribuiu na reflexão que nos deixou e, do mesmo modo, o que está escrito na mensagem de Arámburo, e, por fim, a entendermos à luz divina que lhe deu em feixes largos o Livro dos Salmos nos dois exemplos referidos, o que sentimos é que há no homem velho um gracioso dom da natureza que faz intuir nele a graça do tempo que passou, porque os velhos até na velhice dão frutos, pela simples razão que todos aqueles que não deixaram morrer a raiz, serão sempre e até ao fim árvores sadias, à sombra das quais as aves da "floresta humana" fazem os seus ninhos e é a partir dos seus galhos, apesar de gastos, que os "pardais" costumam partir para a aventura da vida, estribados na sua força.
   Pensando bem, efectivamente, nenhum de nós é velho, "o que acontece é que temos muita juventude acumulada".
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(1) - Søren Aabye Kierkegaard (Copenhague, 5 de Maio de 1813 — Copenhague, 11 de Novembro de 1855) foi um filósofo e teólogo dinamarquês. Kierkegaard criticava fortemente quer o hegelianismo do seu tempo quer o que ele via como as formalidades vazias da Igreja da Dinamarca. Grande parte da sua obra versa sobre as questões de como cada pessoa deve viver, focando sobre a prioridade da realidade humana concreta em relação ao pensamento abstracto, dando ênfase à importância da escolha e compromisso pessoal. A sua obra teológica incide sobre a ética cristã e as instituições da Igreja. (in, Wikipedia)
 

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