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segunda-feira, 4 de novembro de 2013

Sobre um pensamento de Victor Hugo

 


Há, a par das Palavras Divinas - que hão-de ficar para sempre, por terem sido inspiradas por Deus - palavras que se parecem com Aquelas, sendo, embora de homens, mas que, por ttasportarem o divino da criatura a que Deus chamou  "seu semelhante" hão-de ficar na memória dos homens por largo tempo.
O pensamento de Victor Hugo que encheu o mundo de palavras assim, deu-nos a maravilha lapidar que acima se reproduz, algo que levou, o talento e a serenidade do olhar da grande poetisa que foi Fernanda de Castro a escrever este soneto.

Alma Serena
 
Alma serena, a consciência pura,
assim eu quero a vida que me resta.
Saudade não é dor nem amargura,
dilui-se ao longe a derradeira festa.

Não me tentam as rotas da aventura,
agora sei que a minha estrada é esta:
difícil de subir, áspera e dura,
mas branca a urze, de oiro puro a giesta.

Assim meu canto fácil de entender,
como chuva a cair, planta a nascer,
como raiz na terra, água corrente.

Tão fácil o difícil verso obscuro!
Eu não canto, porém, atrás dum muro,
eu canto ao sol e para toda a gente.

Fernanda de Castro, in "Ronda das Horas Lentas"
 
 
Fernanda de Castro acaba o poema, sobre a vida que lhe resta, dizendo: Eu não canto, porém, atrás dum muro / eu canto para toda a gente - porque ela foi sempre e, também, nos tempos da sua velhice uma luz, tal como podemos depreender da prosa seguinte, de Júlio Dantas, que afirma convictamente: Nada menos exacto do que supor que o talento constitui privilégio da mocidade, porque há muita luz na ciência dos mais velhos.
Se a juventude tem chamas é nos velhos que existe a luz maior.
Aquela que não queima, mas ilumina.
Vejamos Júlio Dantas a espraiar no seu texto, a luz que consegue iluminar à rectaguarda o tempo que passou.
 
 
O Talento na Juventude e na Velhice


Nada menos exacto do que supor que o talento constitui privilégio da mocidade. Não. Nem da mocidade, nem da velhice. Não se é talentoso por se ser moço, nem genial por se ser velho. A certidão de idade não confere superioridade de espírito a ninguém. Nunca compreendi a hostilidade tradicional entre velhos e moços (que aliás enche a história das literaturas); e não percebo a razão por que os homens se lançam tantas vezes reciprocamente em rosto, como um agravo, a sua velhice ou a sua juventude.
 Ser idoso não quer dizer que se seja necessariamente intolerante e retrógrado; e engana-se quem supuser que a mocidade, por si só, constitui garantia de progresso ou de renovação mental. As grandes descobertas que ilustram a história da ciência e contribuíram para o progresso humano são, em geral, obra dos velhos sábios; e a mocidade literária, negando embora sistematicamente o passado, é nele que se inspira, até que o escritor adquire (quando adquire) personalidade própria.
(...) A mocidade, em geral, não cria; utiliza, transformando-o, o legado que recebeu. Juventude e velhice não se opõem; completam-se na harmonia universal dos seres e das coisas. A vida não é só o entusiasmo dos moços; nem só a reflexão dos velhos; não está apenas na audácia de uns, nem apenas na experiência dos outros; realiza-se pela magnífica integração das virtudes contrárias, sem a qual não seria possível, em todo o seu esplendor, a marcha da humanidade. Que se ganha em cavar um abismo entre mocidade e velhice, se uma é, fatalmente, o prolongamento da outra; se o que passa de mão em mão é, afinal, o mesmo facho aceso, como na corrida ritual da Grécia antiga; e se, bem vistas as coisas, não está de nenhum modo provado que os novos sejam intelectualmente os mais novos, e os velhos os mais velhos?
Júlio Dantas, in "Páginas de Memórias"

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