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quarta-feira, 31 de agosto de 2016

"Minha Pátria é a Língua Portuguesa"



«Não tenho sentimento nenhum político ou social. Tenho, porém, num sentido, um alto sentimento patriótico. Minha pátria é a língua portuguesa. Nada me pesaria que invadissem ou tomassem Portugal, desde que não me incomodassem pessoalmente. Mas odeio, com ódio verdadeiro, com o único ódio que sinto, não quem escreve mal português, não quem não sabe sintaxe, não quem escreve em ortografia simplificada, mas a pagina mal escrita, como pessoa própria, a sintaxe errada, como gente em que se bata, a ortografia sem ípsilon, como escarro directo que me enoja independentemente de quem o cuspisse.

Sim, porque a ortografia também é gente. A palavra é completa vista e ouvida. E a gala da transliteração greco-romana veste-m'a do seu vero manto régio, pelo qual é senhora e rainha.»
                                          in, Livro do Desassossego
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Desde os tempos - já longe - em que tomei conhecimento e li esta frase de Fernando Pessoa, eu que sempre tivera pelo Poeta uma estima muito pessoal onde não faltava a minha admiração pelo profetismo que ele tinha dos tempos, chamo, hoje, para defesa da minha tese o profeta Jeremias que logo a abrir o seu Livro ao falar da existência humana fala da sua sua vocação para ser profeta, por habitar no coração de Deus. Diz ele: "Antes de formar-te no ventre materno, eu te conheci; antes de saíres do seio de tua mãe, eu te consagrei e te fiz profeta das nações. Vamos, põe a roupa e o cinto, levanta-te e comunica-lhes tudo que eu te mandar dizer: não tenhas medo." (Jr 1, 5.17), e pensar que pelo baptismo essa vocação nos é confirmada. Somos chamados a ser sacerdotes, profetas e reis, por sermos - se quisermos - testemunhas vivas das maravilhas de Deus na humanidade. com capacidade de ter para si - como um desiderato - o desejo de Deus para seus filhos e filhas e anunciar a todas as pessoas esses desejos, ainda que o anúncio não seja bem recebido, ou desagrade a alguns.

Penso, pois, hoje, mais que nunca que "Minha Pátria é a Língua Portuguesa" é uma frase profética de Fernando Pessoa, pois aquele que viria a tornar-se o maior vulto dos escritores portugueses sabia que cada língua tem a sua cor própria, assim com a sua luz e a sua musicalidade, razão porque desvirtuá-la é sempre um "crime" e esse veio a acontecer com o novo acordo ortográfico que é uma aberração dos políticos incultos que nos têm governado recentemente e, sem pejo, consumaram esse "crime".

É por isso que eu tiro o meu chapéu a jornalistas, comentadores e escritores que escrevem de acordo com a ortografia anterior ao AO, não indo atrás de modas, sujeitando o velho Portugal - pai da Língua Portuguesa - ao vexame de se vergar ante aqueles que sem qualquer respeito nos impuseram alterações disformes onde falta a identidade da Pátria que somos, roubando-nos a "cor" a "luz" e, sobretudo a "música" da escrita das nossas palavras e a subsequente originalidade da sua dicção.

Os profetas têm sempre razão. Fernando Pessoa teve-a antes do tempo.

É, por isso, que ele foi um profeta ao dizer o que disse naquela frase cheia de sentido patriótico, infelizmente desrespeitada por uma classe politica iletrada e de todos os académicos que se deixaram enrolar na onda alterosa do desnorte das ideias.

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