in, Revisra "O Occidente" de 15 de Setembro de 1880
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O feito de Judite que viveu no século VI a.C. - narrado no Livro bíblico que tem o seu nome . não se coaduna com os princípios da moral cristã que só assentou as suas primícias no convívio social com a doutrina evangélica de Jesus Cristo, séculos depois, mas obedeceu às ideias do tempo e é a esse princípio que o seu acto heróico tem de ser aceite.
A sua cidade - Betúlia - havia-se rendido a Holofernes, o general comandante das tropas da Assíria (actual norte de Iraque) que tendo-a cercado lhe cortara o acesso ao resto da País e a Jerusalém.
O Império assírio no tempo de Judite
Judite, que é referida como viúva, sai da cidade e dirige-se ao acampamento do inimigo e excita com a sua beleza os ardores apaixonados de Holofernes e após a exposição desesperada do seu povo atacado pela fome e que segundo o relato, tendo-a ouvido amavelmente fica rendido à sua beleza, numa certa noite, tendo-a convidado para participar num banquete, após este e na sua tenda do acampamento, cheio de paixão por ela, durante o sono do general-chefe, Judite servindo-se da sua própria espada cortou-lhe a cabeça.
Concluído o acto, discretamente sai do acampamento.
Quando as tropas assírias deram pela falta do seu comandante, ao terem encontrado o seu cadáver instalou-se o pânico, o que originou o consequente contra ataque dos judeus culminado com a vitória contra um exército sem chefe e a sua debandada, de que resultou a consagração de Judite pelo povo de Betúlia, tendo o seu feito originado a deslocação de Jerusalém do Sumo-Sacerdote Joacim para a felicitar, tendo ela entoado, como resposta àquele gesto de cortesia o seu famoso cântico:
«Entoai um
cântico ao meu Deus
com tamborins,
cantai ao meu
Senhor com címbalos,
cantai-lhe um
salmo novo,
exaltai-o e
invocai o seu nome,
porque Deus é
o Senhor que esmaga as guerras,
porque me
reconduziu ao seu acampamento, no meio do povo,
e me arrancou às
mãos dos meus perseguidores.
Os assírios vieram
das montanhas do Norte,
com miríades
dos seus guerreiros;
a sua multidão
cobria os vales,
e os seus cavalos
cobriam as montanhas.
Ameaçou
queimar o meu território,
matar os meus
jovens à espada,
deitar por
terra as minhas crianças de peito,
fazer das
minhas crianças presa sua
e raptar as
minhas virgens.
Mas, o Senhor
todo poderoso
fez-lhes frente
pela mão de uma mulher.
O seu homem
valente não morreu às mãos dos jovens,
nem foram os
filhos dos Titãs que o derrotaram,
nem foram os
gigantes que o venceram,
mas sim Judite,
filha de Merari,
que o derrotou
com a beleza do seu rosto.
Ela tirou o
seu vestido de viúva,
para exaltar os
oprimidos de Israel.
Ungiu o seu
rosto com perfume,
segurou o
cabelo com uma tiara
e vestiu um vestido
de linho para o seduzir.
A sua sandália
encantou os seus olhos,
a sua beleza
cativou o seu espírito
e a espada
cortou-lhe o pescoço.
Os da Pérsia
tremeram
por causa da
sua audácia,
e os da Média
ficaram perturbados com a sua coragem.
Então, os
meus humildes soltaram gritos de guerra,
o meu povo
fraco gritou
e os inimigos
tremeram;
levantaram as
suas vozes,
e o inimigo
retrocedeu.
Os filhos das
servas trespassaram-nos,
feriram-nos
como filhos de fugitivos,
pereceram diante
do exército do meu Senhor.
Cantarei ao
meu Deus um cântico novo.
Senhor, Tu és
grande e glorioso,
maravilhoso em
poder e invencível.
Que todas as
tuas criaturas te sirvam,
já que disseste
e elas foram feitas.
Enviaste o teu
espírito e as formaste,
e ninguém pode
resistir à tua voz.
O tumulto das
águas sacudirá
as montanhas
nos seus alicerces
e os rochedos
fundirão como cera diante de ti.
Mas Tu
continuarás a mostrar
a tua misericórdia
àqueles que te
temem.
Pois é pouco
todo o sacrifício
e oferta de
odor agradável,
e toda a sua
gordura é nada para o teu holocausto;
mas, aquele que
teme o Senhor será grande para sempre.
Ai das nações
que se levantaram contra o meu povo!
O Senhor todo
poderoso vingar-se-á delas no dia do juízo,
enviará o fogo
e os vermes sobre a sua carne
e chorarão de
dor para sempre.»
O Livro de Judite foi considerado canónico pelos judeus até ao século 1º d.C., por decisão do Papa Inocêncio I, tendo depois passado a ser considerado apócrifo, até que com a tradução para latim de S. Jerónimo passou a figurar nas edições católicas da Bíblia, pese embora o seu estilo, devendo ser entendido em face das façanhas do povo assírio, um povo de guerreiros que baseava as suas leis no Código de Hamurabi, rei da Babilónia no século XVIII a.C., acreditando-se que o seu rei era um enviado dos deuses, que em virtude dessa crença ficava distanciado dos demais mortais e cujo lema era deixar os deuses satisfeitos, pelo que fazia imperar a sua legitimidade pela violência militar, vangloriando-se das suas práticas sangrentas.
Assim, diante da opressão dos que acreditavam em deuses, é entendível o gesto de Judite, combatendo os inimigos com as mesmas armas e com a confiança em Deus Único, agindo contra aquela crença.
Nesse contexto, o Livro de Judite indica que a fé autêntica
é aquela que encarna a fidelidade a Deus e ao seu projecto dentro da situação
histórica concreta em que o povo vivia na época, fazendo de Deus um aliado com todos aqueles que lutavam para conquistar a liberdade e a vida, procurando destruir
toda e qualquer forma de escravidão e morte.
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