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sexta-feira, 26 de agosto de 2016

Judite: a heroína judia de Betúlia

in, Revisra "O Occidente" de 15 de Setembro de 1880
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O feito de Judite que viveu no século VI a.C. - narrado no Livro bíblico que tem o seu nome . não se coaduna com os princípios da moral cristã que só assentou as suas primícias no convívio social com a doutrina evangélica de Jesus Cristo, séculos depois, mas obedeceu às ideias do tempo e é a esse princípio que o seu acto heróico tem de ser aceite.

A sua cidade - Betúlia - havia-se rendido a Holofernes, o general comandante das tropas da Assíria (actual norte de Iraque) que tendo-a cercado lhe cortara o acesso ao resto da País e a Jerusalém.

O Império assírio no tempo de Judite

Judite, que é referida como viúva, sai da cidade e dirige-se ao acampamento do inimigo e excita com a sua beleza os ardores apaixonados de Holofernes e após a exposição desesperada do seu povo atacado pela fome e que segundo o relato, tendo-a ouvido amavelmente fica rendido à sua beleza, numa certa noite, tendo-a convidado para participar num banquete, após este e na sua tenda do acampamento, cheio de paixão por ela, durante o sono do general-chefe, Judite servindo-se da sua própria espada cortou-lhe a cabeça.

Concluído o acto, discretamente sai do acampamento.

Quando as tropas assírias deram pela falta do seu comandante, ao terem encontrado o seu cadáver instalou-se o pânico, o que originou o consequente contra ataque dos judeus culminado com a vitória contra um exército sem chefe e a sua debandada, de que resultou a consagração de Judite pelo povo de Betúlia, tendo o seu feito originado a deslocação de Jerusalém do Sumo-Sacerdote Joacim para a felicitar, tendo ela entoado, como resposta àquele gesto de cortesia o seu famoso cântico:

«Entoai um cântico ao meu Deus
com tamborins,
cantai ao meu Senhor com cím­balos,
cantai-lhe um salmo novo,
exaltai-o e invocai o seu nome,
porque Deus é o Senhor que es­maga as guerras,
porque me reconduziu ao seu acam­­­pamento, no meio do povo,
e me arrancou às mãos dos meus perseguidores.

Os assírios vieram das monta­nhas do Norte,
com miríades dos seus guerrei­ros;
a sua multidão cobria os vales,
e os seus cavalos cobriam as mon­­­tanhas.
Ameaçou queimar o meu terri­tó­rio,
matar os meus jovens à espada,
deitar por terra as minhas crian­ças de peito,
fazer das minhas crianças presa sua
e raptar as minhas virgens.

Mas, o Senhor todo poderoso
fez-lhes frente pela mão de uma mulher.
O seu homem valente não mor­reu às mãos dos jovens,
nem foram os filhos dos Titãs que o derrotaram,
nem foram os gigantes que o ven­ceram,
mas sim Judite, filha de Merari,
que o derrotou com a beleza do seu rosto.
Ela tirou o seu vestido de viúva,
para exaltar os oprimidos de Is­rael.
Ungiu o seu rosto com perfume,
segurou o cabelo com uma tiara
e vestiu um vestido de linho para o seduzir.
A sua sandália encantou os seus olhos,
a sua beleza cativou o seu espí­rito
e a espada cortou-lhe o pescoço.

Os da Pérsia tremeram
por causa da sua audácia,
e os da Média ficaram pertur­ba­dos com a sua coragem.
Então, os meus humildes solta­ram gritos de guerra,
o meu povo fraco gritou
e os ini­migos tremeram;
levantaram as suas vozes,
e o ini­migo retrocedeu.
Os filhos das servas trespassa­ram-nos,
feriram-nos como filhos de fugi­tivos,
pereceram diante do exército do meu Senhor.
Cantarei ao meu Deus um cân­tico novo.
Senhor, Tu és grande e glorioso,
maravilhoso em poder e inven­cí­vel.
Que todas as tuas criaturas te sir­vam,
já que disseste e elas foram feitas.
Enviaste o teu espírito e as for­maste,
e ninguém pode resistir à tua voz.

O tumulto das águas sacudirá
as montanhas nos seus alicerces
e os rochedos fundirão como cera diante de ti.
Mas Tu continuarás a mostrar
a tua misericórdia
àqueles que te temem.
Pois é pouco todo o sacrifício
e oferta de odor agradável,
e toda a sua gordura é nada para o teu holocausto;
mas, aquele que teme o Senhor será grande para sempre.

Ai das nações que se levanta­ram contra o meu povo!
O Senhor todo poderoso vingar-se-á delas no dia do juízo,
enviará o fogo e os vermes sobre a sua carne
e chorarão de dor para sempre.»

O Livro de Judite foi considerado canónico pelos judeus até ao século 1º d.C., por decisão do Papa Inocêncio I, tendo depois passado a ser considerado apócrifo, até que com a tradução para latim de S. Jerónimo passou a figurar nas edições católicas da Bíblia, pese embora o seu estilo, devendo ser entendido em face das façanhas do povo assírio, um povo de guerreiros que baseava as suas leis no Código de Hamurabi, rei da Babilónia no século XVIII a.C., acreditando-se que o seu rei era um enviado dos deuses, que em virtude dessa crença ficava distanciado dos demais mortais e cujo lema era deixar os deuses satisfeitos, pelo que fazia imperar a sua legitimidade pela violência militar, vangloriando-se das suas práticas sangrentas.

Assim, diante da opressão dos que acreditavam em deuses, é entendível o gesto de Judite, combatendo os inimigos com as mesmas armas e com a confiança em Deus Único, agindo contra aquela crença.
Nesse contexto, o Livro de Judite indica que a fé autêntica é aquela que encarna a fidelidade a Deus e ao seu projecto dentro da situação histórica concreta em que o povo vivia na época, fazendo de Deus um aliado com todos aqueles que lutavam para conquistar a liberdade e a vida, procurando destruir toda e qualquer forma de escravidão e morte.

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