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domingo, 11 de novembro de 2018

Uma crónica assisada


Preclaro, como acontece nas suas crónicas, o escritor Miguel Sousa Tavares deixa entrever na sua prosa acutilante e cheia de sentido social o facto da assunção das diferenças de gostos marcar a baliza entre o autoritarismo e a liberdade de pensar e agir, com o seu texto: "O Suicídio da Esquerda Democrática" publicado no primeiro caderno do Jornal "Expresso" de 10 de Novembro de 2018, que é na sua análise assisada um aviso sério àquilo que está a acontecer ante os nossos olhos, em que, paulatinamente, a coberto da democracia, a imposição de gostos de satisfação pessoal - como aquele que tomou de assalto a actual ministra da Cultura fazendo-os valer para o colectivo como regra -  são um despautério, porque se escondem neles imposições radicais de uma opinião pessoal para impor uma política de tom moralista e civilizacional contra os que não pensam como a detentora da pasta da Cultura e todos fossem - onde me incluo - uns incivilizados.

Vem  tudo isto a propósito da ministra ter dito, a propósito da tauromaquia que "não é uma questão de gosto, é uma civilização", donde se pode concluir que a imposição na generalidade  de uma ditadura de gosto é descriminatória e, logo, violadora da letra da Constituição, pelo que ao não querer baixar o IVA para a tauromaquia para os 6% - admitindo-o para os outros espectáculos ao ar livre - disse "alto e bom som" que "todas as políticas públicas têm na sua base valores civilizacionais que partilhamos e as civilizações evoluem". 

Na crónica a que aludimos o escritor Miguel Sousa Tavares a este propósito, num dado passo quando desqualifica a ministra "para a pasta que acabava de tomar em mãos", acrescenta o seguinte, que transcrevemos com a devida vénia (sic): "recomendava-se à ministra que entrasse com pezinhos de lã nas suas funções. Mas não: ela, literalmente, resolveu sair à arena e entrar numa tourada para que ninguém a convocara e para a qual não estava preparada, nem política nem intelectualmente. Podia a ministra ter deixado o IVA sobre as touradas como estava, sem dar explicações; podia ter dito que as touradas são um espectáculo rico (o que não é verdade, mas talvez enganasse os tolos); podia ter dito que não são um espectáculo cultural (o que seria objecto de uma discussão sem fim); podia ter inventado muitas e variadas justificações" 

E, mais à frente com a argúcia que o caracteriza, diz mais isto:

"Mas o que não podia nunca era ter invocado o seu gosto e a sua opinião pessoal sobre as touradas para justificar uma política fiscal sobre os espectáculos — e se ela não gostar de circo ou de ballet? E,sobretudo, não podia nunca tê-lo feito num tom moralista e ‘civilizador’ sobre os que têm opiniões diferentes da sua e que arrogantemente despachou como incivilizados, bárbaros, selvagens — e que por ora castiga fiscalmente e que amanhã, em podendo, tratará como foras-da-lei e perseguirá criminalmente. Manuel Alegre tem toda a razão: são atitudes destas que fazem nascer os Bolsonaros. Mas eu vou ainda mais além: não vejo diferença alguma entre atitudes destas — só porque, alegadamente,vêm de uma esquerda urbana e auto declarada civilizada — e as atitudes de um Bolsonaro. Em ambas existe a mesma fé na missão de educar o povo, de lhe impor uma ditadura de comportamento e de gostos e de lhe impingir as novas ‘verdades’, sejam as das redes sociais, sejam as do politicamente correcto — que mais não são do que expressões de um terrorismo ideológico, que dispensa as pessoas de pensar por si próprias".

Atenção, pois.


Não é admissível que o Partido Socialista - de génese fundacional livre e respeitador dos gostos de todos os portugueses - para agradar aos seus parceiros da esquerda totalitária, mormente o BE e o PAN, cujos votos lhe podem fazer falta numa futura eleição, entre por esta deriva de querer impor o gosto de um qualquer dos seus ministros ao colectivo da Nação, que é lá que se têm de arranjar as amas para os combates contra os extremismos por demais emergentes, na actualidade, pelo que neste ponto sirvo-me de novo da prosa viva, sentida e muito firme da parte final da brilhante crónica de Miguel Sousa Tavares, quanto à defesa que é preciso fazer e é tarefa de todos nós:

O nosso Partido Socialista pode pensar que nada disto o deve preocupar. Que a classe média está encantada com os indicadores económicos da conjuntura, com as Web Summits, os ALD, o crédito barato e tantas outras ilusões que no passado nos saíram tão caras. Pois, talvez sim e talvez não. E se estiver apenas adormecida e um dia acordar virada para a direita? E a única direita que houver para a acolher for a que por aí abre caminho?    

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