Pesquisar neste blogue

quinta-feira, 1 de novembro de 2018

Faz hoje 263 anos.


Faz hoje 263 anos que eclodiu em  Lisboa, pela manhã, o terrível terramoto e maremoto de 1755 que arrasou a cidade tendo deixado atrás de si, milhares de vítimas, pelo que ao lembrar esta data, dos muitos escritos que sobre ela existem, veio-me à lembrança um vulto da história industrial e comercial daquele tempo - Jácome Ratton -  que teve de fugir do Convento do Carmo onde assistia à Missa de Todos-os-Santos.


Das memórias que nos deixou compiladas em Livro, está a que se segue no cap. 13, sob o título: 

Época e sucessos respectivos ao Terramoto de 1755.

Entre os acontecimentos extraordinários da minha vida não devo omitir a meus filhos o que passei na ocasião do memorável terramoto de Lisboa, que teve lugar no dia 1º de Novembro de 1755, pelas nove horas e meia da manha; e como fosse dia de Todos os Santos, tinha eu sido á Missa á Igreja do Carmo, cujo tecto era de abobada de pedra, e derrubado matou muito povo que ali se achava, de cujo perigo escapei por ter sido mais cedo, e me achar na dita hora nas águas furtadas. Das minhas casas, mostrando a hum comprador numa partida de papel, que nos tinha vindo avariado, e ali se tinha posto a enxugar.

Ao sentir o primeiro abalo me ocorrerão muitas reflexões tendentes a salvar a minha vida, e não ficar sepultado debaixo das ruínas da própria casa, ou das vizinhas, se descendo as escadas fugisse para a rua; mas tomei o partido de subir ao telhado, nas vistas de que abatendo a casa eu ficasse sempre superior às ruínas.

Já quando eu tomei este expediente era tanta a poeira, que, á maneira do mais denso nevoeiro, impedia a vista, a duas braças de distância; só passados alguns minutos, que a dita poeira se foi dissipando, e que eu pude ver o interior das casas vizinhais, por terem caído as paredes fronteiras, até aos primeiros andares, ficando os telhados apenas sustidos pelas paredes divisórias.

Seus habitantes, alguns ainda em camisa, correndo espavoridos de numa a outra parte imprecavam os auxílios do Céu, e dos homens em seu socorro. À vista desta horrível cena, me resolvi descer as escadas, e fugir para a rua, a fim de buscar alguma parte aonde me julgasse mais seguro.

Ao descer as escadas encontrei meus Pais, que aflitos me buscavam nas ruínas de um grande pano da chaminé que tinha caído, e debaixo do qual me julgavam sepultado. Foi inexplicável o nosso contentamento quando nos encontramos; mas eu sem perder tempo lhes pedi que me acompanhassem para o largo mais próximo, que era ao fundo da rua do Alecrim; e encontrando de passagem D. Maria Castre, nossa vizinha, pouco mais ou menos da minha idade, que também fugia, a tomei pelo braço, e seguimos a rua dos Remulares por cima de entulhos, e muitos corpos mortos, até á beira-mar, aonde nos julgávamos mais seguros.

Mas pouco depois de ali ter-mos chegado, assim como muita gente, se gritou que o mar vinha saindo furiosamente dos seus limites: facto que presenciámos, e que redobrou o nosso pavor, obrigando-nos a retroceder pelo mesmo caminho, e a procurar, pela rua de S. Roque, o alto da Cotovia, então obras do Conde da Tarouca, depois Patriarcal, e hoje Erário novo, aonde também vieram ter, por diversos caminhos, meus Pais, e os parentes da dita Senhora, todos na maior inquietação por não saberem hunos dos outros, como acontece a imenso povo, que procurou aquele sitio descampado, então terras de pão, desde o alto da rua de S. Bento até a travessa de Cárdeas de Jesus, havendo apenas algumas casas na rua que vai desde o Pátio do Tijolo, ou obras do Conde de Soure, até a fábrica da seda, que já existia, assim como também a casa de D. Rodrigo, actualmente Imprensa Regia, e o Convento dos Jesuítas, hoje Colégio dos Nobres.

O descampado daquele alto dava lugar a descobrir-se a cidade por todos os lados, a qual, logo que foi noite, apresentou á vista o mais horrível espectáculo das chamas que a devorava cujo clarão alumiava, como se fosse dia, não só a mesma cidade, mas todos os seus contornos, não se ouvindo senão choros, lamentações, e choros entoando o Bem-dito, Ladainhas, e Miserere.

Por fortuna o céu se conservava claro e sereno, e o terreno enxuto; por não ter até então havido chuvas, nem as haver por oito dias mais, o que doe ocasião a fazer cada hum os arranjos, que lhe permitia as circunstâncias.

Na madrugada do seguinte dia me convidou meu Pai para o acompanhar às nossas casas, e ver se delas podíamos salvar alguma cousa, principalmente o precioso, livros, e papéis de maior importância. Não foi sem bastante trabalho, que nos saímos bem desta empresa; por quanto descendo pela rua de S. Bento, ainda com poucas casas, atravessamos do poço dos Negros para o poço novo, tomamos a calçada do Combro, e rua do Loreto, para descermos ao fundo da rua do Alecrim, de cujo lugar avistamos já em chamas a propriedade Pegada com a nossa casa, restando-nos apenas tempo para tirar os artigos acima ditos, que metemos em hum baú, que meu Pai por numa banda, o eu por outra trouxemos, por entre chamas em que ardia as ruas do Alecrim, S. Roque, e S. Pedro d'Alcântara, até o alto da Cotovia, aonde minha Mãe nos esperava.

Dali nos partimos com o baú numa besta de carga, que por fortuna aparece, e nos dirigimos a numa quinta de pessoa de nossa amizade, sita na estrada do Lumiar, adiante do Campo Grande, aonde fomos bem recebidos, e alojados no jardim, debaixo de numa barraca feita de lenções, e alastrada de colchões, sobre os quase dormia promiscuamente, e sem se despir, tanto a gente de casa, como a de fora; porque ninguém se animava a dormir debaixo de telha.

Os hóspedes era muitos, e o pouco, comer porque todos tinha receio de se demorar na cozinha, que havia pago em comum era mal feito; e houve tanta escassez de pão, que meu Pai, e eu fomos com numa besta de Ceira buscar numa carga a Linha – a - Pastora nas vizinhanças de Barcarena.  
Naquela quinta nos demoramos somente os dias necessários, para nos refazer do vestuário indispensável, principalmente roupa branca; visto que não foi possível a cada um salvar, mais do que aquela que tinha no corpo.


Jácome Ratton (nascido Jacques Ratton, em Monestier de Briançon, atual Le Monêtier-les-Bains), 7 de Julho de 1736 - Lisboa, c. 1821-1822) foi um industrial e comerciante luso-francês do século XVIII e início do século XIX. Deputado do tribunal supremo da Real Junta do Comércio, Agricultura, Fábricas e Navegação; fidalgo cavaleiro da Casa Real e cavaleiro da ordem de Cristo. Sendo francês de nascimento, tornou-se português por naturalização.

Os seus pais vieram para Portugal, onde já tinham familiares (Jacome Bellon,um tio seu mantinha actividade mercantil no Porto) e Jácome Ratton segui-os, chegando a Lisboa em 7 de Maio de 1747, onde continuou a sua educação, sempre orientada no sentido do comércio. Em 1758 casou com Ana Isabel Clamouse, filha do cônsul francês no Porto, Bernard Clamouse. Em 1762, durante a Guerra dos Sete Anos, naturalizou-se português.

No quadro das políticas de fomento industrial pombalino, em 1764 projectou uma fábrica de tinturaria, outra de chitas, outra de papel e ainda de chapelaria, em Elvas e Lisboa; ao mesmo tempo investia na exploração das salinas de Alcochete e à plantação de árvores exóticas em Portugal (foi ele o responsável pela introdução do Eucalipto e da Araucária em Portugal).

O seu Palácio em Lisboa (Palácio Ratton), é hoje em dia a sede do Tribunal Constitucional.

Fonte: Wikipédia, a Enciclopédia livre

Sem comentários:

Enviar um comentário