AS LENDAS NA ORIGEM DO CÍRIO E DAS FESTIVIDADES POPULARES
As lendas
da Senhora do Cabo na sua formulação ingénua, mas crente, têm por base as
Escrituras da Bíblia Sagrada, pese embora o facto de serem narrativas de origem
popular criadas e transmitidas oralmente, como um produto nascido da imaginação
colectiva de um grupo de pessoas ou de um povo, que ali, na penedia agreste do
Cabo Espichel, olhando o fervilhar das águas oceânicas sentiram no desconhecido
que então se vivia a força sobrenatural de Deus cujo alto Espírito vogava sobre
as águas do grande Mar.
A veneração
a Nossa Senhora do Cabo nasceu, efectivamente, de acontecimentos
extraordinários acontecidos na Serra da Arrábida que deram origem às
respectivas lendas que se foram enraizando na alma popular, “como coisas que devem ser lidas”, como as que se fundam nos acontecimentos ocorridos no Cabo
Espichel, e que ao terem sido apropriadas pela comunidade local e pela sua
força se tornaram credíveis pela comparação entre o teor das suas narrações e
os factos ocorridos e commumente aceites pela sociedade.
Temos, assim, que as lendas da Senhora do Cab
são uma explicação plausível e aceitável para algo que ali aconteceu que sem
ter uma explicação científica comprovada, a sobrenaturalidade se encarregou de
combinar o facto histórico da existência da Virgem Maria, Mãe de Jesus Cristo,
com o Mistério do aparecimento de uma sua Imagem naquele local com o fim de
transmitir através da força da fé um incentivo de ordem real a um povo, que
naquele preciso momento estava, com a Reconquista Cristã, a concluir em território nacional ( o que viria a acontecer
em 1249) a expulsão muçulmana de uma
crença contrária aos ideais que haviam estado na origem da Pátria Portuguesa.
A primeira lenda diz que “a venerável imagem de Nossa Senhora apareceu cerca de 1215. Pertencia
a um frade eremita de S. Agostinho, Hildebrando, que viajava numa embarcação
mercante inglesa, que, quando se dirigia a Lisboa, foi apanhada, já noite
cerrada, por tão violento temporal que nem o leme manobrava. Nesta aflitiva
situação, quando todos se viam já ameaçados de se afundarem ou de se
despedaçarem contra os rochedos, o frade pretendeu ir buscar a santa imagem
para que, em conjunto, implorassem a divina protecção — surpresa, tinha desaparecido,
com as alterosas ondas que invadiam a embarcação. Mas a sua fé naquela
representação de Nossa Senhora era tão grande que, mesmo assim, incitou a que
todos a evocassem de joelhos e se lhe recomendassem. Eis então que, de repente,
forte luz rompeu o denso negrume da noite, como um sol, e amainaram os ventos e
sossegaram as ondas. Com bonança, navegaram em direcção à luz e deitaram ferro
junto à costa. Ao amanhecer, desembarcaram, curiosos de se inteirarem da origem
da estranha e milagrosa claridade, e, subindo a escarpa, lá se lhes deparou,
maravilhados, a precisa imagem de Nossa Senhora que havia desaparecido na
véspera — fonte do luzeiro e da acção apaziguadora da intempérie. Em sinal de
reconhecimento e de admiração, por entenderem que a Senhora tinha eleito aquele
local, não a quiseram retirar e, nesse exacto lugar, construíram-lhe uma
ermida, que Frei Hildebrando e o seu companheiro de viagem, Bartolomeu, fidalgo
e também inglês, conservaram com reverente zelo”.
in,
http://www.lendarium.org/narrative/n-sa-do-cabo
A segunda lenda remonta ao ano de 1410, quando um
habitante de Alcabideche, desde a Serra de Sintra viu uma luz intensa como uma
estrela no cimo do Cabo Espichel, tendo sido avisado em sonho por Nossa Senhora
que naquele local ela havia de encontra uma sua Imagem que havia séculos ali
estava a pedir que os devotos lhe prestassem culto.
De imediato
pôs-se a caminho, mas tendo anoitecido por altura da Caparica, pediu pousada a
uma mulher daquela local a quem referiu o sonho que tivera. Aconteceu que ao
acordar não viu a sua hospedeira e pôs-se a caminho do Cabo, onde a veio a
encontrar em oração à qual se juntou, tendo na frente dos olhos a Imagem que
vira no seu sonho e de que resultou que os povos de Alcabideche e da Caparica,
em grande número passaram a peregrinar até à àquele local.
A terceira lenda conta que um grupo de vários
homens do sitio de Caparica, que iam á serra cortar lenha, foram os que tiveram
a ventura de primeiro ver a Senhora, divergindo neste ponto das lendas
anteriores, mas convergindo no essencial: no aparecimento da Imagem da Virgem
Nossa Senhora.
Paralelamente
a estas tradições existe ainda outra – a que chamaremos a quarta lenda - que nos dá conta do milagroso aparecimento da
Senhora da Pedra de Mua.
Frei
Agostinho de Santa Maria (17, Tomo II, p. 474) narra-a com pormenores: «(…) afirmam que a Senhora aparecera na praia que
lhe fica em baixo da mesma penha, onde se edificou a Ermidinha, e que aparecera
sobre sua jumentinha, e que esta subira pela rocha acima, e que ao subir ia
firmando as mãos, e os pés na mesma rocha, deixando impressos nela os vestígios
das mãos, e pés (…)». Sublinhando que «de ser isto assim o afirmava a tradição
dos que viram estes mesmos sinais, que hoje já tem gastado, e consumido o
tempo», acrescenta que a Ermida «se fundou no lugar aonde a Senhora parou,
naquela liteirinha vivente que a levava» e que a capela «desfez muitas vezes o
tempo; mas a devoção dos que a servem, a reformou outras tantas vezes, apesar
dos seus rigores.»
Saliente-se ser frei Agostinho de
Stª Maria o único autor antigo a mencionar esta tradição. Todavia, a lenda
surge-nos igualmente contada - com alterações - nos azulejos historiados da
Ermida da Memória: aí se lê, em autêntica banda desenhada setecentista, que
foram os dois velhos de Alcabideche e da Caparica quem presenciou o milagre da
subida de Nossa Senhora pela arriba, montada na sua mula e transportando o
menino ao colo. Estes azulejos relatam, assim, uma versão composta das duas
tradições: a da subida da Virgem e das pegadas da mula, narrada por Agostinho
de Stª Maria, e a dos dois anciãos que descobriram a imagem, narrada por
Cláudio da Conceição.
in,
Wikipedia
Painel de azulejos referente a esta
lenda
Temos uma quinta lenda que não se fundando
como as antecedentes em casos extraordinários que ganharam raízes pela
transmissão oral dos acontecimentos inexplicáveis à razão mais secularizada,
assenta historicamente num facto histórico ocorrido na Península Ibérica como
era conhecido o território ocidental invadido pelo general berbere Tarik e 711,
num tempo em que conforme afirma João Ameal no 1º volume do seu livro “Fátima,
Altar do Mundo” quando diz: É no século VII que a história encontra na
Península a primeira festa em honra da Virgem
Santíssima. Dela nos deixaram
precioso testemunho os padres do 10º Concílio de Toledo (1º de Dezembro de
656).
Vencidos os
visigodos na batalha de Guadalete, Tarik iniciou o domínio muçulmano que se eio
a estender por vários séculos até ao final da Reconquista Cristã da Península,
o que deu origem a que o povo cristão aconselhado e orientado pelo presbiterado tenha escondido ou
enterrado as Imagens da Virgem em sítios ermos ou inóspitos com o fim das mesmas não serem descobertas e profanadas. Há quem sustente que
a Imagem da Senhora do Cabo teria sido uma dessas e o achado interpretado como
um sinal divino. derivando daí o culto secular que ea veio a merecer ao povo
cristão.
Esta lenda
se não tem o cunho transcedental das anteriores, tendo por base uma realidade
histórica que os acontecimentos bélicos originaram, não deixa de ter a sua base no achamento da Imagem, como se a intuição humana tivesse
sido conduzida pelo sobrenatural àquele lugar no cimo da escarpa do Cabo
Espichel.