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sábado, 30 de agosto de 2014

Um poema de António Feijó (1859-1917)




 In, Wikipédia


ÍNTIMA


Hora crepuscular, pálida e triste…
No luxuoso salão, como um desmaio,
O sol, pela janela que entreabriste,
Dizia-nos adeus no último raio.

Ficámos um momento extasiados,
Vendo as glórias do poente moribundo,
E os nossos pensamentos enlaçadps
Fugiam na visão dum outro mundo.

Os lábios nem sequer se agitavam,
Comprimindo suspiros inefáveis,
Mas quando os nossos olhos se cruzavam
Faziam confidências adoráveis.

E assim ficamos deliciosamente
Sem escutar, na mística abstracção,
O movimento isócrono e plangente
Dum antigo relógio de salão.

Caía a noite, no silêncio amigo,
Do céu profundo como azul ferrete;
Deram seis horas, e o relógio antigo
Fez ouvir um graciosos minuete.

E aqueles sons um eco despertaram,
Que nos encheu de angústia e de saudade…
A saudade dos tempos que passaram,
A vaga nostalgia de outra idade.

E nesses largos sonhos impolutos,
Que diríamos nós, Alma insofrida,
Para imobilizar esses minutos
Que nunca se repetem nesta vida!




António Feijó deixa-nos perceber neste poema a existência de dois belos retratos.

Não apenas, o da tarde que caía num poente moribundo, mas também, o da Alma insofrida do Poeta que em pinceladas hábeis como que esculpem num mármore de finíssimo recorte a intimidade insinuada nos olhos que se cruzavam para deixar impressas as confidências adoráveis de dois seres que se entendiam, ao cair da tarde, sem dizerem uma só palavra.

Há, efectivamente, necessidade de silêncio nas nossas vidas, sem que isso seja um abandono dos sentidos ao que podem dizer as palavras, mas antes, um modo introspectivo de amar o outro - pondo no meio do silêncio - o espírito a elevar para o Alto a sensibilidade do momento que é preciso viver de vez em quando para podermos encontrar no mutismo as "tagarelices" inteligentes em que podem ou não existir saudades passadas ou nostalgias de tempos que se foram, motivos de encontros de almas, na certeza que é desses momentos que nunca se repetem nesta vida, que ela se torna mais íntima e mais necessitada de encontrar no silêncio do outro, o amor dos sonhos impolutos que é preciso viver.

É esta a lição de António Feijó.

Que ela sirva de mote e, com ele, construamos a glosa que se impõe, sobretudo, agora, em que os muitos barulhos do mundo chegam por demais aos nossos lares escancarados, quando deviamos fechar um pouco mais as portas e janelas dos noticiários prolixos e infindáveis que raramente nos contam cenas edificáveis, e em seu lugar encontrar momentos íntimos, ou seja, encontros de almas.


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