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sexta-feira, 29 de agosto de 2014

El-Rei D. João II (1455-1495) presente em "O Monstrengo" de Fernando Pessoa!



in, capa do Livro de Elaine Sanceau


Armado cavaleiro por seu próprio pai el-rei D. Afonso V na tomada de Arzila no ano de 1471, o príncipe D. João herdou do seu ilustre bisavô - el-rei D. João I - o nome e a arte de governar, há quem afirme, antes do tempo em que tomou sobre si o poder real, a tal ponto que a História lhe viria a chamar " O Príncipe Perfeito".

Foi com os seus próprios olhos que viu Marrocos nas campanhas movidas por seu pai contra a moirama e o sonho de África acalentado desde jovem, revigorado com a conquista de Ceuta, de Alcácer Ceguer, Arzila e Tânger, que acompanhou "par e passo" havia de vir a despoletar nele as novas conquistas depois de dobrado o Cabo Não - de onde se "voltaria ou não" como era costume dizer-se na na época - um facto em que movido pelo ímpeto que lhe fervia no sangue, herdado do seu tio-avô, o Infante D. Henrique, havia de lhe caber, depois do Bojador e a restante costa africana abaixo das Canárias, a grande façanha da ultrapassagem do Cabo da Boa Esperança, ou das Tormentas.

É neste passo fundamental da grande gesta marítima do século XV que o seu nome de rei notável, aparece redodradamente notabilizado no Poema "O MOSTRENGO" de Fernando Pessoa, cinco séculos depois, o que prova que todos os homens - reis ou não - se cumprirem os fados que lhe cabem viver de acordo com a lei e o tempo, são merecedores de figurarem na memória das gerações vindouras.



Para sua honra e lembrança, aqui fica, estampado o poema imorredoiro que lhe dedicou o autor da "MENSAGEM", que bem merece ser lido, porquanto ele é um dos grandes testemunhos literários de um Poeta - que é dos maiores de Portugal - e que não se coibiu de cantar os feitos dos portugueses, ao invés de outros que nem sequer sabem por onde andaram os seus avoengos marinheiros que serviram o rei que teve a graça de dividir o "mundo em dois" com o Tratado de Tordesilhas...



O MONSTRENGO


O mostrengo que está no fim do mar
Na noite de breu ergueu-se a voar;
A roda da nau voou três vezes,
Voou três vezes a chiar,
E disse: «Quem é que ousou entrar
Nas minhas cavernas que não desvendo,
Meus tectos negros do fim do mundo?»
E o homem do leme disse, tremendo:
«El-Rei D. João Segundo!»

«De quem são as velas onde me roço?
De quem as quilhas que vejo e ouço?»
Disse o mostrengo, e rodou três vezes,
Três vezes rodou imundo e grosso.
«Quem vem poder o que só eu posso,
Que moro onde nunca ninguém me visse
E escorro os medos do mar sem fundo?»
E o homem do leme tremeu, e disse:
«El-Rei D. João Segundo!»

Três vezes do leme as mãos ergueu,
Três vezes ao leme as reprendeu,
E disse no fim de tremer três vezes:
«Aqui ao leme sou mais do que eu:
Sou um povo que quer o mar que é teu;
E mais que o mostrengo, que me a alma teme
E roda nas trevas do fim do mundo,
Manda a vontade, que me ata ao leme,
De El-Rei D. João Segundo!»



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