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quinta-feira, 3 de julho de 2014

Sophia de Mello Breyner Andresen (1919-2004)



Foto,(parcial) in Jornal digital "Observador"


Sophia de Mello Breyner Andresen faleceu há dez anos.
Em Fevereiro de 2014 a Assembleia da República - onde a Poeta, como gostava de ser tratada foi deputada em 1975 pelo Partido Socialista na Assembleia Constituinte - por unanimidade decidiu dar a honra do Panteão Nacional aos restos mortais da consagrada escritora, por forma a honrar “a escritora universal, a mulher digna, a cidadã corajosa, a portuguesa insigne”, e de evocar o seu exemplo de “fidelidade aos valores da liberdade e da justiça”, segundo o texto parlamentar.

Este facto aconteceu, ontem, dia 2 de Julho de 2014, com a trasladação a partir do cemitério de Carnide, tendo a arca tumular ocupado a sala onde se encontram as do General Humberto Delgado e a do seu confrade das Letras, Aquilino Ribeiro.

Não se pode neste pequeno apontamento de homenagem à Mulher que foi Sophia, ou de dar um retrato abrangente da sua vida e da sua obra, mas, apenas, exaltar dois factos que estão na origem desta insigne Mulher que valorizou, sobremaneira as Letras Portuguesas: pelo lado paterno vai buscar à Dinamarca, a sua origem através do bisavô, Jan Heinrich Andresen e pelo materno a sua portugalidade, na mãe, filha do conde de Mafra e neta do conde Henrique de Burnay.



Publicou em 1962 "Contos Exemplares" e em 1984 "Histórias da Terra e do Mar", tendo dedicado grande parte do seu labor literário dedicado à prosa a Contos Infantis, como "A Menina do Mar" (1958) ; "A Fada Oriana" (1958) ; "Noite de Natal"(1959) ; "O Cavaleiro da Dinamarca" (1964) ; "O Rapaz de Bronze" (1965) ; "A Floresta" (1968) ; "O Tesouro" (1970) e a  "A Árvore" (1985).

Teatróloga, publicou: "O Bojador" (2000) ; "O Colar (2001) ; "O Azeiteiro"(2000) ; "Filho de Alma e Sangue"(1998) ; "Não chores minha Querida" (1993).

Ensaísta, publicou: "A poesia de Cecíla Meyrelles" (1956) ; "Cecília Meyrelles" (1958) ; 
Poesia e Realidade (1960), in Colóquio, nº 8"Hölderlin ou o lugar do poeta" (1967) ; "O Nu na Antiguidade Clássica" (1975) ; "Torga, os homens e a terra" (1976) ; "Luiz de Camões. Ensombramentos e Descobrimentos" (1980) ; "A escrita (poesia)" (1982).

Tradutora, publicou:  "A Anunciação de Maria (Paul Claudel) – 1960 ; "O Purgatório (Dante) – 1962 ;  "A Hera", "A última noite faz-se estrela e noite" (Vasko Popa); "Às cinzas", "Canto LI", "Canto LXVI" (Pierre Emmanuel); "Gosto de te encontrar nas cidades estrangeiras" (Edouard Maunick) 1964 ; Muito Barulho por Nada (William Shakespeare) - 1964 ; Medeia (Eurípedes) - 1964 ; "Hamlet" (William Shakespeare) – 1965 "Os reis Magos", 1967 ; "Quatre Poètes Portugais" (Camões, Cesário Verde, Mário de Sá-Carneiro, Fernando Pessoa) – 1970 ; "A Vida Quotidiana no Tempo de Homero", de Émile Mireaux" 1979 ; "Ser Feliz", de Leif Kristianson, 1980 ; "Um Amigo", de Leif Kristianson, 1981 e "Medeia, de Eurípedes".

A sua brilhante carreira literária foi galardoada com os seguintes Prémios:

1964 - Grande Prémio de Poesia da Sociedade Portuguesa de Escritores, atribuído a Livro Sexto.
1977 - Prémio Teixeira de Pascoaes
1979 – Medalha de Verneil da Societé de Encouragement au Progrés, de França
1983 - Prémio da Crítica, do Centro Português da Associação Internacional de Críticos Literários, pelo conjunto da sua obra
1989 - Prémio D. Dinis, da Fundação da Casa de Mateus
1990 - Grande Prémio de Poesia Inasset / Inapa
1992 - Grande Prémio Calouste Gulbenkian de Literatura para Crianças
1994 - Prémio cinquenta anos de Vida Literária, da Associação Portuguesa de Escritores
1995 - Prémio Petrarca
1995 – Homenagem de Faculdade de Teologia da Universidade Católica de Lisboa, pelo cinquentenário da publicação do primeiro livro "Poesia"
1995 - Outubro – Placa de Honra do Prémio Fransesco Petrarca, Pádua, Itália
1996 - Homenageada do "Carrefour des Littératures", na IV Primavera Portuguesa de Bordéus e da Aquitânia
1998 - Prémio da Fundação Luís Miguel Nava
1999 - Prémio Camões (primeira mulher portuguesa a recebê-lo)
2000 - Prémio Rosalia de Castro, do Pen Clube Galego
2001 - Prémio Max Jacob Étranger
2003 - Prémio Rainha Sophia de Poesia Ibero-americana.
2004 - Morre e ganha o prémio "Estatueta de Ouro"

Recebeu as segintes condecorações

Grande-Oficial da Ordem Militar de Sant'Iago da Espada (9 de Abril de 1981)
Grã-Cruz da Ordem do Infante D. Henrique (13 de Fevereiro de 1987)

Grã-Cruz da Ordem Militar de Sant'Iago da Espada (6 de Junho de 1998)

Nota: a fonte dos dados atrás referidos deve-se à Wikipédia.


No final da cerimónia, à saída do Panteão Nacional, o seu filho e consagrado autor e brilhante jornalista Miguel Sousa Tavares expendeu, comovido, que uma das honras maiores que o País deve a sua mãe é continuar, entre as crianças, com o estudo e a leitura dos seus brilhantes Contos Infantis escritos com a pureza da Língua Portuguesa, algo que Miguel Sousa Tavares continua a cultivar, ao arrepio do canhestro e malfadado Acordo Ortográfico.

Que os responsáveis pelo Ministério da Educação tenham ouvido e sigam este conselho avisado do filho da insigne Poeta, de cuja obra se retiram estes pedaços dourado de uma poesia que bateu em todos os cantos da vida e onde o Mar teve um quinhºão muito largo.

Eis como Sophia se exprime ao falar do Infante D. Henrique:


Aos homens ordenou que navegassem
Sempre mais longe para ver o que havia
E sempre para o sul e que indagassem
O mar e a terra o vento e a calmaria
Os povos e os astros
E no desconhecido cada da entrassem


in, “Obra Poética” 

Senhora de um cristianismo que no seu sentir augurava os novos rumos que a Igreja viria a trilhar com o advento do Concílio Vaticano II, em 1987, dirigindo-se ao Senhor, interpretando o modo de uma multidão imensa de crentes - embora afastados dos Sacramentos - expressa-se assim:

Senhor sempre te adiei
Embora sempre soubesse que me vias
Quis ver o mundo em si e não em ti
E embora nunca te negasse te apartei

in, “Obra Poética” 

O seu verbo que tocou todas as regiões da saber, da cultura, da arte e, sobretudo, o da insatisfação contra os instalados na vida mas sem cuidar dos que os serviam na sua abastança, não podia deixar de lhes perguntar o porquê das suas tropelias sociais.
Eis como Sophia se dirigiu a eles:

Tu sentado à tua mesa
Bebes vinho e comes pão
Quem é que plantou a vinha?
Quem é que semeia o grão?

Lá no socalco da serra
Anda a cavar teu irmão
Debruçado sobre a terra
P’ra que tenhas vinho e pão

Para além daquela serra
P’ra que tenhas vinho e pão
Abrindo o corpo da terra
Dobra o corpo o teu irmão

Sua mão concha do cacho
Sua mão concha do grão
Em cada gesto que faz
Põe a vida em comunhão

in, “Obra Poética” 

Se os homens todos, independentemente, dos seus cargos - mais grandiosos ou mais humildes - entendessem de vez, que todo o trabalho que fazem devia em comunhão com o seu semelhante - como diz Sophia - este mundo seria mais honesto, seria sobretudo, mais puro.

Não deixou o seu verbo de homenagear essa grande figura do seu Porto natal, que foi o Bispo expatriado pelo poder do antigo regime, D. António Ferreira Gomes, a quem dedicou este Poema que é um alto momento da sua lira, ao homenagear, não a fortaleza que ela sabia haver em tudo o que de inerte a rodeava, como as pedra de granito do paço do Bispo, porque para ela, a gandeza maior estava no homem que visitava sempre que os seus passos subiam os degraus do Paço Episcopal.


Na cidade do Porto há muito granito
Entre névoas sombra e cintilações
A cidade parece firme e inexpugnável
E sólida - mas habitada
Por súbitos clarões de profecia
Junto ao rio em cujo verde se espelham as visões -
Assim quando eu entrava no paço do Bispo
E passava a mão sobre a pedra rugosa
O paço me parecia fortaleza
Porém a fortaleza não era
Os grossos muros de pedra caiada
Nem os lintéis de pedra nem a escada
De largos degraus rugosos de granito
Nem o peso frio que das coisas inertes emanava
Fortaleza era o homem - o Bispo -
Alto e direito firme como torre
Ao fundo da grande sala clara: fortaleza
De sabedoria e sapiência
De compaixão e justiça
De inteligência a tudo atenta
E na face austera por vezes ao de leve o sorriso
Inconsútil da antiga infância.

in, “Obra Poética” 

Ao ler este poema - lindíssimo na forma como o Bispo é erguido na  forma trabalhada do verbo de Sophia, como se a autora em vida já o quisesse esculpir no tal granito que há em profusão na cidade do Porto - é que o homem austero que foi D. António Ferreira Gomes, na sua face havia algo que todos os homens nunca deviam deixar morrer; o sorriso inconsútil da antiga infância, porque quando o homem deixa morrer em si mesmo, os traços da sua infância, faz morrer o que mais belo devia continuara a viver na sua existência.

Obrigado, Sophia, por esta lição!


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