Gravura publicada pela Revista
"Occidente" de 15 de Dezembro de 1878
Adeus!
Adeus! para sempre adeus!
Vai-te, oh! vai-te, que nesta hora
Sinto a justiça dos céus
Esmagar-me a alma que chora.
Choro porque não te amei,
Choro o amor que me tiveste;
O que eu perco, bem no sei,
Mas tu... tu nada perdeste;
Que este mau coração meu
Nos secretos escaninhos
Tem venenos tão daninhos
Que o seu poder só sei eu.
Oh! vai... para sempre adeus!
Vai, que há justiça nos céus.
Sinto gerar na peçonha
Do ulcerado coração
Essa víbora medonha
Que por seu fatal condão
Há-de rasgá-lo ao nascer:
Há-de sim, serás vingada,
E o meu castigo há-de ser
Ciúme de ver-te amada,
Remorso de te perder.
Vai-te, oh! vai-te, longe, embora,
Que sou eu capaz agora
De te amar - Ai! se eu te amasse!
Vê se no árido pragal
Deste peito se ateasse
De amor o incêndio fatal!
Mais negro e feio no inferno
Não chameia o fogo eterno.
Que sim? Que antes isso? - Ai, triste!
Não sabes o que pediste.
Não te bastou suportar
O cepo-rei; impaciente
Tu ousas a deus tentar
Pedindo-lhe o rei-serpente!
E cuidas amar-me ainda?
Enganas-te: é morta, é finda,
Dissipada é a ilusão.
Do meigo azul de teus olhos
Tanta lágrima verteste,
Tanto esse orvalho celeste
Derramado o viste em vão
Nesta seara de abrolhos,
Que a fonte secou. Agora
Amarás... sim, hás-de amar,
Amar deves... Muito embora...
Oh! mas noutro hás-de sonhar
Os sonhos de oiro encantados
Que o mundo chamou amores.
E eu réprobo... eu se o verei?
Se em meus olhos encovados
Der a luz de teus ardores...
Se com ela cegarei?
Se o nada dessas mentiras
Me entrar pelo vão da vida...
Se, ao ver que feliz deliras,
Também eu sonhar... Perdida,
Perdida serás - perdida.
Oh! vai-te, vai, longe embora!
Que te lembre sempre e agora
Que não te amei nunca... ai! não;
E que pude a sangue-frio,
Covarde, infame, vilão,
Gozar-te - mentir sem brio,
Sem alma, sem dó, sem pejo,
Cometendo em cada beijo
Um crime... Ai! triste, não chores,
Não chores, anjo do céu,
Que o desonrado sou eu.
Perdoar-me tu?... Não mereço.
A imundo cerdo voraz
Essas pérolas de preço
Não as deites: é capaz
De as desprezar na torpeza
De sua bruta natureza.
Irada, te há-de admirar,
Despeitosa, respeitar,
Mas indulgente... Oh! o perdão
É perdido no vilão,
Que de ti há-de zombar.
Vai, vai... para sempre adeus!
Para sempre aos olhos meus
Sumido seja o clarão
De tua divina estrela.
Faltam-me olhos e razão
Para a ver, para entendê-la:
Alta está no firmamento
Demais, e demais é bela
Para o baixo pensamento
Com que em má hora a fitei;
Falso e vil o encantamento
Com que a luz lhe fascinei.
Que volte a sua beleza
Do azul do céu à pureza,
E que a mim me deixe aqui
Nas trevas em que nasci,
Trevas negras, densas, feias,
Como é negro este aleijão
Donde me vem sangrar às veias,
Este que foi coração,
Este que amar-te não sabe
Porque é só terra - e não cabe
Nele uma ideia dos céus...
Oh! vai, vai; deixa-me, adeus!
Almeida Garrett, in 'Folhas
Caídas'
A quem diz "adeus" o Poeta?
Se as "Folhas Caídas" nasceram sob a inspiração da Viscondessa da Luz, parece, que é para ela esta despedida depois de se ter esgotado o encanto que fez doidejar o grande romântico, no momento em que sentiu que caía sobre aquele enlace a "justiça do céu" que, é ele que o declara lhe estava esmagando "a alma que chora".
Ao contrário de Alexandre Herculano que fez da sua razão o seu cavalo de batalha contra a Igreja, só admitindo o que esta lhe concedia pela explicação racional das coisas que estavam - e continuam e estar no patamar do Absoluto - Almeida Garrett, muito embora comungasse do Liberalismo da época, fez perante a Igreja um caminho diferente, não lhe opondo o poder de uma razão sem limites.
Este extenso poema é um rebate de consciência que leva o Poeta a falar do seu mau coração, indo ao ponto de declarar, como o faz na primeira estrofe, que ele, Tem venenos tão daninhos/Que o seu poder só eu sei, provando, assim, que foi um homem que por cima dos seus próprios dramas - que ele mesmo armou a si mesmo - e dos quais, enquanto a lucidez o permitiu se despediu, como faz na segunda estrofe, onde mais uma vez impera a justiça do céu.
Oh! vai... para sempre adeus!
Vai, que há justiça nos céus.
Sinto gerar na peçonha
Do ulcerado coração
Essa víbora medonha
Que por seu fatal condão
Há-de rasgá-lo ao nascer:
Há-de sim, serás vingada,
E o meu castigo há-de ser
Ciúme de ver-te amada,
Remorso de te perder.
A sua vida politica é, um testemunho da sua consciência, exercendo-a no espaço que durou sem se descuidar de a manter viva em todas as discussões que manteve na Câmara dos Deputados - hoje Assembleia da República - como aconteceu em 8 de Fevereiro de 1840, na discussão da "Resposta ao Discurso da Coroa", em resposta a José Estevão. Era, então, deputado pela Ilha Terceira - de onde embarcou até ao Mundelo - e membro do Partido Setembrista, mostrando aos radicais a necessidade do censo eleitoral, bem como a cooperação devida com a ordem vigente.
Num dado passo, falou deste modo:
Lapidar quanto ao pensamento vivo e quanto ao que de mais puro havia em Garrrett, de respeito perante as Leis da Providência é este pedaço de prosa parlamentar, o que prova, que nele, a "justiça do céu" de que fala no seu poema não era de todo, uma imagem poética, mas algo que o transcendia e que ele respeitava.
A sua vida politica é, um testemunho da sua consciência, exercendo-a no espaço que durou sem se descuidar de a manter viva em todas as discussões que manteve na Câmara dos Deputados - hoje Assembleia da República - como aconteceu em 8 de Fevereiro de 1840, na discussão da "Resposta ao Discurso da Coroa", em resposta a José Estevão. Era, então, deputado pela Ilha Terceira - de onde embarcou até ao Mundelo - e membro do Partido Setembrista, mostrando aos radicais a necessidade do censo eleitoral, bem como a cooperação devida com a ordem vigente.
Num dado passo, falou deste modo:
(...) Do nada saiu este mundo em que vivemos, da imensidão da
Sabedoria eterna a ordem que o formou e o rege. O Fiat da Omnipotência foi a
ordem que entrou no caos, que dividiu os elementos, que separou a luz das
trevas, o dia da noite, e compôs enfim este belo universo, tão belo na ordem
regular para que nos criou a Providencia, como era horroroso e feio antes dessa
ordem, como será espantoso e medonho quando a ordem se quebrar, quando retirada
a mão de Sabedoria moderadora, voltar a anarquia dos elementos para destruir o
mundo. (...)
Lapidar quanto ao pensamento vivo e quanto ao que de mais puro havia em Garrrett, de respeito perante as Leis da Providência é este pedaço de prosa parlamentar, o que prova, que nele, a "justiça do céu" de que fala no seu poema não era de todo, uma imagem poética, mas algo que o transcendia e que ele respeitava.
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