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sábado, 19 de julho de 2014

Revoluções e Liberdades




Delacroix produziu esta obra em 1830 tendo tido como inspiração o mês de Junho daquele ano, ao tempo em que o povo de Paris açoitado pelas sociedades secretas republicanas, tendo como chefes de fila a burguesia liberal se amotinou contra o rei Carlos X, com o levantamento de barricadas, causa próxima da luta civil que veio a contar - devido ao seu alastramento - com a própria Guarda Nacional, com a ida para o exilio do rei "o último Burbon".

Em seu lugar, temendo o radicalismo das classes da pequena burguesia e do proletariado da urbe, a alta burguesia levou ao poder Luis Filipe de Orleans - primo do rei deposto - o "Rei Burguês", um liberal assumido perante toda a nobreza francesa com o apoio onde avultavam industriais e comerciantes que não pouco haviam lutado para depor Carlos X, acirrados como andavam contra a velha aristocracia que se envolvia na corte.

Deste modo à liberdade conservadora de Carlos X, opôs-se a liberdade libertária do liberalismo do tempo que Luis Filipe aceitava, provando-se que nem uma nem outra corresponderam à liberdade autêntica, que só existe quando o ser humano se torna independente de pressões externas condicionantes do seu comportamento ético-social, onde o fenómeno religioso não deixa de ter o seu quinhão importante e, quiçá, definitivo, quanto à assunção da liberdade como um acto natural e não imposto pelas circunstâncias falíveis de obediência a razões simplesmente humanas.

A Monarquia de Julho instaurada com a Revolução de 1830,  combatendo todo o absolutismo real, não tardaria a expandir para toda a Europa o seu carácter de um novo poder, algo a que Portugal não ficou impune com a queda de D. Miguel e o seu subsequente exílio, instaurando-se, com o Liberalismo que lhe sucedeu, toda a sorte de maus exemplos políticos e civis que degradaram os homens e os tempos.

O quadro desta época, vivida em França - que exalta a "Liberdade Guiando o Povo" - é uma alegoria que teve a glória merecida tendo em conta os tempos que se viveram. 
Da mesma sorte, tal fama se pode atribuir à ilustração surgida em Portugal, aquando da implantação da República, que para se impôr, apeou o rei D. Manuel II, mas tendo começado pelo assassínio do pai e do irmão do rei deposto às mãos sujas da Carbonária armada pela Maçonaria.


Os dois exemplos pictóricos exaltam - como lhes cumpriu  fazer - novos tempos em que a Liberdade se assumia como um valor para a felicidade dos povos, mas não tendo, em França como aconteceu em Portugal instaurado esse valor - que é absoluto na sua essência - mas que nunca o foi, pelo facto indesmentível de se assentar sobre radicalismos mascarados de liberalismos de tal modo racionais que não deixaram - ontem como hoje - espaço para a livre difusão do espírito que, segundo os liberais,  tem de  pensar e agir de acordo com a razão, tida por eles como um valor absoluto que tudo explica, coartando assim, a liberdade espiritual.

Filha dilecta do Iluminismo - que se assumiu contra o absolutismo - arvorou a razão humana como o valor maior, criando assim, à sua maneira um novo absolutismo que continua, ainda hoje, a marcar muitas gerações que acreditam que o progresso da Humanidade só se faz a partir das forças sociais em contraponto às autoridades religiosas ou estatais, o que não deixa de ser um sentimento contraditório com a liberdade que só tem sentido, para os seus seguidores quando agem segundo o seu ideário.

Se quiséssemos fulanizar o que vimos dizendo, temos em Portugal, no século XIX um exemplo radical do liberalismo na pessoa do distinto historiador Alexandre Herculano, dono indefectível da sua razão contra tudo e contra todos, mas devendo-se a ele uma definição de "liberdade" que nos deve merecer a melhor atenção.
No Livro editado pela Editorial Verbo (1965),  "O Padre em Herculano" da autoria de Manuel Trindade e com Prefácio do Prof. Vitorino Nemésio, na pág. 71, o liberalismo assumido e radical do grande escritor, resume assim o seu conceito de liberdade:

Sei que a esfera dos meus actos livres só tem por limites naturais a esfera dos actos livres dos outros, e por limites fictícios restrições a que me convém submeter para a sociedade existir e para eu achar nela a garantia do exercício das minhas outras liberdades.

Ou seja: Herculano é peremptório nas primeiras palavras mas é condicional em todas as que se seguem, deixando bem patente, que o conceito da liberdade genuína coxeia sempre quando a existência da sociedade reclama a sua subalternidade para que o homem possa garantir a si mesmo a continuidade das "outras liberdades", donde se retira a ilação de que nenhum homem, verdadeiramente, é livre.
Não deixa, pois, de ser interrogativa esta opinião preclara do pensamento de um homem que foi beber à Revolução Francesa o seu apego ao Liberalismo, sem contudo, ter aceite que  o exacerbar dos seus radicalismos o hajam impedido de declarar como ele o faz nos "Ópusculos" cap. III, pág. 64, no tema das "Considerações Pacíficas", que a Liberdade é a "filha primogénita do Evangelho" e que esta só se limita por ela mesma.

E isto leva-me a pensar no que um dia esreveu Jules Renard "O homem livre é aquele que não receia ir até ao fim da sua razão" ou, àquele de Saint- Exupéry: "Sei que só há uma liberdade: a do pensamento".

Se as Revoluções acima referidas, com as suas bandeiras de que se dão dois exemplos, fizeram da Liberdade o seu "cavalo de batalha" , temos de concluir que nem sempre o usaram como devia ser, porquanto, a Liberdade por que lutaram, deixou de lado o luzidio cavalo e não tardou que montassem o jumento que lhe estava mais à mão para confundir os incautos.

Por mim só acredito numa liberdade: a que nos dá o axioma brilhante de Saint-Exupéry: "Sei que só há uma liberdade: a do pensamento".


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