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sábado, 3 de agosto de 2013

O dom da amizade


Foto de um diaporama da qual desconheço o autor
e a quem agradeço a benevolência de alguma ilicitude cometida

  A um Amigo


Fiel ao costume antigo,
Trago ao meu jovem amigo
Versos próprios deste dia.
E que de os ver tão singelos,
Tão simples como eu, não ria:
Qualquer os fará mais belos,
Ninguém tão d’alma os faria.

Que sobre a flor de seus anos
Soprem tarde os desenganos;
Que em torno os bafeje amor,
Amor da esposa querida,
Prolongando a doce vida
Fruto que suceda à flor.

Recebe este voto, amigo,
Que eu, fiel ao uso antigo,
Quis trazer-te neste dia
Em poucos versos singelos.
Qualquer os fará mais belos,
Ninguém tão d’alma os faria.

Almeida Garrett, in 'Folhas Caídas'
 
 
Garrett, neste belo poema exalta o dom da amizade ao oferecer a um dos seus amigos, em dia de anos, este pedaço de poesia em que duas pessoas tocadas pelos mesmos princípios, de acordo com a normalidade sadia advinda daquele sentimento humano, facilmente encontram linhas condutoras, em que a amizade é como um espelho que deixa reflectir o objecto ou a pessoa que nele se mira, porquanto o amigo verdadeiro vê no outro, reflectida, em muitos momentos vivenciais, a sua própria conduta humana.
Há, ainda, quem considere a amizade como se fosse um edifício, o que não deixa de ser verdade se atentarmos que nele, o que o suporta não é o que está à vista, mas o que está enterrado, ou seja, as fundações.
A amizade é assim, efectivamente.
Não conta o que vemos, mas sim o que nos une e vive escondido e se comporta como os vendavais que não fazem perigar o edifício - neste caso o edifício humano - que se ampara no amigo para poder vencer a maior das amarguras.
Eis, porque eu gosto muito das palavras da foto do diaporama que um amigo meu me mandou e cuja autora desconheço, mas a quem rendo a minha homenagem pela justeza com que ao falar de amizade soube encontrar as palavras exactas a respeito da dor do amigo.
Esqueceu a sua própria dor, guardou-a no bolso e foi ao encontro do outro, no momento necessitado de uma voz amiga.
Esta a razão porque no velho Livro do Eclesiástico (25,12) é dito: ditoso aquele que encontrou um amigo verdadeiro e que proclama a justiça a um ouvido atento, ou como disse Santo Agostinho: o melhor bálsamo para as nossas feridas é ter em cada dor alguém que nos console.
Que a sabedoria do Eclesiástico que foi beber à alma do povo o tão formoso e lúcido conceito sobre a amizade e as palavras do  Santo Bispo de Hipona estejam presentes no modo como devemos sentir e viver o dom da amizade, que tem algo de sagrado e, como tal, não pode nem deve ser conspurcado.

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