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quinta-feira, 8 de agosto de 2013

António Fogaça (1863-1888)


 
            Eu não acreditava
Que simplesmente a luz dum doce olhar
Tornasse a alma uma perfeita escrava.
 
            Contudo, ó flor sem par,
Quando ontem, passando, tu me olhaste,
Mal imaginas que no mesmo olhar
A alma me levaste.
 
In, Versos da Mocidade
 

António Maria Gomes Machado Fogaça nasceu  na povoação de S. Martinho de Vila Frescaínha, concelho de Barcelos e morreu na fulgor da vida, aos 25 anos, como se fosse uma flor  caída da haste no momento em que desabrochava.
Frequentava, então, o 3º ano de Direito na Universidade de Coimbra e o seu estro inspirado já o havia tornado um vulto conhecido através da colaboração que empreendera em algumas publicações.
O seu lirismo simbolista de que deu evidentes provas, e a sua prematura morte deixou na Academia um profundo pesar que transitou para a roda das tricanas que o admiravam sabendo de cor as quadras que ele dedicou às fogueira de S. João.
Mereceu de Joaquim de Araújo  (1) - o poeta e prosador que veio a ser cônsul de Portugal em Génova - uma sentida poesia no seu livro "Flores da Noite" e, também, de António Nobre, o nostálgico Poeta do "Só" que o evocou nos "Primeiros Versos".
António Fogaça, apesar da sua ilustração e aceitação nos meios literários não tinha deleites de excêntricas fantasias, nem dispunha o pensamento em vigílias de cultivo da sua personalidade, que era,  pelo que nos deixou no seu único livro "Versos da Mocidade", de uma rara beleza.
Na sua poesia "O Fumo" o Poeta após admirar as reviravoltas que o fumo faz ao sair das chaminés até desaparecer nas mais altas viagens, diz surpreso e com alguma melancolia:

Do meu quarto, que dá sobre os quintais,
Descubro todo o bairro; e, muita vez,
Vejo evolar-se o fumo em espirais
              Das negras chaminés.
...................................................................
 
Todo este quadro é tão banal, que então
Chego a rir-me de mim, do que resumo
Na minha eterna e doce aspiração...
            Que se assemelha ao fumo.
 
A vida foi-lhe, de resto, um fumo que subiu alto - e depressa - enovelado e eivado da aspiração natural dos jovens, que como ele, em qualquer tempo têm o direito de sonhar, até que um dia - por desnorte, omissão de arreganho ou falta de saúde  - deixam cair o sonho contra o primeiro vendaval.
António Fogaça caiu por falta de saúde no primeiro vendaval.
Profundo conhecedor da musicalidade das palavras que encadeou  em versos de métrica perfeita e ritmo de rara cadência, o Poeta deixou nas suas "Orações de Amor" perfeitos gritos de alma, que são orações para falar com Deus.
 
                 Ó rosas da manhã
Confio em vós, chorando, a vós imploro
Que, se aqui aparecer a vossa irmã
                Lhes jureis quanto a adoro.

                Mas contai-me depois
O que disse de mim, quando eu vier
Interrogar-vos sobre a minha sorte,
Como quem vai, tremendo, sem saber,
Se encontra a vida ou se o assombra a morte.
 
Ou, então:
 
Hei-de dar-te um palácio com mil portas,
Que encerre tudo quanto fantasiarmos:
-Rosas, volúpia, sonhos, afeições...
A porta mais pequena é para entramos
E são as outras para as ilusões.
 
Bem cedo, as ilusões se esfumaram na alma do Poeta.
Ele, bem se pode dizer, entrou pela porta estreita da vida para deixar abertas as outras, por onde as suas quimeras entraram aos baldões.
Uma das suas quimeras deixou-a vincada no formoso soneto "Desgostosa".

O seu riso gentil que ainda me arrasta
Como quem vai seguindo no deserto
Os raios dum clarão que julga perto
Mas que a segui-lo toda a vida gasta;

Sua voz, seu olhar, sua alma casta,
Todo esse altivo e festival concerto
- Brancas formas de luz que ao seio aperto
Sonhadamente, numa dor nefasta...

Esse porte de brilho e majestade,
E o seu modo sincero, doce e honesto,
Tudo a sombra da Mágoa, sem piedade,

Velou, tocando-a com o seu ar funesto!
Nunca eu sonhasse, ó intima saudade,
Seu riso, voz, olhar, e alma e gesto!...

António Fogaça foi um homem de sonhos.
Sonhou com a pujança da juventude a vida que ele - com a naturalidade própria da idade - queria acarinhar com toda a variedade de sonhos, sem suspeitar que lhe estava reservada a porta pequena por onde entrou e saiu, deixando atrás de si um império de vozes a reclamar a sua veia poética, perdida como o fumo que ele cantou num certo dia.
A Freguesia de Vila Frescainha de S. Martino, extinta em 2013, para comemorar os 150 anos do nascimento do Poeta descerrou um monumento em sua honra no dia 25 da Maio de 2013.
Funciona no Bairro da Misericórdia a Escola EB1 António Fogaça, o que prova, que a gente da sua terra não esqueceu o homem que na curta vida que viveu soube encher de luz o seu nome e a pequena - mas eloquente -  obra literária que nos deixou.
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(1) - Joaquim António de Araújo e Castro (1858-1917) nasceu em Penafiel.
 

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