Parábola do Amigo Importuno
Sobre as duas condições
essenciais da oração: perseverança e esperança
Texto do
Evangelho de S. Lc 11, 5-10
Disse-lhes
também: Se um de vós tiver um amigo, e se for procurá-lo à meia-noite e lhe
disser: Amigo, empresta-me três pães, pois que um amigo meu, estando em viagem,
chegou a minha casa, e não tenho o que lhe oferecer; e se ele, de dentro,
responder: Não me incomodes; já está a porta fechada, e os meus filhos estão
comigo na cama; não posso levantar-me para te atender; digo-vos que, ainda que
se levante para lhos dar por ser seu amigo, todavia, por causa da sua importunação,
se levantará e lhe dará quantos pães ele precisar. Pelo que eu vos digo: Pedi, e dar-se-vos-á;
buscai e achareis; batei, e abrir-se-vos-á; pois todo o que pede, recebe; e
quem busca acha; e ao que bate, abrir-se-lhe-á.
Esta
parábola poder-se-ia também chamar: a parábola
do homem da meia-noite.
É uma
história que nos fala da magnanimidade de Deus que bem merece toda a atenção
pelo ensinamento que encerra, repartido pelo homem que fora despertado à meia-noite
– e parte para casa do seu vizinho para suprir o pedido do forasteiro que o
interpelara, necessitado de três pães – e, embora de porta fechada e já
recolhido na cama, aquele vizinho que dispunha de pães de sobra, levantou-se
àquela hora pouco asada para o atender, tendo acrescentando ao gesto, o facto
de lhe poder dar, não somente os três, mas todos os pães de que precisasse.
Diz-nos o
texto que era já noite bem alta e, mesmo assim, tudo se concertou.
Esta
passagem do Evangelho de S. Lucas relata um acontecimento que bem podia
corresponder a uma realidade possível, bem na linha da exegese de Jesus, sempre
na linha dos acontecimentos que constituíam realidades locais, como esta de
alguém ser surpreendido com a chegada de uma visita não anunciada – o que
acontecia amiudadas vezes na Palestina onde havia comunidades migratórias e
pessoas isoladas que a percorriam a tratar dos seus negócios – e não haver bens
comestíveis para honrar o grupo ou, como neste caso, um forasteiro estando em viagem e que chegou isolado.
Assim
aconteceu com aquele amigo apelidado de importuno pelo adiantado da hora em que
bateu à porta do outro amigo, na esperança de obter a graça de três pães
emprestados.
Era,
realmente, muito tarde.
Já toda a
gente dormia.
Agastado
pela hora imprópria, aquele que era solicitado ainda responde com maus modos: Não me incomodes; já está a porta fechada, e os meus
filhos estão comigo na cama; não posso levantar-me para te atender.
O texto
deixa claramente pressupor que o importuno não atendeu àquela primeira recusa.
Como diz
o povo fez ouvidos moucos e continuou a bater na porta, cada vez com mais força.
Esta
atitude é um aviso feito a todos aqueles que ao primeiro desaire, baixam a
cabeça e desistem dos propósitos que haviam feito, agindo deste modo sem pensar
que a desistência sem luta de um projecto é a antecâmara da derrota.
A aflição
do amigo importuno que tinha deixado o outro à espera que ele chegasse com os bens que
lhe eram precisos, e naturalmente ansioso por satisfazer o apetite, causava-lhe
uma angústia e uma necessidade absoluta e isso provocou que ele voltasse a
insistir, admitindo a sua inoportunidade, mas assumindo-a em prol duma causa
que lhe parecia muito nobre.
E, conta
o texto, é por causa da sua
importunação que o amigo que já dormia,
lembrando-se da petição feita com modos penosos mas que ouvira com um dos olhos
ainda fechados: pois que um
amigo meu, estando em viagem, chegou a minha casa, e não tenho o que lhe
oferecer, faz que ele se levante já
refeito da importunidade causada pelo homem da meia-noite, segundo é lícito concluir,
pois em vez dos três pães reclamados se dispõe a dispensar ao amigo importuno quantos pães ele precisar.
Jesus,
subtilmente, antes de proferir o fim do ensinamento que Ele queria atingir e
estava implícito na solicitude de Deus sempre pronta e disponível a qualquer
hora, dá uma notícia da abundância que n’Ele sempre acontece e se reflectiu nas
mãos-largas que o amigo importunado apresentou de boa mente, contrapondo ao pedido
concreto de três pães a possibilidade de receber quantos fossem precisos.
Com tamanha
disponibilidade, Jesus, acrescenta logo de seguida o conceito fundamental:
Pedi, e
dar-se-vos-á; buscai e achareis; batei, e abrir-se-vos-á; pois todo o que pede,
recebe; e quem busca acha; e ao que bate, abrir-se-lhe-á.
Deus é
assim.
Um mãos-largas para
quem não desiste de O procurar.
Ser
perseverante e ter confiança são, deste modo, duas virtudes necessárias ao
homem e que Jesus atinge profundamente nesta parábola.
Perseverar
é uma virtude conexa com a fortaleza, o quarto dos dons do Espírito Santo, ensinamento que a Igreja
posicionou bem dentro da linha do que foi afirmado por Jesus quando se dirigiu
aos discípulos e que S. Mateus guardou: E vós sereis odiados por todos por causa do Meu Nome. Mas aquele que
“perseverar” até ao fim será salvo.(1)
O amigo
importuno da parábola incarna com toda a oportunidade este conceito que Deus
quer, deva ser extensivo a todos os homens com fé n’Ele ou em algo em que
acreditem, do mesmo modo, que a confiança, por prefigurar uma atitude satélite
da esperança é, em boa verdade a segunda das virtudes teologais que levou o Padre
António Viera a firmar, referindo-se ao primeiro homem: Não teve paciência nem “confiança” Adão para saber
menos e, por isso, quis antes saber mais com pecado que saber menos sem pecado.(2)
São,
assim, a perseverança e a esperança-confiança, duas vertentes de uma só atitude
perante Deus que assim nos pede seja a nossa oração.
Mas,
ainda mesmo, que a nossa esperança não tenha como fonte a teologia do termo,
devemos ter essa mesma postura em relação a algo em que creiamos e nos dá a
certeza de não nos deixar de mãos a abanar, porque no fim, o que existe é sempre Deus que está posicionado no
extremo das nossas necessidades para nos dar um sinal.
O que
falta ao homem é o entendimento destes sinais que sempre acontecem.
Deus não
se esquece do homem. É criação Sua.
Este
amigo importuno é uma bela lição de amor, com Deus presente a bater na aldraba
da porta do amigo que já dormia.
Não se
sabe quantos pães trouxe, não de empréstimo como pedira, mas dados, porque diz
o texto que o amigo se levantou com este firme propósito.
- Vou-lhe dar quantos pães ele precisar.
E deu-lhos.
Deus é
assim: buscai e achareis; batei, e
abrir-se-vos-á; pois todo o que pede, recebe; e quem busca acha; e ao que bate,
abrir-se-lhe-á.
(2) - Padre António Vieira - Sermões