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domingo, 10 de fevereiro de 2019

Parábola do Amigo Importuno




Parábola do Amigo Importuno
Sobre as duas condições essenciais da oração: perseverança e esperança

Texto do Evangelho de S. Lc 11, 5-10
Disse-lhes também: Se um de vós tiver um amigo, e se for procurá-lo à meia-noite e lhe disser: Amigo, empresta-me três pães, pois que um amigo meu, estando em viagem, chegou a minha casa, e não tenho o que lhe oferecer; e se ele, de dentro, responder: Não me incomodes; já está a porta fechada, e os meus filhos estão comigo na cama; não posso levantar-me para te atender; digo-vos que, ainda que se levante para lhos dar por ser seu amigo, todavia, por causa da sua importunação, se levantará e lhe dará quantos pães ele precisar.  Pelo que eu vos digo: Pedi, e dar-se-vos-á; buscai e achareis; batei, e abrir-se-vos-á; pois todo o que pede, recebe; e quem busca acha; e ao que bate, abrir-se-lhe-á.

Esta parábola poder-se-ia também chamar: a parábola do homem da meia-noite.
É uma história que nos fala da magnanimidade de Deus que bem merece toda a atenção pelo ensinamento que encerra, repartido pelo homem que fora despertado à meia-noite – e parte para casa do seu vizinho para suprir o pedido do forasteiro que o interpelara, necessitado de três pães – e, embora de porta fechada e já recolhido na cama, aquele vizinho que dispunha de pães de sobra, levantou-se àquela hora pouco asada para o atender, tendo acrescentando ao gesto, o facto de lhe poder dar, não somente os três, mas todos os pães de que precisasse.

Diz-nos o texto que era já noite bem alta e, mesmo assim, tudo se concertou.

Esta passagem do Evangelho de S. Lucas relata um acontecimento que bem podia corresponder a uma realidade possível, bem na linha da exegese de Jesus, sempre na linha dos acontecimentos que constituíam realidades locais, como esta de alguém ser surpreendido com a chegada de uma visita não anunciada – o que acontecia amiudadas vezes na Palestina onde havia comunidades migratórias e pessoas isoladas que a percorriam a tratar dos seus negócios – e não haver bens comestíveis para honrar o grupo ou, como neste caso, um forasteiro estando em viagem  e que chegou isolado.

Assim aconteceu com aquele amigo apelidado de importuno pelo adiantado da hora em que bateu à porta do outro amigo, na esperança de obter a graça de três pães emprestados.
Era, realmente, muito tarde.
Já toda a gente dormia.
Agastado pela hora imprópria, aquele que era solicitado ainda responde com maus modos: Não me incomodes; já está a porta fechada, e os meus filhos estão comigo na cama; não posso levantar-me para te atender.

O texto deixa claramente pressupor que o importuno não atendeu àquela primeira recusa.
Como diz o povo fez ouvidos moucos e continuou a bater na porta, cada vez com mais força.
Esta atitude é um aviso feito a todos aqueles que ao primeiro desaire, baixam a cabeça e desistem dos propósitos que haviam feito, agindo deste modo sem pensar que a desistência sem luta de um projecto é a antecâmara da derrota.
A aflição do amigo importuno que tinha deixado o outro à espera que ele chegasse com os bens que lhe eram precisos, e naturalmente ansioso por satisfazer o apetite, causava-lhe uma angústia e uma necessidade absoluta e isso provocou que ele voltasse a insistir, admitindo a sua inoportunidade, mas assumindo-a em prol duma causa que lhe parecia muito nobre.

E, conta o texto, é por causa da sua importunação que o amigo que já dormia, lembrando-se da petição feita com modos penosos mas que ouvira com um dos olhos ainda fechados: pois que um amigo meu, estando em viagem, chegou a minha casa, e não tenho o que lhe oferecer, faz que ele se levante já refeito da importunidade causada pelo homem da meia-noite, segundo é lícito concluir, pois em vez dos três pães reclamados se dispõe a dispensar ao amigo importuno quantos pães ele precisar.

Jesus, subtilmente, antes de proferir o fim do ensinamento que Ele queria atingir e estava implícito na solicitude de Deus sempre pronta e disponível a qualquer hora, dá uma notícia da abundância que n’Ele sempre acontece e se reflectiu nas mãos-largas que o amigo importunado apresentou de boa mente, contrapondo ao pedido concreto de três pães a possibilidade de receber quantos fossem precisos.
Com tamanha disponibilidade, Jesus, acrescenta logo de seguida o conceito fundamental:
Pedi, e dar-se-vos-á; buscai e achareis; batei, e abrir-se-vos-á; pois todo o que pede, recebe; e quem busca acha; e ao que bate, abrir-se-lhe-á.
Deus é assim.
Um mãos-largas para quem não desiste de O procurar.

Ser perseverante e ter confiança são, deste modo, duas virtudes necessárias ao homem e que Jesus atinge profundamente nesta parábola.
Perseverar é uma virtude conexa com a fortaleza, o quarto dos dons do Espírito Santo, ensinamento que a Igreja posicionou bem dentro da linha do que foi afirmado por Jesus quando se dirigiu aos discípulos e que S. Mateus guardou: E vós sereis odiados por todos por causa do Meu Nome. Mas aquele que “perseverar” até ao fim será salvo.(1)

O amigo importuno da parábola incarna com toda a oportunidade este conceito que Deus quer, deva ser extensivo a todos os homens com fé n’Ele ou em algo em que acreditem, do mesmo modo, que a confiança, por prefigurar uma atitude satélite da esperança é, em boa verdade a segunda das virtudes teologais que levou o Padre António Viera a firmar, referindo-se ao primeiro homem: Não teve paciência nem “confiança” Adão para saber menos e, por isso, quis antes saber mais com pecado que saber menos sem pecado.(2)

São, assim, a perseverança e a esperança-confiança, duas vertentes de uma só atitude perante Deus que assim nos pede seja a nossa oração.
Mas, ainda mesmo, que a nossa esperança não tenha como fonte a teologia do termo, devemos ter essa mesma postura em relação a algo em que creiamos e nos dá a certeza de não nos deixar de mãos a abanar, porque no fim, o que existe é sempre Deus que está posicionado no extremo das nossas necessidades para nos dar um sinal.

O que falta ao homem é o entendimento destes sinais que sempre acontecem.
Deus não se esquece do homem. É criação Sua.
Este amigo importuno é uma bela lição de amor, com Deus presente a bater na aldraba da porta do amigo que já dormia.
Não se sabe quantos pães trouxe, não de empréstimo como pedira, mas dados, porque diz o texto que o amigo se levantou com este firme propósito.
- Vou-lhe dar quantos pães ele precisar.
E deu-lhos.
Deus é assim: buscai e achareis; batei, e abrir-se-vos-á; pois todo o que pede, recebe; e quem busca acha; e ao que bate, abrir-se-lhe-á.


(1) - Mt 10, 22
(2) - Padre António Vieira - Sermões

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