Pesquisar neste blogue

segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

O Regicídio de 1 de Fevereiro de 1908 e "O profeta da Revolução"




 Abílio Manuel Guerra Junqueiro (1850-1923), nalguns círculos intelectuais e políticos por onde ele, numa fúria anti-religiosa e monárquica espalhou em catadupas letais o fel do seu verbo cáustico e da sua poesia de combate, ficou conhecido pelo cognome de  "O profeta da Revolução", por ter sido o revolucionário inspirador da acção concertada logo nos primórdios, com influência em Antero de Quental, Teófilo Braga e Oliveira Martins - todos da mesma geração -  e  que havia de levar ao assassinato do Rei D. Carlos e do seu filho o príncipe real D. Luis Filipe.

Agora que a República se prepara para festejar o dia 1 de Fevereiro de 1908, lembrar Guerra Junqueiro faz todo o sentido, por terem partido dele, em primeiro lugar, as setas venenosas que feriram de morte a Monarquia, que no dizer do próprio rei D. Carlos "era uma Monarquia sem monárquicos".

No seu livro FINIS PATRIAE, que é um libelo contra o vergonhoso "Ultimatum" lançado contra Portugal a partir da sua velha aliada, a Inglaterra, depois de atribuir toda a culpa ao rei, servindo-se do seu próprio nome, Carlos Fernando Luis Maria Victor Miguel Rafael Gabriel Gonzaga Xavier Francisco de Assis José Simão de Bragança Sabóia Burbon e Saxe-Coburgo-Ghota, retira o apelido Simão, e passa a chamar-lhe "o caçador Simão" fazendo alusão ao desporto da caça do qual o rei era um fiel  praticante.

Guerra Junqueiro após o abandono do convívio mundano do grupo dos "Vencidos da Vida" (1),  tendo-se convertido no mais agressivo propagandista dos ideais republicanos, compôs o venenoso poema intitulado, O CAÇADOR SIMÃO, composto em 8 de Abril de 1890, e que ele dedica a Fialho de Almeida, constituiu com esta famosa composição poética uma crítica acerba dedicada "ad hominem", à pessoa do rei D. Carlos recentemente entronizado (19 de Outubro de 1889), tendo a mesma  aparecido publicada  em diversos jornais de Lisboa e na revista "Pontos nos ii" de Rafael Bordalo Pinheiro.

O poema, na sua frieza e acidez política,  expressa-se assim:

Jaz el-rei entrevado e moribundo
Na fortaleza lôbrega e silente...
Corta a mudez sinistra o mar profundo... 
Chora a rainha desgrenhadamente...

Papagaio real, diz-me, quem passa?
– É o príncipe Simão que vai à caça.

Os sinos dobram pelo rei finado...
Morte tremenda, pavoroso horror!...
Sai das almas atónitas um brado,
Um brado imenso d'amargura e dor...

Papagaio real, diz-me, quem passa?
– É o príncipe Simão que vai à caça.

Cospe o estrangeiro afrontas assassinas
Sobre o rosto da Pátria a agonizar...
Rugem nos corações fúrias leoninas,
Erguem-se as mãos crispadas para o ar!...

Papagaio real, diz-me, quem passa?
– É o príncipe Simão que vai à caça.

A Pátria é morta! a Liberdade é morta!
Noite negra sem astros, sem faróis!
Ri o estrangeiro odioso à nossa porta,
Guarda a Infâmia os sepulcros dos Heróis!

Papagaio real, diz-me, quem passa?
– É o príncipe Simão que vai à caça.

Tiros ao longe numa luta acesa!
Rola indomitamente a multidão...
Tocam clarins de guerra a Marselhesa...
Desaba um trono em súbita explosão!...

Papagaio real, diz-me, quem passa?
– É alguém, é alguém que foi à caça.
Do caçador Simã


A mordacidade a que se mistura o ódio à Monarquia começa logo na primeira estrofe, ao acusar o príncipe herdeiro de não se importar com D. Luiz, o pai que agonizava e, até, bem longe de sentir as dores de sua mãe, D. Maria Pia, ele - o príncipe Simão vai à caça, o seu divertimento predilecto - para partir, depois, no seu verso firme causticando o profundo abalo patriótico sofrido com o Ultimatum, de que o rei D. Carlos não era responsável, mas tendo sofrido pela pena impiedosa de Guerra Junqueiro, não só o epíteto de mau filho e mau rei, onde faltava a responsabilidade política esvaída nas caçadas:


Papagaio real, diz-me, quem passa?
– É o príncipe Simão que vai à caça.

Sendo, poeticamente, um poema irrepreensível pela sua composição realista de um momento doloroso sofrido por Portugal, deixa ficar nos duetos a insensibilidade política do rei, expressa na pergunta feita ao papagaio real, mas é certeira, quanto do desejo político do poeta o ver morto na resposta que é dada pelo terceto que fecha o poema, bem diferente, quanto à resposta que é dada nos duetos, porque ali é exposto todo o ódio que Guerra Junqueiro tinha pela figura do rei, ao responder que quem passava - já não era o príncipe Simão que vai à caça - mas alguém, é alguém que foi à caça / do caçador Simão, como viria a acontecer em 1908, pelas mãos assassinas dos regicidas.
Leiamos a pergunta que continua a ser "inocente", Papagaio real, diz-me, quem passa? - e  meditemos na resposta feroz:

É alguém, é alguém que foi à caça.
Do caçador Simão!...

Temos, assim, que se a profecia de Junqueiro falha no número dos matadores, não falhou no pretendido: a liquidação física do rei.
Nunca se compreenderá, perfeitamente o ódio de Guerra Junqueiro, que chegou ao ponto de incitar o regicídio, como veio a acontecer. 
Fica a dúvida legítima do porquê daquele azedume ao partir do homem que foi deputado pelo Partido Progresssita - no tempo da 2ª fase do Rotativismo  (1878-1900) -  íntimo do 1º Conde de Arnoso, Bernardo Pinheiro Correia de Melo (1855-1911) e fidalgo da Casa Real e  próximo de outras pessoas, como o Conde de Ficalho, Francisco Manuel de Melo Breyner (1837-1903), par do rei e Mordomo da Casa Real.

Cumpre, pois, registar o cumprimento frio e sem piedade do desaparecimento terreno de D. Carlos, tornando-se Guerra Junqueiro um responsável indirecto - mas profícuo - nas mãos  dos regicidas,  Alfredo Costa, um modesto caixeiro numa loja de Lisboa e Manuel Buiça, ex-sargento de Cavalaria - apoiantes incondicionais de António José de Almeida - que servindo de "testas de ferro" a Carbonária e a Maçonaria que Machado Santos (2) apelidou de a "mãe da Revolução" decidiram dar caça ao "caçador Simão".



No fim da vida, o Poeta, arrependeu-se de ter escrito "A Velhice do Padre Eterno" mas não sabemos se se arrependeu de estar na génese que conduziu à morte de dois homens, que o ódio, por mais profundo que seja, nunca deve justificar.

.........................................................................................................................


(1) - O grupo incluía, entre outros, José Duarte Ramalho Ortigão, Joaquim Pedro de Oliveira Martins, António Cândido Ribeiro da Costa, Guerra Junqueiro, Luís de Soveral, Francisco Manuel de Melo Breyner (3.° conde de Ficalho), Carlos Félix de Lima Mayer, Carlos Lobo de Ávila, Bernardo Pinheiro Correia de Melo (1º Conde de Arnoso) e António Maria Vasco de Mello Silva César e Menezes (9.º conde de Sabugosa). Eça de Queirós integrou o grupo a partir de 1889. (in Wikipédia)

(2) - António Machado dos Santos foi militar e político. É considerado o fundador da República, tendo em conta a sua acção bélica em 5 de Outubro de 1910 e, mais tarde, contra a intentona dos monárquicos de 22 a 24 de Janeiro de 1919, na serra de Monsanto.


Sem comentários:

Enviar um comentário