D. Maria Rosa da Veiga Araújo
Viscondessa dos
Olivais
Gravura segundo uma fotografia
in, Revista “O Ocidente” XV Volume, nº 490 – 15º Ano
1 de Agosto de 1892
Da Revista “O
Ocidente” acima referida, com a devida vénia transcreve-se, ipsis-verbis – com a grafia corrigida - uma
notícia sobre o falecimento ocorrido em 25 de Junho de 1892 desta insigne
benemérita dos Olivais.
Do conjunto
urbano destacava-se, na época, a Casa Viscondessa situada num dos topos da
praça, constituindo um edifício de dimensões consideráveis, com quatro portões
no piso térreo e nove janelas de sacada com varandins de ferro no piso
superior.
Este edifício,
datado de 1866, foi adquirido por D. Maria Rosa da Veiga Araújo, que aí fundou
em 1896 um asilo para crianças pobres. Actualmente, funciona no local uma
creche e jardim de infância, pertencentes à Fundação D. Pedro IV.
D. Maria Rosa da Veiga Araújo, viscondessa
dos Olivais, viúva do primeiro visconde do mesmo título, nasceu na freguesia de
S. Lourenço de Macau, em 1823, filha de Joaquim José Ferreira da Veiga e de D.
Rosa Joaquina Paiva,
A sua vida foi sempre um exemplo das mais
sãs virtudes, quer no seio da família, quer no meio da sociedade, devotada ao
bem como a maior satisfação do seu coração bom e generoso, lidando sem cessar
na cruzada da caridade, ideal da sua grande alma que toda se comprazia em tão
santa prática.
Dirigindo a srª viscondessa dos Olivais por
muitos anos o asilo da Lapa, pertencente à sociedade das Casas de Asilo, quis
em 1866, fundar um asilo seu, mantido pela sua bolsa e sob o mesmo regime dos
asilos da referida sociedade.
Escolheu para esta fundação a freguesia dos
Olivais, às abas de Lisboa, onde naquele tempo não existia uma só casa de
educação e muito menos de beneficência.
Foi este um monumento que levantou em vida,
em benefício de tantas crianças que ali recebem o pão so espírito e do corpo, e
que para a ilustre finada constituía os seus melhores cuidados, a sua maior
satisfação.
Era de ver a alegria com que todos os anos,
no dia 24 de Maio celebrava o aniversário daquela casa de caridade, onde
repetidas vezes ia assar horas em companhia das crianças, dizendo que preferia
ir ali, a ir ao teatro de S. Carlos, sentindo-se muito mais feliz no meio das
educandas do seu asilo, do que em camarote de ópera, entre as galas de uma
récita de festa.
Este simples traço desenha o perfil moral da
benemérita senhora a que a “Sociéte de l’encoragement au bien” de França
distiguiu, em 1886, com uma medalha de honra pelos serviços prestados à
humanidade.
A srª viscondessa dos Olivais tinha uma das
mais vastas lavouras de Portugal, na margem direita do Tejo, onde se cria
grande quantidade de gado cavalar e touros, e se fez em larga escala a cultura
de cereais, tendo adoptado nestas suas propriedades os instrumentos mais
modernos da agricultura.
Desprendida das galas e vaidades do mundo, a
modéstia era a norma do seu viver, e uma das cláusulas do seu testamento foi a
de que o seu funeral se fizesse sem pompa, desejando antes os sufrágios
espirituais do que as pompas vaidosos dos crepes funéreos.
O asilo fundado nos Olivais por esta senhora
ocupa um edifício suficientemente vasto, como se vê na gravura publicada a pág.
172, o qual foi comprado por 2:500$000 elevando-se esta cifra a 5:177$032 reis
depois de feitas as obras necessárias para o adaptar ao efeito e de mobilado
convenientemente.
Tem uma ampla aula, em que as crianças estão sentadas num anfiteatro de
modo que são facilmente vigiadas pela professora. Uma outra sala ao lado é
destinada a sala de escrita. O refeitório é uma grande sala, com mesas e
cadeiras baixinhas próprias para as crianças e um lavatório para se lavarem
depois da refeição. Do refeitório passa-se para a quinta, toda cultivada e onde
há um recinto para recreio das educandas.
Este asilo ministra ordinariamente instrução
primária a 50 crianças, tendo além destas mais 10 extraordinárias, que só
recebem ensino, por seus pais não precisarem que o asilo as alimente.
As crianças do sexo feminino podem
frequentar o asilo até aos 14 anos e as do masculino só até aos 8, pelo que, é
claro, que as que mais aproveitam do ensino são as meninas.
As educandas entram no asilo às 9 horas da
manhã e tem aula até àhora e meia da tarde. Depois segue-se o jantar e depois
deste o recreio até às 3 horas, principiando então o ensino de costura e
lavores até às 6 horas e meia, no verão
e no inverno até às 5 horas.
A regente e professora do asilo é a Ex.ma
Srª D. Joaquina Rodrigues Franco, que muito obsequiosamente nos prestou todos
os esclarecimentos sobre esta casa de educação, quando ali fomos para esse fim.
(...)
Apesar do asilo fornecer vestuário às
crianças para saírem em formatura e bibes para estarem no asilo, a sua
instituidora repartia amiudades vezes vestuário às educandas, premiando ainda
aquelas que mais se distinguiam pela sua aplicação e comportamento.
Algumas das educandas saídas deste asilo são
hoje professoras de colégios em freguesias vizinhas.
A benemérita fundadora deste asilo legou-lhe
14.000$000 reis para a sua manutenção, deixando determinado em seu testamento,
que o mesmo asilo seja entregue às Casas de Asilo para o administrar. Além
deste legado deixou mais 400$000 rs, para serem aplicados no asilo.
Deste modo ficou garantida a existência
desta casa de educação, que tantos desvelos mereceu à sua fundadora.
A população dos Olivais reconhecida à
memória da excelente senhora que tantos benefícios lhe dispensou, associou-se
espontaneamente à ideia iniciada por alguns cavalheiros da localidade, para que
se celebrassem solenes exéquias por alma da srª viscondessa dos Olivais.
Os cavalheiros que promoveram aquela
solenidade religiosa, foram, o reverendo pároco, sr. Gonçalves Sanches, srs.
conselheiros Motta Veiga, Serra e Cardoso.
As exéquias celebraram-se na igreja
paroquial no dia 26 de Julho, assistindo a elas todas as educandas do asilo com
a digníssima regente e grande concurso de povo.
Ainda bem que a gratidão dos povos se afirma
deste modo para com aqueles que lhe dispensam tão desinteressados benefícios,
porque assim se prova que, apesar do egoísmo destes tempos que vão correndo,
ainda vale o ser bom.
Caetano Alberto.
Como nota
histórica desta velha localidade de Lisboa, sabe-se que o Campo da Feira, nas
traseiras da Igreja passou a denominar-se Rossio e, hoje, Largo Viscondessa dos
Olivais.
O Rossio foi
traçado logo após o terramoto de 1755 que destruiu a Igreja Paroquial, onde só
o cruzeiro ficou intacto. A Igreja, segundo o que sabemos, foi reconstruída
logo a seguir.
O Rossio viu,
então, crescer nas suas imediações os primeiros arruamentos: a Rua das Casas
Novas, a Calçadinha dos Olivais e a Rua Nova, tendo sido beneficiado em 1891 – de um chafariz de tanque circular e
de um coreto em ferro fundido, assente sobre uma base de tijolo, onde a
Sociedade Filarmónica União e Capricho Olivalense, criada em 1886, realizava
concertos.
No aspecto
litúrgico, acompanhando os festejos musicais, a que não eram estranhos os
cuidados do proprietário da fábrica de estamparias, Francisco Alves Gouveia, faziam-se
festas em honra de S. Sebastião, onde as ruas, a igreja e a Praça da
Viscondessa se enfeitavam.
O palacete da
Viscondessa dos Olivais, era no seu tempo, uma casa emblemática cuja traça
embelezava, sobremaneira, o Rossio, como ainda hoje, apresenta na vetustez da
sua construção sinais evidentes da real importância urbanística que ostentou,
pelo porte construtivo, mas, sobretudo, pela obra de bem-fazer que a sua
proprietária nela instituiu.
O desejo
testamentário da fundadora do asilo dos Olivais, tem hoje cumprimento na
Fundação D. Pedro IV, sendo conhecido com a Casa dos Olivais.
Antiga gravura da Vila dos Olivais (séc. XV)
ao centro a, ainda, actual Igreja Paroquial
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