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sexta-feira, 19 de abril de 2013

UM PAR DE BURROS

Gravura publicada no Jornal "O António Maria" de 1 de Janeiro de 1880
O  génio de Mestre Bordalo Pinheiro caricaturou alguém que na sua época constituía com o animal que montava "Um Par de Burros".
Não tentemos adivinhar quem era o cavaleiro-burro e, ainda, que o soubéssemos, o decoro manda-nos calar, mas manda a verdade que eu diga olhando o tempo que passa, quem é o burro que vai montado. Se atentarmos bem na gravura, com elegância e educadamente o cavaleiro-burro tira o chapéu num gesto de quem saúda alguém que passa, talvez surpreendido com a cena que pode ser vista aos olhos de um mundo, talvez admirado ao olhar a triste figura da personagem que é humana mas não passa de um consumado burro.
Esse burro sou eu!
Se no gesto tirei o chapéu foi para que todo o mundo que me conhece visse bem a minha fácies e, assim, todos pudessem ver que era eu, admirado de mim mesmo, pelo facto de ter acreditado num mundo melhor que me foi prometido - como penso a Portugal inteiro - por uns senhores que fizeram uma Revolução cheia de cantigas, como aquela cujo estribilho nos dizia: eles comem tudo, eles comem tudo e não deixam nada  e, ao que parece, seguiram à risca aquilo que cantavam ao povo que neles acreditou  e de tal jeito, que inebriados pela música que lhe deram cantou com eles o mesmo estribilho.
Foi natural que assim tivesse acontecido.
A música era - e é - muito linda e tinha verdade na sua mensagem.
Mas, estranhamente, é algo que hoje desapareceu dos media,  porque parece mal cantar até à exaustão - como então se fez - uma música que diz, hoje, o que eles disseram que havia acontecido antes.
É por isso - e por outras coisas - que afirmo que o cavaleiro-burro sou eu mesmo, e digo-o sem me envergonhar, fazendo-o num sentido profilático para que os outros se ponham à defesa dos cantos de sereia com que me embalaram.
Mereço, pois, e com toda a propriedade o nome que é dado à minha montada a que se chama burro por aprender mal, tal como eu fui, num certo dia, em que não aprendi a lição que me chegava da História nacional que conhecia, mas esqueci no embalamento de umas auroras que mal romperam e estão, hoje, prisioneiras de um imenso nevoeiro.
Mas como diz o povo: nunca é tarde para aprender e eu aprendi, agora, a custas minhas  - que é sempre a lição melhor - o que nunca devia ter esquecido ao rever-me num passado bem perto, com todo o afinco e asserto, na legenda da velha gravura do jornal " O António Maria",que aqui fica como alerta, no desejo - que não pode morrer - de ver, um dia, romper a manhã radiosa em que eles não comam tudo e deixem para todos o que a todos pertence.

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