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terça-feira, 18 de novembro de 2014

"O plantador de naus a haver."










                     Fernando Pessoa (Pintura de Almada Negreiros - 1964)


D.Dinis

Na noite escreve um seu Cantar de Amigo
O plantador de naus a haver,
E ouve um silêncio múrmuro consigo:
É o rumor dos pinhais que, como um trigo
De Império, ondulam sem se poder ver.

Arroio, esse cantar, jovem e puro,
Busca o oceano por achar;
E a fala dos pinhais, marulho obscuro,
É o som presente desse mar futuro,
É a voz da terra ansiando pelo mar.

                                                        Fernando Pessoa



São bem conhecidos os "Cantares de Amigo" do Rei-Poeta, D. Dinis, 6º rei de Portugal (1279-1325) e que hoje, o meu neto João teve a arte de me fazer lembrar ao ler, meditativo, o laudatório poema de Fernando Pessoa, que conduziu o meu espírito para os poemas de D. Dinis.

O João, fez-me chegar esta bela poesia, que tem laivos de  aura de um estro medieval na forma e no conteúdo, tendo-a buscado entre as composições de Fernando Pessoa - que sonhou na sua obra MENSAGEM com o 5º Império civilizacional que caberia a Portugal - e neste poema evoca o Rei Lavrador, enquanto plantador das naus a haver, porquanto, ele sonhou, que um dia o grande mar dos monstros lendários havia de ser sulcado e vencido pelas naus destemidas do Infante, construídas com a madeira que ele mandou plantar nos terrenos arenosos de Leiria e ele, qual sentinela, via partir a partir do Promontório de Sagres.

Fernando Pessoa, visionário como foi em tantos aspectos da sua poesia esotérica, mais não fez que igualar no seu verso de artista singular D. Dinis, que antes dele, lhe ganhou na visão de um Portugal marinheiro que no oceano por achar, já se revia a arrostar com todos os Adamastores que foram surgindo, muito antes do que, no Cabo Bojador, ante o espanto de Bartolomeu Dias e o seu arrojo lhe havia de mostrar o caminho da India.

D. Dinis, é neste poema épico, invulgarmente homenageado por Fernando Pessoa no som presente dum mar que já havia, mas que, num futuro não muito longínquo, consentiu que a alma dos portugueses e a terra que pisavam, desde os tempos do ínclito Rei-Lavrador passou a ansiar pelo mar salgado que Pessoa havia de cantar na MENSAGEM, um livro de amor ao povo heróico de Portugal e que teve a génese em D. Dinis, o plantador das naus a haver.

Parabéns ao meu neto João, a quem se fica devendo este apontamento breve, mercê do poema que ele descobriu no espólio imenso do insigne Poeta que foi Fernando Pessoa, honra e glória de Portugal que jamais pode esquecer um dos maiores vultos da poesia nacional.



segunda-feira, 17 de novembro de 2014

O pau do povo: O VOTO BRANCO



Gravura do Jornal "O Zé" (1911)


Paciente, o povo espera. Do mesmo modo a Pátria faz o mesmo!

O pau que tem na mão - olhando a gravura - é uma alegoria, simplesmente, e não o que a ela pode sugerir, porquanto os tempos rolaram na grande esfera dos tempos e hoje, o povo, civilizou-se e tem outros modos de agir perante a zaragata política dos que, tendo responsabilidades, quanto ao estado a que conduziram Portugal na pós-Democracia, tinham o direito e o dever de se entenderem e não nos virem dizer que PORTUGAL ESTÁ PRIMEIRO quando se trata de disputar eleições e, depois, estão em primeiro lugar os interesses partidários dos ganhadores eleitorais.

Paciente, o povo espera.Do mesmo modo, a Pátria faz o mesmo!

Mas, se um dia, os VOTOS BRANCOS forem superiores em número aos do Partido ganhador, naturalmente, o povo revolta-se e vai dizer que a votação não é válida, dizendo que a Constituição falhou neste ponto, e com toda a razão por que o Texto Fundamental não é um dogma, mas um modo como se pode e dever gerir a Nação.

E não é válida, porquê?

Porque o povo foi às urnas e disse "NÃO" aos Partidos tradicionais, que por demais andam a abusar da sua paciência de santo, razão suficiente que devia levar os próceres políticos que têm governado Portugal a pensar naquilo que andam a fazer, onde a leviandade grosseira dos compadrios ou, de uma vez para sempre, passou a ser chão que deu uvas ou que, pela insensatez e falta de senso, passou a ser um chão movediço que é preciso sanear dos muitos lodos que se têm acamado, sujando o chão que devia ter dado novas plantas - figura de estilo que prefigura renovadas figuras de políticos - em vez de vermos, os mesmos a ditarem leis até ao dia em que o VOTO BRANCO do povo lhes diga que estão a mais, culpando-os do que está a acontecer... e não devia acontecer a um País que eles ajudaram a endividar!


Coisas da 1ª República (3)



Gravura publicada pelo Jornal "O Zé" de 31 de Janeiro de 1911


Começou mal a 1ª República.
Recordar isto, hoje, tem o sentido profilático de dizer à actual geração e àqueles que se vangloriam dos valores republicanos - de que se ufanam os socialistas do PS - que não têm qualquer razão.

Em 31 de Janeiro de 1911, é certo que não foi o Estado, mas o Jornal "O Zé" publicou esta gravura, tendo a encimá-la o título DOIS MARTYRES, sendo estes heróis assim laureados, Manuel Buiça e Alfredo Costa; os assassinos do Rei D. Carlos e do Príncipe Luís Filipe, o que mostrou à evidência, como se transformaram dois assassinos a mando da Carbonária e da Maçonaria em dois mártires da República.

Costuma o povo dizer que o que mal começa, mal acaba.

É o que estamos vendo. Passaram já outras Repúblicas - estamos na terceira - e o que vemos é que o povo não aprendeu a lição e continua a considerar, já não assassinos, mas os que se portaram mal, a ser reverenciados.
Invertem-se as posições e mal compensa... o que é uma anomalia!

Não vai acabar bem, tenho a certeza.

Faltam valores - já não os propalados republicanos, porque somos uma Republica sem republicanos, como D. Carlos dizia que que tinha uma Monarquia sem monárquicos - mas porque, verdadeiramente, falta o sentido patriótico de unir vontades de todos os quadrantes da vida nacional para salvar do atoleiro o insigne País onde tivemos a honra de ter nascido.


Coisas da 1ª República (2)



Gravura do Jornal "O Zé" de 20 de Dezembro de 1910


No dia em que o jornal republicano "O Zé" publicou esta gravura alusiva ao livro de Guerra Junqueiro " A Velhice do Padre Eterno" onde o Poeta bate forte e feio na crença dos que vêem - ontem como hoje - na Igreja Católica um arrimo moral em defesa dos méritos que formam o homem em valores imperecíveis que, quer se queira quer não, garantem o respeito do homem pelo seu semelhante - em honra do Fundador da Igreja - o Jornal de critica monárquica e anti-religioso, não se coibiu - estando-se a poucos dias de ser celebrado o Dia de Natal - de publicar este verrinoso desenho, mostrando Guerra Junqueiro e tendo bem visível na sua mão a mostra do livro sob o título: quer se queira ou não lá se vai dobrando o Cabo das Tormentas, vendo-se em fundo uma nau e desfraldada a bandeira portuguesa.

O que eles não podiam adivinhar é que o Poeta se viria a arrepender de ter escrito este livro que tanto mal fez, como um dia o viria a confessar ao seu confrade João Grave, chamado por ele, à Rua de Santa Catarina, no Porto, quando a morte rondava o seu corpo mortal e, como João Grave relata no livro: OBRAS DE GUERRA JUNQUEIRO (1972) em edição de Lello & Irmão, nas páginas 957 a 976.

Aos primeiros republicanos tudo serviu para denegrir a Igreja e os seus servidores com a agravante de terem deixado escola...


Coisas da 1ª República (1)




Gravura do Jornal "O Zé" de 15 de Novembro de 1910



A gravura traduz uma homenagem a Machado dos Santos (António) considerado um dos fundadores da República Portuguesa, não só no 5 de Outubro, como o modo como se bateu em Monsanto de 22 a 24 de Janeiro de 1919 contra a intentona de restabelecimento da Monarquia.

A Pátria agradecida ostenta perto da bandeira uma faixa laudatória onde se lê: DAS TREVAS PARA A LUZ, frase curta que, infelizmente, os republicanos - e os não republicanos -  que  sucederam ao herói da Rotunda não souberam honrar os seus ideais desde então até hoje, porque foi efémera a luz que nos deu o regime por que se bateu este homem.

Basta ver as trevas do tempo que passa!


domingo, 16 de novembro de 2014

Paraísos... ou prisões sem grades?



"Às vezes, é preciso perder o Paraíso para encontrar a liberdade essencial que só o conhecimento permite." Pereira Coutinho , João (in, Citador)


O paraíso que a gravura sugere, aparentemente, está abandonado. o que parece dar razão ao autor da frase que se postou em rodapé.

Efectivamente, por muito lindo que seja o paraíso onde se vive,se o homem restringe o seu viver localizando-o sempre num mesmo local idílico e se esquece, que há um mundo e, nele, existem os paraísos - que podem acontecer - dos encontros com a História que se escreve em dada dia na diversidade dos dons, o que acontece é o advir da monotonia e os esbater da beleza, por maior que ela seja no paraíso onde vivemos.

Eis, porque, é preciso, por vezes, deixar o aconchego do remanso letárgico para se achar a liberdade - que o pensador chama de "essencial" no meio da amálgama dos outros homens - na certeza que esta é uma conquista que se adquire e não algo que se possui por um qualquer legado acidental ou de uma qualquer herança.

É, por isso que Clarice Lispector, um dia declarou: Não estou à altura de ficar no paraíso porque o paraíso não tem rosto humano, o que prova que os verdadeiros paraísos só se encontram onde vivem as pessoas na diversidade dos modos, enquanto os outros, os que construímos como fortalezas - embora rodeadas de toda a fulgurância dos meios e das artes de todas as espécies - são prisões sem grades que cedo ou tarde, num dia qualquer deixam de ter encanto, porque lhes falta o humanismo da multidão com os seus barulhos, mas também, com as suas harmonias!

Se pensarmos, depois, no poema épico de John Milton "Paraíso Perdido" Adão tomou a decisão consciente de comer o "fruto proibido" e preferiu ser expulso do Paraíso acompanhando a mulher, do que viver sem ela e, de acordo, com a leitura que o autor nos proporciona - ao arrepio do relato bíblico -  Adão abandonou o lugar de bem estar de mãos dadas com a companheira, porquanto o ficar ali era ter ficado isolado de um mundo que o próprio Deus lhe proporcionou e, onde ele - dizemos nós - podia e devia ser um construtor de paraísos terrenos, gregários e não isolados, esquecido que ficou para sempre o Paraíso Perdido, que era divino e ele adulterou.

Que esta história ficcionada que o génio de Milton deixou à Humanidade nos sirva, especialmente àqueles que se deixam acorrentar nos paraísos que constroem - e que a foto documenta - em vez de se libertarem e virem ao encontro dos paraísos onde vivem as pessoas com os seus dons, costumes em até, com os seus defeitos.

Tudo isto é melhor que viver num paraíso qualquer, mas fugido do mundo... com medo que o mundo o descubra!



sábado, 15 de novembro de 2014

Fazer o bem, um meio secundário para ter a graça de Deus!



Gravura de um diaporama que a amizade fez chegara até mim
 e que uso, com a vénia devida ao seu autor


"Digo-vos: praticai o bem. Porquê? O que ganhais com isso? Nada, não ganhais nada. Nem dinheiro, nem amor, nem respeito, nem talvez paz de espírito. Talvez não ganheis nada disso. Então por que vos digo: Praticai o bem? Porque não ganhais nada com isso. Vale a pena praticá-lo por isto mesmo."

Fernando Pessoa


E não nos cansemos de fazer bem, porque a seu tempo ceifaremos, se não houvermos desfalecido.

S- Paulo, in, Gálatas 6, 9

Distanciados no tempo e no espaço Fernando Pessoa e o Apóstolo S. Paulo falam do mesmo modo, um e outro irmanados no mesmo sentir quanto ao bem que todos temos direito de fazer em ordem à nossa realização pessoal, mas no gregário da vida, em ordem ao bem comum.

Diz o povo na sua imensa sabedoria: Fazer o bem sem olhar a quem, o que prova que nesta frase vai intacto o perfume de Deus que capacita o homem em pensar muito mais no bem que lhe cabe fazer, porquanto é dessa atitude que nasce o facto de se sentir melhor consigo mesmo e com o mundo que o rodeia, razão de peso que levou Henry Thoreau do alto do seu pensamento a proclamar a verdade de ser preferível cultivar o respeito pelo bem que o respeito pela lei, porquanto o homem que faz o bem com medo da lei o punir não é um ser livre pelo facto de ter hipotecado o seu coração à lei do mundo e não à Lei de Deus.

Com efeito, o bem assim praticado é, seguramente, o meio secundário que leva ao cumprimento pleno da Lei eterna, escrita a letras doiradas no primeiro acordar do homem.

Pena que essas letras no decorrer da vida se vão embaciando...

Será que mereço ter uma estrela no Céu?






Aconteceu há já muitos anos.

Um grande Amigo que eu tive, Poeta sem que nunca tivesse feito um verso, mas um exímio criador de imagens etéreas, numa certa noite de luar silente, daqueles que tudo iluminam incluindo a alma da gente, convidou-me a subir com ele em plena Serra da Beira Interior, e lá no alto tendo sobre as nossas cabeças uma miríade fulgurante de estrelas que inundavam um Céu sem mancha, num daqueles arroubos poéticos que nele eram normais, na anormalidade - para quem o não conhecia - quanto ao sentido das suas lucubrações nas quais afinava a corda da sua fina sensibilidade, sem  me olhar, absorto no espaço infinito do Céu, fez-me esta pergunta singular:

- Tu sabes que todos os homens tâm uma estrela no Cèu?

Recordo-me que naquele momento fiquei mudo sem saber como lhe responder, ao que ele, como complemento daquela sua asserção inusitada, ajuntou o seguinte:

- A estrela que todos temos subiu até às alturas do Céu nas nossas brincadeiras de meninos, quando a nossa inocência não buscava arrebiques de formas estudadas e tudo o que fazíamos eram estrelas que soltávamos nas risadas francas das nossas brincadeiras. 
Fica sabendo que elas estão lá em cima a brilhar e a olhar por nós!

Era assim aquele amigo Poeta cujos versos tirava destas conclusões cheias de sentido, fruto duma alma grande que fez dele um homem exemplar e um amigo, que tendo partido, certamente, se aninhou na estrela que ele dizia tinha mandado para o Céu, afirmando que uma das que brilhavam sobre nós, era a sua estrela.



Aqui, há dias, os meus olhos deram com esta poesia de Miguel Torga:

BRINQUEDO

Foi um sonho que eu tive:
Era uma grande estrela de papel,
Um cordel
E um menino de bibe.

O menino tinha lançado a estrela
Com ar de quem semeia uma ilusão;
E a estrela ia subindo, azul e amarela,
Presa  pelo cordel à sua mão.

Mas tão alto subiu
Que deixou de ser estrela de papel,
E o menino, ao vê-la assim, sorriu
E cortou-lhe o cordel.


Li, reli, esta invulgar poesia do grande Poeta de S. Martinho de Anta e veio-me à lembrança o tempo antigo em que subi ao alto da Serra com aquele Amigo invulgar que eu tive e já perdi, para reviver o que ele me disse naquela noite de luar silente.

Fiquei a pensar que ele estava inteiro naquele menino de Miguel Torga, e a pensar que, tal como aconteceu com o menino do belo poema, num certo dia das suas brincadeiras inocentes fez subir tão alto a estrela do seu "papagaio de papel" - que era então, como ainda hoje, um modo àlacre  e esfuziante comum de todos os meninos -  que tendo-o perdido de vista lhe cortou o cordel, deixando que ela subisse para se  confundiu com as estrelas do Céu!

Se ele tem razão, quem me dera ter, efectivamente, uma estrela no Céu!
Infelizmente, não tenho a certeza que tinha o velho Amigo, de quem espero, que um dia, pela benevolência da sua atitude de me dê um pouco da ponta da sua estrela, onde chega a Luz de Deus que ele soube merecer pela poesia que emprestou à sua vida.


quinta-feira, 13 de novembro de 2014

"Vós sois o sal da terra"







Senhor Jesus:
Seguindo a sabedoria que usavas para que compreendessem tudo o que dizias
e porque sabias que era costume na Palestina do Teu tempo, apanhar-se sal
nas margens do Mar Morto... muito dele sem préstimo, por ser impuro,
Tu, Senhor, sabendo que tudo quando dizias era são e era bom para todos,
num certo dia, no meio de uma reunião com  os Teus apóstolos
disseste-lhes, esta coisa aparentemente estranha: 

      Vós sois o sal da terra.

E nesta alegoria, o sal de que falaste, ao invés do outro, impuro e sem sabor
que era deitado no monturo,
tinha, no modo singular como costumavas falar das coisa santas de Teu Pai,
toda a pureza, pois era assim que devia ser  preservada a Tua Palavra.

Senhor Jesus:
Faz que sejamos hoje, neste tempo magro  e amarguradamente ensosso
como foram os teus apóstolos - sal da terra.
Faz que à nossa volta, o mundo que passa, tão necessitado de um novo sabor
que dê à vida um outro encanto e um outro modo mais puro de a viver,
aprenda, que só o sal de que falaste é que pode renovar a vida interior,
pois só ele é que tem um sabor eterno e pode purificar todos os caminhos.

É preciso - e Tu bem  sabes - que os homens ponham um colorido mais vivo
em todos os seus passos...
ajuda-nos, por isso, Senhor, a pôr os nossos pés em cima dos Teus sinais!
Ajuda-nos a estar do Teu lado... a ser Contigo um sal precioso neste mundo.
Faz, Senhor, que o nosso gesto seja sempre o de dar gosto à vida.

Para tanto, faz que a nossa fé se leia, muito mais que nas nossas faces,
em cada um dos nossos comportamentos... mesmo nos mais vulgares!
Faz, que sejamos, com a Tua Palavra um alimento sempre temperado,
pois, de que nos serve andarmos por aí, comendo fartos manjares
se neles está ausente o sal que Tu quiseste, fossem os Teus apóstolos?

De que nos servem os momentos de alegria... se no fim o gosto que fica
é um sentimento de culpa, de não Te termos levado connosco para a vida?
Faz, Senhor, que a diferença entre um crente e aquele que não crê em Ti,
seja precisamente o sal da terra... aquilo que dá sentido à nossa fé.

Faz, Senhor, que este mundo que é, em tantos lugares, um Mar Morto,
com margens corrompidas e onde flui o sal impuro que a nada dá sabor,
refresque as águas paradas e das suas margens renasçam os homens novos
que sejam sal da terra!

Faz, Senhor, que eu seja, embora indigno da grandeza dos Teus apóstolos
um punhado de sal... pequenino...
mas que possa, com ele,  dar um renovado sabor dentro do meu lar,
no meu emprego, na fila do autocarro que tarda sempre ao fim da tarde
e seja assim, também,  dentro da Igreja onde costumo ouvir a Tua Palavra.
Faz, Senhor, que eu seja sal da terra e tenha um  sabor novo...
e, por ele, eu seja novo em cada dia,
para ser - como desejo - glorificado por Ti, no momento em que a minha alma
subir, pressurosa, na  última procura que há-de fazer da Tua face!



A Esmola do Pobre


Júlio Dinis


"Os pobres gostam da esmola dos jovens porque não os humilha e porque os jovens, que precisam de todos, assemelham-se a eles... A esmola de um homem é um acto de caridade: mas a de um menino é, ao mesmo tempo, uma caridade e um carinho."

Edmondo Amicis (1846-1908)


Nunca saberemos se a bela composição poética de Júlio Dinis escrita em 1869 teria tido inspiração no precalo pensamento de Edmondo Amicis, seu contemporâneo, que de uma forma simples mas eloquente na forma e no conteúdo nos deu da esmola do menino, a que alude, a caridade verdadeira - como Deus quer -  na linha evangélica que Júlio Dinis retoma no Poema "A Esmola do Pobre", onde nos deixou, apesar de não ter sido um Poeta de primeira grandeza ao invés do insigne escritor que foi, o retrato vivo de sua sensibilidade e veia artística que ali, de um modo claro retracta, possivelmente, os costumes da época em que viveu e, na qual, o pobre era um ser posto à margem das estruturas sociais, onde uma certa burguesia se impunha a começar nas camadas mais jovens.

A "Esmola do Pobre" é um retrato de um tempo que, quer os homens e as estruturas sociais têm de banir para sempre, fazendo que a moral dos costumes e a verdadeira caridade que vai beber ao Evangelho de Deus se aprume e, seja, de uma vez para sempre o fanal que é preciso prosseguir sem desalentos.

                                       

                                      ESMOLA DO POBRE


Nos toscos degraus da porta
De igreja rústica e antiga,
Velha trémula e mendiga
Implorava compaixão.
Quase um século contado
De atribulada existência,
Ei-la enferma e na indigência,
Que à piedade estende a mão.

Duas crianças brincavam
À distância, na alameda;
Uma trajada de seda,
Da outra humilde era o trajar.
Uma era rica, outra pobre,
Ambas loiras e formosas,
Nas faces a cor das rosas,
Nos olhos o azul do ar.

A rica, ao deixar os jogos,
Vencida pelo cansaço,
Viu a mendiga – e ao regaço
Uma esmola lhe lançou.
Ela recebe-a; e a criança,
Que a socorre compassiva,
Em prece fervente e viva,
Aos anjos encomendou.

De um ligeiro sentimento
De vaidade possuída,
À criança mal vestida
Disse a do rico trajar:
- «O prazer de dar esmolas
A ti e aos teus não é dado;
Pobre como és, coitado,
Aos pobres o que hás-de dar?»

Então a criança pobre,
Sem más sombras de desgosto,
Tendo o sorriso no rosto,
Da igreja se aproximou;
E após, serena, em silêncio,
Ao chegar junto da velha,
Descobrindo-se, ajoelha,
E a magra mão lhe beijou.

E a mendiga alvoroçada,
Ao colo os braços lhe lança,
E beija a pobre criança,
Chorando de comoção!
É assim que a caridade
Do pobre ao pobre consola;
Nem só da mão sai a esmola,
Sai também do coração.


                                    Júlio Dinis, in, "Poesias"


quarta-feira, 12 de novembro de 2014

Um conto com base na Parábola "A dracma perdida"



Gravura captada com a devida vénia de "Sementinha Kids"


No Hospital, o ilustre homem de Deus com o seu sorriso aberto, denunciador da magnanimidade do trato humanista que lhe iluminava o rosto e que lhe havia granjeado a simpatia de todos os que tiveram a felicidade de ter privado com ele, quer fosse nos trabalhos de ordem eclesial, como nos seculares, abeirou-se da cabeceira do doente que conhecera de perto e pelo olhar que lhe deu, onde ia direito e amoroso o cumprimento e o desejo das melhoras de saúde, fez sobressaltar o enfermo, onde cresceu pela inesperada visita o dom de Deus que chegava ali, na troca cúmplice dos olhares de duas pessoas que se estimavam mutuamente.

Na mesa de cabeceira do doente estava como sinal e suporte da Fé "A Bíblia de Jerusalém", um precioso Novo Testamento em cujas folhas, por vezes, o rodapé da explicação do texto bíblico supera em tamanho o original de inspiração divina, o que se traduz, por isso, numa ajuda preciosa para o leigo.

O homem de Deus pediu ao doente o Livro divino e deu em folheá-lo até encontrar o trecho narrado por S. Lucas (15, 8-10) onde se encontra a Parábola de "A dracma perdida" que vem na sequência de uma outra "A ovelha perdida"

E leu, pausadamente: 

Ou qual é a mulher que, tendo dez dracmas, se perde uma, não acende a candeia, não varre a casa e não procura cuidadosamente até a encontrar? E, ao encontrá-la, convoca as amigas e vizinhas e diz: ‘Alegrai-vos comigo, porque encontrei a dracma perdida.’ Digo-vos: Assim há alegria entre os anjos de Deus por um só pecador que se converte.

Depois, pastoralmente, a sua voz serena em cuja melodia havia influxos etéreos, tendo em mente, que aquele doente, enrolado nalgumas dores e no desconforto de se sentir hospitalizado, embora o conhecesse como um homem de fé, era preciso que apesar dos contratempos a que o corpo abatido estava sujeito, a fé continuasse intacta, ou seja, que Deus, permitisse que a dracma perdida - uma das dez, de que fala a Parábola, podendo simbolizar uma pequenina perda de fé - não fosse a causa de arrastar com ela as nove que ficaram intactas e, que, com a que se perdera constituíam a unidade da crença em Deus, que tinha de continuar viva, por cima de todos os escolhos.

Para tanto, como fez a mulher da Parábola era preciso acender uma Luz, varrer o ferro-velho que o sofrimento podia causar e continuar firme em Deus, que por fim há-de fazer que se encontre a saúde pedida que se havia de recuperar ali, na cama do Hospital,  e que mais não era que a "dracma perdida" que sempre acontece, hoje ou amanhã na vida de todos nós.

E depois, o que vem?

Como aconteceu coma mulher da Parábola, com a alegria da fé reposta na "dracma" encontrada, todo o doente perfaz de novo a sua fortuna - ou seja, a fé em plenitude - simbolizada nas "dez dracmas" que sendo toda a riqueza da personagem bíblica, tem assim, de ser entendida e, daí, a convocação, como ela fez, dos familiares e dos amigos a quem se pede que se alegrem com ele. 



Acabada a hora da visita regulamentar o homem de Deus despediu-se com o mesmo sorriso com que chegara e foi-se embora, o que não aconteceu com as suas palavras, porque ficaram vivas, a martelar suavemente no doente o seu sentido profundo que teve o dom de deixar que naquela enfermaria tivesse descido um perfume da dialéctica humana, mas com a diferença de trazer associada, a base do divino que existe em todos os homens, mas mais viva na voz de quem, ali, representava por direito adquirido a Palavra incarnada do Verbo de Deus.

O doente ficou a pensar que era um homem de fé, mas sentindo que andava perdido no meio da dor um pequeno nada, ou seja, das "dez dracmas" que era o todo da sua fé, uma delas resvalara e urgia encontrar a décima parte do todo, ou seja, a "dracma" que se perdera.
E foi, daí, que ele entendeu que era preciso acender de novo a Luz da Fé e procurar em todos os cantos - ainda que, no meio da dor - o que era preciso para refazer a unidade em cujo centro faz a sua moradia o Deus Eterno que se compraz em habitar o coração de cada homem.


terça-feira, 11 de novembro de 2014

Sigo o meu caminho!




O Norte é o meu caminho!



É longo o caminho, eu sei!

Mas mais longo é o meu sonho de aventura, de tal modo, que olho o caminho que parece não ter fim e sigo a meio da estrada da vida para ver quem passa ao meu lado, de ambos os lados do caminho e, ainda que me queiram sugerir outros caminhos: "vem por aqui"... sigo determinado o meu caminho!

Enganam-se os que olhando os meus braços caídos podem pensar que eles significam algum desalento pela jornada, quando, afinal, o que eles querem dizer é, que, um e outro acompanham o ritmo compassado dos passos que vou dando!

Nestes passos levo um rumo.
Sei o caminho e sei por onde vou e, ainda, que me digam para escolher outro caminho não me desvio do meu, levando na mente como um sino a badalar o Cântico Negro de José Régio, como um motivo de encorajamento em todos os passos que vou dando, sem medo da lonjura dos caminhos e dos vendavais, mesmo daqueles que a mim mesmo possam ter causado alguns passos mal dados.

De pouco importa. Eu sigo por onde me diz Deus, que é este o meu caminho.
Não posso ter outro.
Tenho o meu Norte e não sei de outro caminho!



Cântico Negro


 "Vem por aqui" - dizem-me alguns com os olhos doces
 Estendendo-me os braços, e seguros
 De que seria bom que eu os ouvisse
 Quando me dizem: "vem por aqui!"
 Eu olho-os com olhos lassos,
 (Há, nos olhos meus, ironias e cansaços)
 E cruzo os braços,
 E nunca vou por ali...

 A minha glória é esta:
 Criar desumanidade!
 Não acompanhar ninguém.
 - Que eu vivo com o mesmo sem-vontade
 Com que rasguei o ventre à minha mãe

 Não, não vou por aí! Só vou por onde
 Me levam meus próprios passos...

 Se ao que busco saber nenhum de vós responde
 Por que me repetis: "vem por aqui!"?

 Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
 Redemoinhar aos ventos,
 Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
 A ir por aí...

 Se vim ao mundo, foi
 Só para desflorar florestas virgens,
 E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
 O mais que faço não vale nada.

 Como, pois sereis vós
 Que me dareis impulsos, ferramentas e coragem
 Para eu derrubar os meus obstáculos?...
 Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,
 E vós amais o que é fácil!
 Eu amo o Longe e a Miragem,
 Amo os abismos, as torrentes, os desertos...

 Ide! Tendes estradas,
 Tendes jardins, tendes canteiros,
 Tendes pátria, tendes tectos,
 E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios...
 Eu tenho a minha Loucura !
 Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
 E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios...

 Deus e o Diabo é que guiam, mais ninguém.
 Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;
 Mas eu, que nunca principio nem acabo,
 Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.

 Ah, que ninguém me dê piedosas intenções!
 Ninguém me peça definições!
 Ninguém me diga: "vem por aqui"!
 A minha vida é um vendaval que se soltou.
 É uma onda que se alevantou.
 É um átomo a mais que se animou...
 Não sei por onde vou,
 Não sei para onde vou
- Sei que não vou por aí!


José Régio, in 'Poemas de Deus e do Diabo'


Por o pé em Lisboa vai pagar taxa!


in, Jornal "Metro" de 11 de Novembro de 2014



António Costa, é verdade, anunciou a medida da taxa municipal turística  "in dentro" de muros, ou seja, na Câmara Municipal, mas quem hoje a veio defender no "Fórum" da TSF foi o seu Vice, Fernando Medina, deixando, assim, na sombra o Presidente da autarquia de Lisboa, porque ele, candidato a Primeiro-Ministro em 2015 não se pode "queimar".

O povo que se precate com gente desta, que chega ao ponto - incrível - de querer taxar os visitantes de Portugal que aterram no Aeroporto de Lisboa, como se este equipamento fosse do Município.
É imoral. Neste caso a legislação tem de ser nacional e não local.
Acresce, ainda, que o Aeroporto é internacional.

É um desaforo, o que prova à evidência ao que vem António Costa, desejando fazer uma cobrança a passageiros que não moram em Lisboa, mas põem o pé num terreno que geograficamente faz parte do todo de Lisboa e, só por isso, têm de pagar taxa!
É oportunismo a mais.
Descaramento a mais!
Que taxe os cruzeiristas que atracam no Porto de Lisboa, ainda se pode entender, ainda que seja discutível, bem como pagar para dormir em Lisboa, agora no Aeroporto, como diz um rifão popular "esta nem ao diabo lembrava"...


segunda-feira, 10 de novembro de 2014

Similitude, ou não?



Gravura publicada pela Revista "O Xuão" 
de 17 de Março de 1908


Olho esta imagem e o que ela me sugere são três republicanos de joelhos a implorarem ao seu chefe, comodamente sentado no banco chamado PORTUGAL a implorar um lugar no próximo governo que viesse a acontecer depois do derrube da Monarquia.

Na época as figuras foram devidamente reconhecidas.
Hoje, não importa saber quem eram.
Importa, sim, saber que há similitude entre a velha gravura e um facto recente.

No momento em que António Costa derrubou o líder eleito democraticamente dentro do seu Partido, ele passou a ser o homem que já está assentado no banco PORTUGAL e ao pé dele, ainda que de pé, já ajoelham em pensamento, os que sonham com um lugar no Poder, o que prova que os homens não mudam de comportamento, ainda que mudem os tempos....

Penso, aliás, que foram eles que o empurraram e, que agora, servilmente, o vão continuar a empurrar...
Coisas que a política tece e à qual, "candidamente", se chama "luta política", quando na realidade se trata de mascarar o ideal de servir.

Mas... servir a quem?


A falta de bom senso dos apressados...



in, Jornal Expresso" de 8 de Novembro de 2014



Gravura da Revista "Pontos nos ii" de 18 de Junho de 1885, que a "pau e corda" como é demonstrado se desejava o apeamento de mais um Ministério, uma coisa vulgar naquele tempo, mas ao que parece, deixou raízes na Democracia que temos.



Andou toda a esquerda parlamentar cheia de pressa em apear o Governo antes do tempo, assemelhando-se, na actual conjuntura, aos dois "moços de fretes" que Rafael Bordalo Pinheiro caricaturou em 1885, desejando apear o 40º Governo da Monarquia Constitucional liderado por António Maria Fontes Pereira de Melo, que, afinal, só cairia em 1886.

Hoje, como então os apressados - com o Partido Socialista esquecido da Lei que aprovou em 1999 sobre as eleições a terem lugar entre 14 de Setembro e 14 de Outubro - quiseram a todo o custo que o Presidente de República fizesse letra morta da lei e provocasse eleições antecipadas.

O PS, com o desgaste do Governo de Passos Coelho - que com todos os seus defeitos tem equilibrado aquilo que o PS desequilibrou pela acção nefasta de José Sócrates - antevendo que vai ter o "pássaro na mão" tem pressa, porque lhe cheira a poder, o que prova que em Portugal enquanto existir este alheamento do País, apenas para vir à tona a ânsia da satisfação das clientelas partidárias, não vamos sair da "cepa torta", fazendo reviver num tempo que devia ser adulto politicamente, a cena que Rafael Bordalo Pinheiro com a sua critica mordaz não se esqueceu de representar como a gravura ilustra.

Infelizmente, hoje, nem isso temos, ou seja, artistas da caricatura que mostrem ao povo as cenas indesejadas que os maus políticos que temos não cessam de nos mostrar às escâncaras, com a cumplicidade de um acerta imprensa que só sabe olhar para a esquerda, como se fosse dali que hão-de romper todos os dias de sol.

Tenham paciência.

As eleições vão fazer-se na data que eles mesmo aprovaram, mas agora esqueceram, porque lhes dava jeito, algo que devia por o povo de soslaio a ver as matreirices de que são capazes os homens da esquerda, com O PS a empunhar a bandeira da pouca vergonha parlamentar.