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sábado, 11 de fevereiro de 2017

Estou arrependido...


Estou arrependido... nas agora é tarde.

Estou arrependido de ter votado em Marcelo Rebelo de Sousa para ser Presidente da República, porque - penso eu - O PR deve manter, institucionalmente, uma equidistância com qualquer governo que esteja em funções, e MRS, às vezes, parece um defensor partidário do Partido Socialista, como tem acontecido, pelo que, hoje, dou razão a Passos Coelho, quando há anos, no Pontal deu a entender o perfil que ele entendia, devia ter o candidato a PR apoiado - sem reservas - pelo Partido Social Democrata (PSD).

Na altura percebeu-se que não era o actual Presidente da República.

Não desconheço a sua popularidade... mas penso, nada me obriga a ser seu seguidor sem reservas e, hoje, tenho-as - até porque sendo católico como é o Presidente da República - sigo a máxima de um Doutor da Igreja que, certamente, ambos muito admiramos - SANTO AGOSTINHO - que disse: Prefiro os que me criticam, porque me corrigem, aos que me elogiam, porque me corrompem.

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2017

Porque a verdade só tem um rosto...

http://www.sapo.pt/ - 9 de Fevereiro e 2017
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Porque a verdade só tem um rosto li a entrevista deste cidadão, com 99 anos, ao Jornal "i" com todo o respeito e admiração - e recomendo-a - porque, ao longo dela o que existe é o fluir de uma vida que tendo acreditado num ideal político que se revelou uma mentira, teve a lucidez de "fazer a agulha" na procura de outro mais condizente com o seu entender da vida no campo da intervenção do homem com agente social que é, e ao qual se manteve e mantém fiel.

A Edmundo Pedro, parabéns pelo seu exemplo.

E, porque, os 150 anos, até onde gostava de viver, respondendo ao jornalista - Se é uma questão de gostar, temos de ser exigentes - são uma utopia, desejo que Deus lhe dê ainda muitos anos de vida para continuar a ler em cinco línguas os livros de que gosta, para ser recompensado pela sua juventude perdida - porque presa - no inferno do Tarrafal, a incrível prisão da ditadura do Estado Novo.

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2017

Fiquei a saber que...



http://www.rtp.pt/ (8 de Fevereiro de 2017)
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Fiquei a saber que O Ministro dos Negócios Estrangeiros afastou hoje a possibilidade de revisão do acordo ortográfico, invocando o facto de alguns países lusófonos onde a revisão está em curso... quando me perecia que este assunto caberia ao Ministro da Educação!

Mas não. 

O Ministro não se ouviu, mas fez-se ouvir a voz lúcida do Presidente da Academia das Ciências de Lisboa a favor de algumas alterações que se impõem fazer a este aborto linguístico que fere a Língua Mãe.

Ao ler o que li - com o Ministro da Educação ausente - fico a pensar que este governo feito a trouxe-mouche tem de ser reformado quando emite opiniões destas ao invés de como diz o povo sabe da poda e esse alguém entre muitos académicos - e pessoas simples como eu - pensa o mesmo do que pensa o ilustre Presidente da Academia das Ciências de Lisboa... ou deixou de ter valor a sua opinião?

Se deixou algo vai mal... quando se esquece a cultura e se faz valer, apenas, o lado político da vida, pondo de lado os que deviam ser ouvidos.

Será normal?

http://observador.pt/
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Será normal esta afirmação do Presidente da República?
Acho que não. 

Achava-a norma em António Costa, mas não no PR - por muito que queira acalmar o País - porquanto me parece uma exacerbação descuidada, havendo por isso, quem pense - tal como eu - que ficaria bem menos intervenção diária, resguardando-se - e não andar a correr o risco de ser interpretado como uma "lança em África" do governo.

Sou dos que pensam que a atitude de Cavaco Silva - longe de ser popular - institucionalmente, tinha uma atitude mais condizente com a função do PR.

Claro que há motivo para alarme.
Não vale a pena esconder... pelo que - na minha opinião - afecto sim... mas só o que baste!

Uma Oração de S. Francisco de Assis!


Senhor!

No silêncio deste dia que amanhece
Venho pedir-Te a paz, a sabedoria, a força.
Quero hoje olhar o mundo com os olhos cheios de amor.
Quero ser paciente, compreensivo, prudente.
Quero ver, além das aparências,
Teus filhos como Tu mesmo os vês.

E assim, Senhor, não ver senão o bem em cada um deles.
Fecha meus ouvidos a toda calúnia, guarda minha língua de toda maldade.
Que só de bênçãos se encha a minha alma.
Que eu seja tão bom e tão alegre que todos aqueles que se aproximem de mim sintam a Tua presença.
Reveste-me de Tua beleza, Senhor, e que no decurso deste dia eu Te revele a todos.
  
(Francisco de Assis)

terça-feira, 7 de fevereiro de 2017

Dois sonetos de Bernardo de Passos


Fac-simile de dois sonetos do Poeta de S. Brás de Alportel
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Poeta de um lirismo tocante e puro, foi como poucos um cantor admirável das terras algarvias, especialmente da sua terra natal, onde não faltou o seu pendor social em prol dos mais desprotegidos que ele embalava no seu ardor republicano.

Revejo-me, inteiramente no soneto REGRESSO, onde ele inspiradamente canta a alegria de voltar à terra que o viu nascer. Minha aldeia voltei! Avé-Marias... sentindo que disse com a sublimidade que lhe era própria, aquilo que eu digo, rusticamente, quando regresso à minha aldeia beirã, onde não falta a urze dos montes e de que fala Bernardo de Passos.

Revisitar os seus livros "Adeus"(1902); "Grão de Trigo"(1907); "Portugal na Cruz"(1909);"Bandeira da República"(1913); "A Árvore e o Ninho"(1930" - logo após a sua morte - é ir beber um púcaro de água fresca à mais idílica fonte do caminho, porque em qualquer deles, a pureza dessedenta toda a sede de amor que se tenha pela leitura sadia que ele soube burilar, cantando a beleza das paisagens algarvias e daquelas por onde passou a sua vida de cidadão exemplar.

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2017

Mas... onde estão os novos "Vascos da Gama"?

Vasco da Gama na dobragem do Cabo 
é surpreendido pelo gigante Adamastor


Ilustração de Fragonard para "Os Lusíadas"- edição do Morgado de Mateus, Paris, 1817
in, "Textos da Língua Portuguesa" - Vol. II - Didáctica Editora
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Vasco da Gama não havia terminado de falar, no momento em que, ante a tormenta do mar tenebrosos,  se dirigia a Deus – “Ò Potestade” como ele lhe chamou - quando surgiu uma figura enorme, de rosto fechado, de olhos encovados, de postura má, de cabelos crespos e cheios de terra, de boca negra e de dentes amarelos. Esta passagem é meramente descritiva.

Não acabava, quando uma figura
Se nos mostra no ar, robusta e válida,
De disforme e grandíssima estatura;
O rosto carregado, a barba esquálida,
Os olhos encovados, e a postura
Medonha e má e a cor terrena e pálida;
Cheios de terra e crespos os cabelos,
A boca negra, os dentes amarelos.

(estrofe 39 de Os Lusíadas - Canto V)
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Do primeiro Adamastor a ser vencido resultou  
a Fundação do Reino de Portugal.

Em 1093 por doação de Afonso VI, rei de Leão e Castela o conde D. Henrique recebeu hereditariamente por auxílios prestados nas conquistas territoriais,  um Condado na região de Portucale, na foz do Douro,  a que sem tardança – rebelando-se – desejou tornar-se independente, empresa que em 1144, após o seu falecimento, transmitiu a sua esposa D. Teresa, filha bastarda do rei de Leão e Castela que travada de amores pelo fidalgo galego Fernão Peres, conde de Trava, deixou esmorecer, sem cuidar dos cuidados que tal facto estava a causar no filho, Afonso Henriques.

Esta, temendo o casamento da mãe – e sentindo-se desapossado do Condado – pôs-se à frente dum movimento revolucionário que após a batalha de S. Mamede em 1128, acabou por ter colocado o jovem Afonso, senhor do Governo, que de imediato expulsou a mãe para a Galiza, o seu amante galego e os portugueses que os acompanharam naquela aventura.

Afonso Henriques continuou a saga de seu pai, alargando o território e consolidando o Condado Portucalense e, embora fosse vassalo do novo rei de Leão e Castela, Afonso VII nunca cumpriu tal obrigação, levando a que este pelo Tratado de Zamora de 1143 lhe concedesse definitivamente o título de Rei de Portugal.

Este foi o primeiro Adamastor a ser vencido!

Depois, disso a História de Portugal está cheia - muito antes de cena descrita por Luís de Camões - de muitos Adamastores que foram vencidos e dos que se apresentaram depois, tantos e tantos que seria fastidioso enumerá-los neste pequeno "post", mas parecendo inevitável que se dê conta que, no momento, há um Adamastor a ser vencido e que aparece, num novo Cabo das Tormentas.

É, também, uma figura de disforme e grandíssima estatura, que sendo diversa da que nos descreve Camões, nos mete medo, sobretudo quando damos connosco a pensar nas gerações futuras.

Trata-se da enorme dívida pública que temos e ao certo, o povo que tem de a pagar, não sabe o seu montante e que por ser tão grande, nem o Governo que temos a quer revelar, como aconteceu a António Costa no último debate quinzenal na Assembleia da República meteu "a cabeça na areia", quando esta lhe foi perguntada.

Este é o último  Adamastor que é preciso vencer!

Mas quando?

Portugal já venceu muitos Adamastores... mas este, parece que vive e amedronta mais que aquele que vencemos e nos levou até à India.

Mas... onde estão os novos "Vascos da Gama"?

domingo, 5 de fevereiro de 2017

Mas há quem possa viver sossegado em cima do lixo?



http://www.tvi24.iol.pt/economia (texto da noticia)
3 de Fevereiro de 2018
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Será que podemos viver sossegados?

Portugal, economicamente, vive na classificação de - LIXO - mas há lixo e lixos... e o nosso, pelos vistos é um lixo virtuoso.

Até o Presidente da República entende que o facto da agência de rating Fitch ter mantido Portugal no Lixo - ou seja, que para a dívida pública esta designação que limita o número de investidores tornando mais difícil e mais cara a obtenção de financiamento nos mercados internacionais - é para Portugal uma boa novidade, como diz a notícia, numa conclusão imediata que nos parece lícito tirar, nos deve sossegar.

Pois, então... vivamos sossegados...
Mas há que possa viver sossegado em cima do lixo?

5º Domingo do Tempo Comum - Ano A - 5 de Fevereiro de 2017

                                                      Localização da cidade de Corinto num antigo Mapa 
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DA LITURGIA DESTE DOMINGO
Leitura da Primeira Epístola de S. Paulo aos Coríntios (2, 1-5)

Quando fui ter convosco, irmãos, não me apresentei com sublimidade de linguagem ou de sabedoria a anunciar-vos o mistério de Deus. Pensei que, entre vós, não devia saber nada senão Jesus Cristo, e Jesus Cristo crucificado. Apresentei-me diante de vós cheio de fraqueza e de temor e a tremer deveras. A minha palavra e a minha pregação não se basearam na linguagem convincente da sabedoria humana, mas na poderosa manifestação do Espírito Santo, para que a vossa fé não se fundasse na sabedoria humana, mas no poder de Deus.
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A cidade de Corinto a cujos habitantes S. Paulo se dirige nesta Primeira Carta, foi arrasada durante a terceira guerra púnica e foi reconstruida por César no ano 44 a.C. em honra da deusa Afrodite em cujo templo se praticava a prostituição sob o beneplácito da deusa, era tristemente conhecida pela sua vida licenciosa, sendo ao mesmo tempo um centro de cultura filosófica e literária que acolhia de dois em dois anos os Jogos Istmicos, assim chamados por se realizarem no Istmo de Corinto que ligava a Grécia ao Peloponeso.

S. Paulo chegou a Corinto no termo da sua segunda viagem missionária e de acordo com o relato bíblico permaneceu ali cerca de dois anos disposto a refundir o ambiente que continuava adverso à pregação do Evangelho, tendo fundado ali uma pujante comunidade cristã.

A Carta - ou Epístola como a Igreja a conhece - dá-nos de sobra motivos de reflexão, porquanto, o Apóstolo, um dos convertidos mais célebres de toda a História da Igreja Romana não se dirige aos habitantes da cidade que desejava conquistar para Jesus, com sublimidade de linguagem, mas antes, falando-lhes de um modo cheio de temor e a tremer deveras, baseando-se - ele que era um sábio da palavra - não na sabedoria humana cheia de rodriguinhos e na manifestação do muito saber e da vanglória que ele costuma dar aos vaidosos - mas estribado na poderosa manifestação do Espírito Santo, essa terceira Pessoa da Santíssima Trindade que une todos a uma mesma Fé.

Esta lição de S. Paulo - que fora o mais brilhante aluno da Escola do professor Gamaliel e membro poderoso do Sinédrio, essa assembleia religiosa judaica que julgava o povo de acordo com a lei de Moisés - tendo, portanto, se ele quisesse eloquência bastante para seduzir hipnoticamente quem o ouvia - não se valeu da sua muita sabedoria humana e ao invés, falou por palavras simples e entendíveis aos seus ouvintes.

Esta atitude devia merecer a estima a muitos bem-falantes que todos conhecemos, até mesmo quando se dispõem a falar de Deus, que se saiba através de Jesus Cristo falou aos homens por palavras simples, objectivas, profundas na intenção mas concisas no modo como foram ditas, tal como fez o Apóstolo Paulo aos habitantes de uma cidade desvairada nos costumes a que era preciso dizer palavras não fundadas na sabedoria humana, mas no poder de Deus.

Por que razão o Mundo, em grande parte, anda esquecido desta verdade?

sábado, 4 de fevereiro de 2017

O Compromisso



Quer queiramos ou não, dando ou não conta do que está a acontecer, cada homem está sempre em alguma posição ou em algum lugar, ocupando por isso, um espaço, seja ele de ordem espiritual ou de ordem física.

Um e outro condicionam a atitude, a luta, e até, os seus caminhos.

Importa, por isso que façamos a nós mesmos duas perguntas fundamentais:
  • Será que sabemos em profundidade o motivo da condição humana que nos leva a um  comprometimento consciente com os outros, dentro da cidade, ou agindo descomprometidamente com ela, refugiamo-nos na nossa própria ilha, auto-suficientes e arredados do mundo, longe de sermos – como devíamos ser - solidários com um mundo de que somos ínfimas partes, mas partes importantes?
  • Será que temos consciência disto? De sermos de tal modo importantes que ninguém pode ocupar o nosso lugar?

Atentemos nisto: quer queiramos, quer não, consciente ou inconscientemente, somos algo que existe para além da nós mesmos e de tal modo mergulhados neste mistério de existir, que não podemos escapar a um comprometimento com a vida que em cada dia nos interpela sobre  aquilo que somos e representamos na esfera de uma sobrenaturalidade que nos rege sem darmos por isso, mas que exige o comprometimento sadio com a sorte do outro.

Conscientes ou não desta realidade, somos chamados a acreditar em alguma coisa ou em alguém. É uma das leis da vida com a raiz mais profunda metida no amor que faz do homem uma criatura superior.
Ninguém se livra disto, o que sugere, desde logo, um compromisso da nossa vontade, seja com Deus ou com o homem, um facto que se não existir em cada um de nós como uma naturalidade,  é como se nós mesmos existíssemos sem vontade própria, acéfalos e amorfos.

Comprometer-se com a vida e com as outras criaturas é um sinal de fé, que pode não ter o sentido como normalmente é entendida do ponto de vista escatológico, mas não deixa de ter as ressonâncias teológicas que fazem de todo o homem alguém capaz de se comprometer com o amor que é preciso dar ao outro, que caminha por um capricho da sorte ao seu lado num dado tempo e lugar, no mundo, na convicção que é sempre, a partir de um dado tempo ou de um lugar qualquer que imerge a lei suprema que faz de tudo aquilo em que acreditamos – pelo nosso  compromisso consciente – uma verdade que torna  possível  a realização dos acontecimentos que dão sentido à vida e faz de tudo quanto fazemos, uma imagem do nosso comprometimento com a vida ou com o outro.

Mas, há que atender que o comprometimento consciente exige conhecimento, sabedoria e atenção às coisas e ao caminho a percorrer, pois é sempre do esforço exigente que resulta ou não, a certeza daquilo que fazemos, sabendo-se que a construção do mundo ou a sua destruição começa sempre pelo compromisso consciente ou não que o homem dá ao projecto da sua própria existência, pois é, pela acção isolada de cada um que se começam a construir  os edifícios colectivos das Nações, tão mais acertadamente, quando melhor e mais consciente for o compromisso de cada homem consigo mesmo e com a sociedade.

Um pouco de história da CRUZ ALTA na Serra de Sintra

Segundo se pensa a CRUZ ALTA de estilo manuelino foi colocada no ponto mais alto da Serra de Sintra - 529 metros de altitude - em pleno reinado de D. João III, no ano de 1522.



in, Revista "Alma Nova" nºs 13-15 - III Série - Janeiro a Março de 1924


Francisco Costa que assim cantou e sentiu os estragos que fez um raio - dos que costumam existir naquele lugar paradisíaco - foi um poeta natural de Sintra e é, com alguma emoção que se lê este soneto, especialmente, o último terceto, dando à CRUZ ALTA o sentido protector, que afinal existe em todas as CRUZES que espelham o sofrimento de Jesus Cristo.

Há, porém, um acontecimento mais antigo que nos dá conta da mutilação sofrida por este célebre Monumento, ao pé do qual esteve Alexandre Herculano que deu conta à posteridade da perturbação sensorial que lhe mereceu aquela Cruz mutilada.

Conta Bulhão Pato que no ano de 1849 foi de passeio a Sintra, a pé, com Alexandre Herculano - que tinha trinta e nove anos e umas pernas de aço - com o sentido de ali permanecerem uma semana na Serra, no convento do Carmo que pertencia ao conde de Lavradio.

De saco a tiracolo, com leve bagagem, e sapato de salto raso – sapato de campino, que é o melhor -, cada um pegou no seu cajado e partimos serra de Monsanto acima, cortando para Queluz, onde devíamos almoçar.Dos altos da serra via-se já o sol a romper, atirando horizontalmente as frechas rubras sobre o escudo brunido e esverdeado do Tejo.
(…) Até Queluz o caminho era bravo – tudo serra. Não havia estrada. Herculano seguia a passo cadenciado e militar; o corpo curvado e pendido um pouco sobre o lado direito. Pelo caminho ia-nos contando os passos do seu tempo de soldado; os dias mais felizes da sua vida, e também os da emigração, com terem tido muitas horas amargas.
(…) Terminado o almoço em Queluz, seguimos, estrada fora, até Sintra. Em Sintra comemos alguma fruta e partimos, serra acima, até ao convento do Carmo.

Na sua brilhante descrição, diz Bulhão Pato:

(…) A pouca distância do convento do Carmo, naquela agreste e encantadora posição da nossa Sintra, a que o próprio Lord Byron, inimigo figadal dos portugueses, chama “a mais bela da Europa”, estava a cruz que impressionou Herculano.
Tinha um braço partido, e a hera, a mãe solícita das ruínas, deitara-lhe em volta os ramos verdejantes e cariciosos.
A poesia foi começada no convento do Carmo.
Abre com estes magníficos versos:

Amo-te, ó cruz, no vértice firmada
De esplêndidas igrejas;
Amo-te quando, à noite, sobre a campa,
Junto ao cipreste alvejas;
Amo-te sobre o altar, onde, entre incensos,
As preces te rodeiam;
Amo-te, quando em préstito festivo
As multidões te hasteiam;
Amo-te, erguida no cruzeiro antigo,
No adro do presbitério,
Ou quando o morto, impressa no ataúde,
Guias ao cemitério!
Amo-te, ó cruz, até, quando no vale
Negrejas triste e só,
Núncia do crime, a que deveu a terra
Do assassinado o pó!

Alexandre Herculano, censurado de ímpio e herege espécie de papão com que em certa sociedade se chegou a meter medo às crianças e até às mulheres já feitas –, era uma alma profundamente religiosa. É correr os seus livros.
Há um sabor, um perfume do misticismo santo de Jesus, em centos de versos e em relanços da sua prosa escultural.
Nesta composição da ‘Cruz Mutilada’, escrita em dias prósperos, sob o céu do nosso Outono, na convivência de dois amigos íntimos, está o coração grande e virtuoso de Alexandre Herculano. Inspiravam-no a natureza e Deus!
Aos que o acusavam de blasfemo respondia com estes versos:

……………As linhas puras
De teu perfil, falhadas, tortuosas,
Ó mutilada cruz, falam de um crime
Sacrílego, brutal, e ao ímpio inútil!"

Bulhão Pato, 1883

Sobre  a CRUZ ALTA e as diversas intempéries que a mutilaram ao longo dos anos, penso, que esta é a primeira notícia conhecida e, logo, merecedora de uma poesia célebre de Alexandre Herculano.

Desde a sua implantação no século XVI e os trabalhos que ela mereceu ao a D. Fernando II na fase dos muitos trabalhos que levou a cabo no Parque lindíssimo, ao que se pensa, nada se sabe, mas sabe-se que coube ao segundo marido da Rainha D. Maria II, a CRUZ foi substituída por outra que veio a ser derrubada por um raio em 1905, tendo sido gateada através de grampos de ferro que são visíveis na foto que acima se reproduz.

A actual CRUZ ALTA - local privilegiado de excursões turísticas - foi substituída em Junho de 2008 e colocada no mesmo lugar por um bloco de calcário único embelezada com a arte manuelina, tendo uma altura de 3,5 metros, tendo sido obra da valorização do património cultural de Sintra.

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2017

Portugal vai ser um enorme eucaliptal?

                          Um resineiro em acção
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Recordo-me perfeitamente da cena de ver em acção os resineiros que calcorreavam os antigos pinhais da minha terra.

É uma lembrança que me apanhou em dois estádios da vida: na infância - no decurso das chamadas "férias grandes" passadas na aldeia que me viu nascer - e em grande parte da adolescência, idade que me permitiu aquilatar do duro trabalho dos resineiros que andavam de bica em bica, uma peça metálica previamente cravada no dorso dos pinheiros numa operação destinada à sangria, recolhendo a resina escorrente para a depositar em vasilhas que transportavam às costas, monte acima, monte abaixo.

Deixei de os ver, há muitos anos...

Os velhos montes da minha aldeia outrora pejados de pinhais deram lugar a eucaliptais e foi-se embora o ar sadio, como quase desaparecerem os pinheiros e de todo, as sangrias.

Infelizmente, por esse motivo Portugal - por causa da celulose de eucalipto, do seu crescimento fácil e rápido e do seu lucro apetecível - é hoje, um imenso eucaliptal que cresce "sem rei nem roque" como eu observo de todas as vezes que visito os montes do meu concelho e com mais pormenor e desgosto - os montes da minha aldeia - por onde passo quilómetros sem ver uma pinha, daquelas que antigamente, em casa dos meus avós serviam de acendalhas para atear a lareira.

  • Mas... não há aí, legal e com assento parlamentar um "Partido Ecologista os Verdes" criado para defender a ecologia?
  • E, embora, sendo esta complexa na sua natureza multidisciplinar, não lhe cabe cuidar do ambiente em que se está a transformar Portugal, onde o eucalipto passou a ser "rei e senhor" do seu arvoredo florestal?
  • E esquecendo este Partido, o que têm feito os outros, a este propósito?

Quem me responde?
Ou Portugal está condenado a ser um enorme eucaliptal?

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2017

"Dia de Nossa Senhora das Candeias"

Dia 2 de Fevereiro
Purificação de Nossa Senhora 
e Apresentação de Jesus no Templo de Jerusalém

Miguel Jacinto Meléndez
Óleo sobre lienzo. 200 x 140 cm. Museu Condé - Chantilly. 
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Evangelho do Dia

Quando se cumpriu o tempo da sua purificação, segundo a Lei de Moisés, levaram-no a Jerusalém para o apresentarem ao Senhor, conforme está escrito na Lei do Senhor: «Todo o primogénito varão será consagrado ao Senhor» e para oferecerem em sacrifício, como se diz na Lei do Senhor, duas rolas ou duas pombas.
Ora, vivia em Jerusalém um homem chamado Simeão; era justo e piedoso e esperava a consolação de Israel. O Espírito Santo estava nele. Tinha-lhe sido revelado pelo Espírito Santo que não morreria antes de ter visto o Messias do Senhor. Impelido pelo Espírito, veio ao templo, quando os pais trouxeram o menino Jesus, a fim de cumprirem o que ordenava a Lei a seu respeito.

Cântico de Simeão
Simeão tomou-o nos braços e bendisse a Deus, dizendo:

«Agora, Senhor, segundo a tua palavra,
deixarás ir em paz o teu servo,
porque meus olhos viram a Salvação
que ofereceste a todos os povos,
Luz para se revelar às nações
e glória de Israel, teu povo.»

Seu pai e sua mãe estavam admirados com o que se dizia dele.
Simeão abençoou-os e disse a Maria, sua mãe: «Este menino está aqui para queda e ressurgimento de muitos em Israel e para ser sinal de contradição; uma espada trespassará a tua alma. Assim hão-de revelar-se os pensamentos de muitos corações.»
Havia também uma profetisa, Ana, filha de Fanuel, da tribo de Aser, a qual era de idade muito avançada. Depois de ter vivido casada sete anos, após o seu tempo de donzela, ficou viúva até aos oitenta e quatro anos. Não se afastava do templo, participando no culto noite e dia, com jejuns e orações. Aparecendo nessa mesma ocasião, pôs-se a louvar a Deus e a falar do menino a todos os que esperavam a redenção de Jerusalém.
Depois de terem cumprido tudo o que a Lei do Senhor determinava, regressaram à Galileia, à sua cidade de Nazaré. Entretanto, o menino crescia e robustecia-se, enchendo-se de sabedoria, e a graça de Deus estava com Ele.

(Lc 2, 22-40)
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A Festa da Purificação de Nossa Senhora e Apresentação de Jesus no Templo de Jerusalém, 40 dias depois do Natal inseriu-se no costume do tempo em que todas a mulheres 40 dias após o parto no cumprimento de uma lei de Moisés levavam o seu primogénito para o apresentarem a Deus, no ritual que ocorria no Templo de Jerusalém.

A invocação de Nossa Senhora da Luz também reflecte o momento que aconteceu com Nossa Senhora, também conhecido por Nossa Senhora das Candeias - no sentido da LUZ que ela levou ao Templo - tendo, ao que se julga substituído no seio da Igreja uma festa pagã do tempo do Imperador Marciano (450-457) que levava uma matrona romana Hiquélia em 2 de Fevereiro a levar com outras em procissão velas acesas, comemorando as palavras de Simeão: Luz para se revelar às nações e glória de Israel, teu povo.

Em Portugal há um aforismo, relativamente às condições metereológicas do tempo, que diz assim: "Se na Nossa Senhora das Candeias estiver a rir está o Inverno para vir, se estiver a chorar está o Inverno a passar", o que significa: se em 2 de Fevereiro estiver um dia de sol é um presságio que vai haver tempos de larga invernia, donde se infere que estando-se a meio da estação do Inverno com a da Primavera, a muita chuva e má porque pode estragar a floração das árvores de fruto.

A celebração de Nossa Senhora das Candeias tem ainda o significado de nos lembrar que os dias estão a crescer dando-nos mais luz, fazendo que as sementes e as raízes despertem, havendo locais onde se dá honras de festa ao azeite novo como sinal da luz e da importância que ele teve nos tempos antigos para alumiar, estando tudo isto centrado na LUZ de que fala o Evangelho de hoje ao ir buscar esta palavra a Simeão, o habitante de Jerusalém que esperava ver - como viu - a LUZ da Salvação com a Apresentação de Jesus no Templo.

terça-feira, 31 de janeiro de 2017

31 de Janeiro de 1891


 Revolta republicana no Porto.
 Foi a primeira tentativa de derrube da monarquia e implantação de um regime republicano.
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Manda a História dizer que  que este acto revolucionário falhado teve por cabeça Alves da Veiga, advogado e um orador eloquente, tido como um "profeta" de um tempo novo que muitos desejavam, tendo o "31 de Janeiro de 1891" como causa próxima o Ultimato Britânico de 1890, agindo os revolucionários contra a cedência do governo de então ao problema causado pelo "Mapa Cor-de-Rosa" que pretendia. como se sabe, ligar por terra Angola a Moçambique.


Fervoroso adepto da Maçonaria, coube a Alves da Veiga ter sido o primeiro arauto da República com a sua proclamação, que ele mesmo fez com o anúncio de um novo governo numa das janelas do antigo edifício da Câmara Municipal do Porto, na então Praça de D. Pedro, hoje Praça da Liberdade.

Lembro a data, porque a História nunca se deve apagar da memória do povo, mas não a enalteço, nem lhe rendo uma vénia, porque a República, bem ao contrário do que foi anunciado, tendo nascido num berço maçónico não trouxe a Portugal o bem apregoado pelos inflamados oradores que foram buscar aos ideais do tempo, aquilo que o tempo, até hoje tem desmentido: a felicidade do nosso povo, por lhe terem faltado as bases sólidas dos aspectos morais de uma sociedade que ficou órfã de conhecimentos e de cultura política, um mal de que ainda hoje sofremos.

A maçonaria esteve na origem do 31 de Janeiro de 1891 e continua, hoje, escondida, a minar por dentro, a puxar os "cordelinhos" sem que o povo se aperceba das suas manobras, o que é, convenhamos, no tempo que passa - que tudo quer às claras - um facto insólito.

domingo, 29 de janeiro de 2017

O Sermão da Montanha - 4º Domingo do Tempo Comum - 29 de Janeiro de 2017


As Bem-aventuranças

Ao ver a multidão, Jesus subiu a um monte. Depois de se ter sentado, os discípulos aproximaram-se dele.  Então tomou a palavra e começou a ensiná-los, dizendo:

Felizes os pobres em espírito,
porque deles é o Reino do Céu.

Felizes os que choram,
porque serão consolados.

Felizes os mansos,
porque possuirão a terra.

Felizes os que têm fome e sede de justiça,
porque serão saciados.

Felizes os misericordiosos,
porque alcançarão misericórdia.
Felizes os puros de coração,
porque verão a Deus.

Felizes os pacificadores,
porque serão chamados filhos de Deus.

Felizes os que sofrem perseguição por causa da justiça,
porque deles é o Reino do Céu.

Felizes sereis, quando vos insultarem e perseguirem e, mentindo, disserem todo o género de calúnias contra vós, por minha causa.Exultai e alegrai-vos, porque grande será a vossa recompensa no Céu; pois também assim perseguiram os profetas que vos precederam.

(Mt 5, 1-12)
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O Sermão da Montanha está considerado entre os maiores discursos da História, atendendo  àquilo que nele se encontra para além do aspecto religioso, pois cada bem-aventurança é uma bofetada à nossa sociedade acomodada, esquecida que devia viver embrenhada no espírito em que cada uma delas é uma chamada de atenção à crise de valores em que a Humanidade continua a viver.

Quem são, afinal, os felizes?
Quem são, afinal, os homens que a sociedade considera os felizes?
Os fortes pela riqueza?
Os poderosos pelo poder dos cargos que ocupam?
Os bem instalados... sabe Deus à custa de quem?
Os que fazem o seu caminho em cima dos caminhos de outros?
Os que a si mesmo se julgam acima de todos?

No Sermão da Montanha tudo está centrado no impulso divino que o concebeu para que cada pessoa compreenda em plenitude as regras sociais que lhe cabem cumprir, constituindo, por isso, uma sabedoria que ninguém devia ignorar, a começar pelo entendimento da primeira regra - Felizes os pobres em espírito, porque deles é o Reino do Céu - da qual dependem todas as regras ou bem-aventuranças seguintes.

Os pobres em espírito - ao invés dos que vivem desalinhados com a Igreja e tomam esta regra por "pouco inteligentes", "papalvos", e outros epítetos semelhantes, estão profundamente enganados e precisam de rever esta atitude, porque são os pobres em espírito os mais ricos perante a sociedade, porque são eles que afirmam eloquentemente a sua humildade perante o Saber de Deus, porque se sentem pobres ante o Ser Supremo.
São os que, perante a sociedade, num simples gesto de humildade e humanidade - porque todos os homens têm direito à felicidade - fazem lembrar, que:

  • Cabe a cada um enxugar as lágrimas do companheiro que foi vitima dum infortúnio.
  • Cabe a cada um ser manso, no sentido de ser cordial, afável, amoroso, compreensivo.
  • Cabe a cada um,  tendo fome e sede de justiça, saber que pode contar com uma sociedade justa.
Por isso:
  • Felizes os que misericordiosos, por saberem que que a alcançarão dos outros e de Deus que se faz presente os que a usam para bem do próximo.
  • Felizes os puros de coração, porque no cumprimento de regras básicas do comportamento humano estão e vivem face a face com Deus que lhe inspira boas acções.
  • Felizes os pacificadores, porque vivendo centrados com o bem estar dos outros - conforme Deus quer - podem ser chamados com todo o direito filhos de Deus.~
  • Felizes os que sofrem perseguição por causa da justiça, porque sofrendo-a por amor dos seus irmãos são herdeiros de Deus.

E, finamente, o Orador do Sermão da Montanha - que era Deus que falava - sabendo o que lhe a acontecer, num certo dia, pela ingratidão dos homens, rematou: Felizes sereis, quando vos insultarem e perseguirem e, mentindo, disserem todo o género de calúnias contra vós, por minha causa.Exultai e alegrai-vos, porque grande será a vossa recompensa no Céu; pois também assim perseguiram os profetas que vos precederam.

Tudo isto dá que pensar.
Jesus veio e falou desta maneira... e, no entanto, como está o nosso Mundo?

Continuamos a assistir aos mais fortes, no poder, podendo não ser os mais sábios, donde se conclui que algo está errado na nossa sociedade e, no entanto, as Bem-Aventuranças não foi um discurso para se continuar a proteger a iniquidade, e muito menos, foi uma promessa para continuar a proteger - acima dos outros - o meu direito à  felicidade egoísta, pelo que nunca é demais que a sociedade em geral as tomem a sério, para que os homens - todos eles - sejam pobres de espírito perante Deus e olhem com mais brandura e justiça para os seus companheiros, tendo um coração de pobres e não de soberbos.

sábado, 28 de janeiro de 2017

E bem pensado!


António Costa num dado momento do último de bate quinzenal, a propósito da queda da Taxa Social Única (TSU) que ele, do alto da sua vaidade ao ignorar - ou a fingir que ignorou - aqueles que podiam viabilizar o acordo com que fez a Concertação Social, e em resposta a Pedro Passos Coelho - com aquele meio sorriso que costuma ter - explodiu, assim:
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«nem a concertação foi minada, nem esta maioria saiu fragilizada. Mas não foi sem consequências que isto aconteceu: se havia parceiros sociais que tinham alguma ilusão relativamente ao PSD, souberam que ignora a concertação social e só quer um ganho político de circunstância. O PSD não conta para a aprovação do que quer que seja nesta casa».
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O PSD não conta... mas contou durante 4 anos para salvar Portugal da bancarrota iminente em que o Partido Socialista de António Costa deixou o País em 2011.

É por isso que a ingratidão é dos piores malefícios que se podem sofrer e António Costa atirou esta seta sem qualquer pudor!
Não foi bonito... até porque aquilo que aconteceu, estava pensado...
E bem pensado!

sexta-feira, 27 de janeiro de 2017

Minha viola de pinho...


"À Lisboa das Naus Cheias de Glória" - Um poema de António Nobre



À LISBOA DAS NAUS CHEIAS DE GLORIA

I

Lisboa à beira-mar, cheia de vistas
Ó Lisboa das meigas Procissões
Ó Lisboa de Irmãs e de fadistas!
Ó Lisboa dos líricos pregões...
Lisboa com o Tejo das Conquistas,
Mais os ossos prováveis de Camões!
Ó Lisboa de mármore, Lisboa!
Quem nunca te viu, não viu coisa boa.

                                              II

És tu a mesma de que fala a História?
Eu quero ver-te, aonde é que estes, aonde?
Não sei quem és, perdi-te de memoria,
Diz-me, aonde é que o teu perfil se esconde?
Ó Lisboa das Naus, cheias de gloria,
O Lisboa das Crónicas, responde!
E carregadas vinham almadias
Com noz, pimenta e mais especiarias.

III

Ai canta, canta ao luar, minha guitarra,
A Lisboa dos Poetas Cavaleiros!
Galeras doidas por soltar a amarra,
Cidade dc morenos marinheiros,
Com prôa para países cstrangciros! _
Uns p'ra França, acenando Adeus! Adeus!
Outros pr'ás Índias, outros... sabe-o Deus!

IV

Ó Lisboa das ruas misteriosas!
Da Triste Feia, de João de Deus, ‘
Beco da Índia, Rua das Formosas,
Beco do Fala-Sò (os versos meus...)
E outra rua que eu si de Duas Rosas,
Beco do Imaginário, dos Judeus,
Travessa (julgo eu) das Isabeis,
E outras mais que eu ignoro e vós sabeis!

V

Meiga Lisboa, mística cidade!
(Ao longe o sonho desse Mar sem fim.)
Que pena faz morrer na mocidade!
Teus sinos, breve, dobrarão por mim.
Mandai meu corpo em grande velocidade,
Mandai meu corpo p'ra Lisboa, sim?
Quando eu morrer (porque isto pouco dura)
Meus Irmãos dai-me ali a sepultura!

VI

Luar de Lisboa! Aonde o há igual no Mundo?
Lembra leite a escorrer de tetas nuas!
Luar assim tão meigo, tão profundo,
Como a cair d’um céu cheio de luas!
Não deixo de o beber nem um segundo,
Mal o vejo apontar por essas ruas.
Pregoeiro gentil lá grita a espaços:
"Vai alta a lua!" de Soares de Passos.

VII

Formosa Sintra, onde, alto, as águias pairam,
Sintra das solidões! Beijo da Terra!
Sintra dos noivos, que ao luar desvairam,
Que vão fazer o seu ninho na serra;
Sintra do Mar! Sintra de Lorde Byron,
Meu nobre camarada de Inglaterra!
Sintra dos Moiros com os seus adarves,
E, ao longe, em frente, o Reino dos Algarves

VIII

Romântica Lisboa de Garrett!
O Garrett adorado das mulheres,
Hei-de ir deixar-te, em breve, o meu bilhete
À tua linda casa dos Prazeres.
Mas qual seria a melhor hora, às sete,
Garrett, para tu me receberes?
O teu porteiro disse-me, a sorrir,
Que tu passas os dias a dormir.

IX

Pois tenho pena, amigo, tenho pena;
Levanta-te dai, meu dorminhoco!
Que falta faz à Lisboa amena!
Anda ver Portugal! Parece louco.
Que pátria grande! Como está pequena!
E tu dormindo sempre aí no "choco».
Ah! Como tu, dorme também a Arte.
Pois vou-me aos toiros, que o comboio parte!

X

Ó Lisboa vermelha das toiradas!
Nadam no Ar amores e alegrias.
Vede os Capinhas, os gentis Espadas,
Cavaleiros, fazendo cortesias.
Que graça ingénua! Farpas enfeitadas!
O Povo, ao Sol, cheirando às maresias!
Vede a alegria que lhe vai nas almas!
Vede a branca Rainha, dando palmas!

XI

Ó suaves mulheres do meu desejo,
Com mãos tão brancas feitas p'ra caricias!
Ondinas dos Galeões! Ninfas do Tejo!
Animaezinhos cheios de delícias.
Vosso passado que longínquo o vejo!
Vos sois Árabes, Celtas e Fenícias!
Lisboa das Varinas e Marquesas.
Que bonitas que são as Portuguesas!

XII

Senhoras! Ainda sou menino e moo,
Mas amores não têm nem carinhos!
Vida tão triste suportar não posso:
Vês que ides à novena, aos Inglesinhos.
Senhoras, rezai por mim um Padre-nosso,
Nessa voz que tem beijos e é de arminhos.
Rezai por mim, vereis,- vossos pecados,
(Se acaso os tendes), vos serão perdoados.

XIII

Rezai, rezai, Senhoras por aquele
Que no Mundo sofreu todas as dores!
Ódios, traições, torturas, - que sabe ele!
Perigos de agora, e ferro e fogo, horrores!
E que, hoje, aqui está, só osso e pele,
A espera que o enterrem entre as flores....
Ouvi: estão os sinos a tocar:

Senhoras de Lisboa! Ide rezar!


António Nobre viveu pouco e sofreu muito.


Este poema faz parte do seu livro DESPEDIDAS escrito entre os anos de 1895 a 1899, tendo o Poeta falecido em 1900, um ano depois de o ter acabado de escrever e o livro publicado postumamente.

A "Revista Municipal" da edildade de Lisboa, no seu nº 3 - I Ano - 1940, na secção dedicada ao "Cancioneiro de Lisboa" fez publicar na íntegra esta poesia de António Nobre dedicada "À LISBOA DAS NAUS CHEIAS DE GLÓRIA" que é, segundo alguns olissiponenses uma das mais belas composições poéticas sobre a cidade de Lisboa, pese, embora, a parte final em que nalgumas estrofes, António Nobre no fim da doença dos pulmões que tão cedo o vitimou, não tivesse fugido a falar do mal que o consumia.

Mas é emocionante que tenha pedido às Senhoras de Lisboa - onde não faltaram as Varinas,  para rezarem Padres-Nossos por ele, nessa voz que tem beijos e é de arminhos, àquele que estava ali - osso e pele - à espera de o enterrarem entre as flores, que podiam ser de Lisboa onde desejou ser enterrado, porque a morte não escolhe a terra onde o arcaboiço do corpo se torna em pó... em nada.

Meiga Lisboa, mística cidade!
(Ao longe o sonho desse Mar sem fim.)
Que pena faz morrer na mocidade!
Teus sinos, breve, dobrarão por mim.
Mandai meu corpo em grande velocidade,
Mandai meu corpo p'ra Lisboa, sim?
Quando eu morrer (porque isto pouco dura)
Meus Irmãos dai-me ali a sepultura!