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domingo, 25 de agosto de 2013

Queiroz Ribeiro (1860-1928)


À multidão que segue, deixo exposto
Como um cartaz à fúria das nortadas
Este colar de pedras lapidadas
Pelas Mãos da Ternura  e do Desgosto.

(in, Pedras Falsas)


Gaspar de Queiroz Ribeiro nasceu na Guarda, a velha cidade que segundo um rifão popular é denominada fria, farta e forte.
Teve larga interferência na vida política do seu tempo, havendo publicado em 1908 os seus discursos como imagem da sua vida parlamentar, que são uma nota da sua profunda vida interior e espelho das suas ideias, pelas quais se viu obrigado a exilar-se em Espanha, vítima do Movimento Monárquico do Norte.
Na Pátria de Cervantes viveu, por este motivo vários anos da sua exiatência, sofrendo as dores da ausência da Guarda, onde então vivia Augusto Gil, o mimoso Poeta de o "Luar de Janeiro".
Queiroz Ribeiro foi um lírico de grande enternecimento e de tão  elevada inspiração que ela foi, já no declinar da vida a encetar estudos religiosos de que muito a sua poesia veio a lucrar.
Nessa fase singular deu-se ao trabalho de fazer uma adaptação da Bíblia, em verso, empresa que não chegou a concluir.
O seu primeiro livro foi publicado em 1889.
Chama-se "Tardes de Primavera" e teve na sua primeira edição uma carta-Prefácio de Guerra Junqueiro, seu grande admirador e amigo.
Seguiram-se "Cinzas" (1896); "Pedras Falsas" (1903); "Caminho do Céu" (poema- 1906); "Folhas Mortas" (1916), "Imitação de Cristo" (1925).
Morreu roído de saudades pela esposa amantíssima que ele evoca em "Cinzas", numa poesia amara e onde a sinceridade da sua dor se retrata com toda a fidelidade que a sua alma lhe deu.
Em o "SEGREDO" o belo poema das "Pedras Falsas" o Poeta divaga entre a liberdade do lirismo que fez baixar a lua do céu ao lago e aquilo que parece ser - e não é - uma confusão de sentimentos, porquanto, a procura na ânsia de felicidade e, ao mesmo tempo, o maldizer de a encontrar, são faces de uma mesma moeda a que ele chama "mistério" e tal modo interiorizado que e em existe em si e si ficou.
 
 
Descansa. Nem tu sabes, nem eu digo!
A lua, que baixou do céu ao lago
Não adivinha se a deixei... se a trago
Dentro da alma, como um sonho antigo.
 
O néctar que eu procuro e que maldigo,
O vinho, que abençoa a cada trago,
Este veneno com que me embriago
É mistério dum só: irá comigo!
 
Por que suplicas que me dê, que fale?
- Porque não sabes quanto a noite vale
E não calculas como é bom assim!
 
Bem sinto a dor que o teu olhar goteja.
Mas o Princípio por melhor que seja
É pai dum monstro que se chama Fim!
 

sábado, 10 de agosto de 2013

19º Domingo do Tempo Comum - Ano "C" 11 de Agosto de 2013


Não tenhas medo, pequeno rebanho, pois foi do agrado do vosso Pai dar a vós o Reino. Vendei vossos bens e dai esmola. Fazei para vós bolsas que não se estraguem, um tesouro no céu que não se acabe; ali o ladrão não chega nem a traça corrói. Pois onde estiver o vosso tesouro, aí estará também o vosso coração. “Ficai de prontidão, com o cinto amarrado e as lâmpadas acesas. Sede como pessoas que estão esperando seu senhor voltar de uma festa de casamento, para lhe abrir a porta, logo que ele chegar e bater. Felizes os servos que o Senhor encontrar acordados quando chegar. Em verdade, vos digo: ele mesmo vai arregaçar sua veste, os fará sentar à mesa e passará para servilos. E caso ele chegue pela meia-noite ou já perto da madrugada, felizes serão, se assim os encontrar! “Ficai certos: se o dono da casa soubesse a que horas viria o ladrão, não deixaria que fosse arrombada sua casa.  Vós também ficai preparados! Pois na hora em que menos pensais, virá o Filho do Homem”. Então Pedro disse: “Senhor, é para nós ou para todos que contas esta parábola?”  O Senhor respondeu: “Quem é o administrador fiel e atento, que o senhor encarregará de dar à criadagem a ração de trigo na hora certa? Feliz aquele servo que o senhor, ao chegar, encontrar agindo assim!  Em verdade, vos digo: ele lhe confiará a administração de todos os seus bens.  Ora,se um outro servo pensar: ‘Meu senhor está demorando’ e começar a bater nos criados e nascriadas, a comer, beber e embriagar-se,  o senhor daquele servo chegará num dia inesperado e numa hora imprevista, ele o excluirá e lhe imporá a sorte dos infiéis.  O servo que, conhecendo a vontade do senhor, nada preparou, nem agiu conforme a sua vontade, será chicoteado muitas vezes.  O servo, porém, que não conhecendo essa vontade fez coisas que merecem castigo, será chicoteado poucas vezes. Portanto, todo aquele a quem muito foi dado, muito lhe será pedido; a quem muito foi confiado, dele será exigido muito mais! (Lc 12, 32-48)

Obrigado, Senhor,
por me teres ensinado
o que às vezes, esqueço:

Onde estiver o meu tesouro
é lá que está o meu coração!

Que seja o meu tesouro
o Teu Santo Nome
e tudo o que dizes
e a que devo atender,
porque  é de Ti que me chega
todo o dom perfeito.
Consente, pois, que Te prefira
a todos os dons do mundo!

Tenho, Senhor,
o meu coração perto de Ti,
mas, porque sou fraco,
prepara o meu pensamento
para o tempo em que vais bater
à minha porta
e me encontres a agir como disseste.

E, assim, permite que eu seja
Teu fiel administrador!


sexta-feira, 9 de agosto de 2013

Manuel da Silva Gaio (1860-1934)






Desde que, por não te ver,
Vejo em tudo noite escura
Resta-me só a ventura
De duvidar em dizer:

- Qual mais custa: se a tristeza
Dum adeus amargurado
Se a dura e firme certeza
De estar penando ateu lado.

in, Canções do Mondego

Nascido num lar em que a Academia tinha a honra que era devida ao saber, Manuel da Silva Gaio formou-se em Direito na Universidade de Coimbra - sua terra natal - enveredando, profissionalmente, pelo funcionalismo público em Lisboa e, mais tarde, na cidade que lhe serviu de berço, ocupando o cargo de Secretário da Universidade.
Do pai, António da Silva Gaio, o autor consagrado do romance histórico "Mário", herdou o Poeta o gosto pelas letras, a que dedicou a sua vasta e pujante veia artística.
No ano seguinte à publicação do seu primeiro livro: "Primeiras Rimas", em 1887, dedicou-se ao jornalismo, havendo-o  exercido entre 1888 a 1891, no jornal "Novidades" de que era, então, Director Emídio Navarro, como ele, homem de Direito, político e  brilhante jornalista.
Foi nessa época que conheceu Eça de Queirós, Director da "Revista de Portugal" que então se publicava, convidando-o para a secretariar, um facto que muito terá contribuído, pelo envolvimento no meio, para ter fundado em 1894 a Revista "Arte" de parceria com Eugénio de Castro.
Manuel da Silva Gaio foi um paladino acérrimo do "Integralismo Lusitano" - também conhecido por "Nacionalismo Integral" - um movimento político que se opôs ao anticlericalismo da 1ª República, tendo como matriz o municipalismo e a inspiração católica como fio condutor do sindicalismo que advogavam, com a defesa dos valores nacionais tendentes à harmonia e união social através da cooperação das diversas classes.
Esta tendência política onde não faltava ao Poeta o seu empenho de ordem intelectual, fê-lo abjurar a Monarquia Constitucional (1820-1834), mas também, a corrente favorável que levou à instauração da República.
Advogava, por isso, uma "monarquia orgânica e nacionalista", fundada num certo tradicionalismo que tendia a reatar o fio das instituições medievais adaptadas aos condicionalismos sociais da época que constituíam já na sociedade portuguesa um movimento que teria de ser atendido.
Bateu-se por essa razão contra uma aspiração fusionista (1) que vinda de Espanha encontrava em Portugal alguns aderentes, o que o fez apadrinhar movimentos conferencistas de esclarecimento das massas populares ao inculcar-lhes o fervor nacionalista.
A sua obra ressentiu-se da sua intromissão pública neste campo.
Aqui e ali está marcada pelo reavivamento de formas quinhentistas pelo renovar das lendas, costumes e sentimentos populares através de evocações de personagens e factos históricos relevantes.
Segundo os seus biógrafos reside aqui a parte menos valiosa da sua vida literária, pelo maneirismo que ele lhe imprimiu, podendo por isso dizer-se que Manuel da Siva Gaio foi um vagabundo espiritual: não acertou com o estilo literário próprio ou inserido em qualquer corrente do seu tempo.
Deixou, no entanto, de pé a causa que ele sempre defendeu ao arvorar-se num nacionalista convicto, mas sem ter entendido os ventos que começavam a soprar e iriam desembocar no parlamentarismo, o local exacto para a grande discussão das ideias.
A sua obra é vasta em prosa e verso.
Publicou:  "Primeiras Rimas" (1887); "Canções do Mondego" (1891); "Pecado Antigo" (1893); "Um Ano de Crónica" (1899): "O Mundo Vive de Ilusão" (1896); "As Três Ironias" (1897); "Na Volta da India" (1898), "Mondego" (1900); "Encruzilhadas" (1903); "A Dama de Ribadalva" (1903); "Últimos Centes" (1904); "Novos Poemas" (1906); "Torturados" (1911); "Clave Dourada" (1916); "Da Poesia na Educação dos Gregos" (1917); "Eça de Queirós" (1919); "Dom João" (1925); "O Santo" (1927); "Sulamite" (1928); "Eugénio de Castro" (1928); "Pela Ribeira do Mondego" (1929); "João de Deus" (1930); "Os Vencidos da Vida" (1931); "Bucolismo" (1933).
Campos de Figueiredo publicou em 1934 um estudo sobre os quase meio século de produção literária de Sila Gaio.
Não é fácil falar em breves palavras deste vulto das letras pátrias, mas o que fica dá dele indicações e proporcionar - é isso que se pretende - uma lembrança do literato a que alguns assacam a génese do "neolusitanisnmo", que advogava a feitura de uma poesia nacionalista, hoje, tão necessária pelo desmembramento intelectual que vivemos, entregues à proliferação de ideais globalizadas, sem alma e sem carácter regional.
Na sua fase lírica que ele expressa nas "Canções do Mondego" publicou o Poema "VINTE ANOS", onde diz assim:

Perguntavas-me de antes: que alegria
Ou íntima ventura
- Desde que, ao longe, apenas vinha o dia
Até ser noite escura -

Me fazia cantar a toda a hora
E me doirava a vida?
E perguntava-te eu: "Ó minha aurora,
Ó rola estremecida,

O que te faz também andar cantando
E rindo a cada instante,
Como se a vida fôra um sonho brando
Duma embriaguez constante?"
....................................................................
Negrejava a batina que vestia
Meu peito juvenil,
Como uma nuvem trágica e sombria
Toldando um céu de Abril.

E o teu vestido pobre até lembrava
- Cobrindo esse tesouro -
O folhelho do milho que, na seara,
Veste as espigas de oiro.

Mas nenhum de nós dois, então, daria
Por um trono radiante,
Esse pequeno quarto de estudante,
Que o nosso amor enchia.

E a janela por onde o doce alvor
Do dia nos saudava
E num beijo de luz acariciava
O teu craveiro em flor.

Pode dizer pouco à geração actual o nome de Manuel da Silva Gaio, mas não pode perder o sentido - a menos que queiramos esquecer a Pátria - o soneto que ele dedicou "À GERAÇÃO NOVA" do seu tempo e que devia continuar a ser intemporal no que concerne ao amor nacionalista que devemos à terra que nos viu nascer:
Pudera este meu livro, bons amigos
Alevantar-vos tanto o pensamento
Que à Pátria desseis braços e novo alento
Para afinal por termo a seus castigos.
Mas, se o cantar-vos eu feitos antigos
Não for mais do que vão cometimento
Se houverem de rendê-la, a trato lento
Duros golpes de feros inimigos,
Que - onde a mesquinha ergueu voz de grandeza
E os filhos já no exílio se dirão -
Ainda, por luso ser de natureza,
Ao lê-lo vós logreis ter a ilusão
De um punhado de terra portuguesa
E nele apertardes sempre a vossa mão!
in "Clave Dourada"
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(1) - Ideia que assentava na fusão política

quinta-feira, 8 de agosto de 2013

António Fogaça (1863-1888)


 
            Eu não acreditava
Que simplesmente a luz dum doce olhar
Tornasse a alma uma perfeita escrava.
 
            Contudo, ó flor sem par,
Quando ontem, passando, tu me olhaste,
Mal imaginas que no mesmo olhar
A alma me levaste.
 
In, Versos da Mocidade
 

António Maria Gomes Machado Fogaça nasceu  na povoação de S. Martinho de Vila Frescaínha, concelho de Barcelos e morreu na fulgor da vida, aos 25 anos, como se fosse uma flor  caída da haste no momento em que desabrochava.
Frequentava, então, o 3º ano de Direito na Universidade de Coimbra e o seu estro inspirado já o havia tornado um vulto conhecido através da colaboração que empreendera em algumas publicações.
O seu lirismo simbolista de que deu evidentes provas, e a sua prematura morte deixou na Academia um profundo pesar que transitou para a roda das tricanas que o admiravam sabendo de cor as quadras que ele dedicou às fogueira de S. João.
Mereceu de Joaquim de Araújo  (1) - o poeta e prosador que veio a ser cônsul de Portugal em Génova - uma sentida poesia no seu livro "Flores da Noite" e, também, de António Nobre, o nostálgico Poeta do "Só" que o evocou nos "Primeiros Versos".
António Fogaça, apesar da sua ilustração e aceitação nos meios literários não tinha deleites de excêntricas fantasias, nem dispunha o pensamento em vigílias de cultivo da sua personalidade, que era,  pelo que nos deixou no seu único livro "Versos da Mocidade", de uma rara beleza.
Na sua poesia "O Fumo" o Poeta após admirar as reviravoltas que o fumo faz ao sair das chaminés até desaparecer nas mais altas viagens, diz surpreso e com alguma melancolia:

Do meu quarto, que dá sobre os quintais,
Descubro todo o bairro; e, muita vez,
Vejo evolar-se o fumo em espirais
              Das negras chaminés.
...................................................................
 
Todo este quadro é tão banal, que então
Chego a rir-me de mim, do que resumo
Na minha eterna e doce aspiração...
            Que se assemelha ao fumo.
 
A vida foi-lhe, de resto, um fumo que subiu alto - e depressa - enovelado e eivado da aspiração natural dos jovens, que como ele, em qualquer tempo têm o direito de sonhar, até que um dia - por desnorte, omissão de arreganho ou falta de saúde  - deixam cair o sonho contra o primeiro vendaval.
António Fogaça caiu por falta de saúde no primeiro vendaval.
Profundo conhecedor da musicalidade das palavras que encadeou  em versos de métrica perfeita e ritmo de rara cadência, o Poeta deixou nas suas "Orações de Amor" perfeitos gritos de alma, que são orações para falar com Deus.
 
                 Ó rosas da manhã
Confio em vós, chorando, a vós imploro
Que, se aqui aparecer a vossa irmã
                Lhes jureis quanto a adoro.

                Mas contai-me depois
O que disse de mim, quando eu vier
Interrogar-vos sobre a minha sorte,
Como quem vai, tremendo, sem saber,
Se encontra a vida ou se o assombra a morte.
 
Ou, então:
 
Hei-de dar-te um palácio com mil portas,
Que encerre tudo quanto fantasiarmos:
-Rosas, volúpia, sonhos, afeições...
A porta mais pequena é para entramos
E são as outras para as ilusões.
 
Bem cedo, as ilusões se esfumaram na alma do Poeta.
Ele, bem se pode dizer, entrou pela porta estreita da vida para deixar abertas as outras, por onde as suas quimeras entraram aos baldões.
Uma das suas quimeras deixou-a vincada no formoso soneto "Desgostosa".

O seu riso gentil que ainda me arrasta
Como quem vai seguindo no deserto
Os raios dum clarão que julga perto
Mas que a segui-lo toda a vida gasta;

Sua voz, seu olhar, sua alma casta,
Todo esse altivo e festival concerto
- Brancas formas de luz que ao seio aperto
Sonhadamente, numa dor nefasta...

Esse porte de brilho e majestade,
E o seu modo sincero, doce e honesto,
Tudo a sombra da Mágoa, sem piedade,

Velou, tocando-a com o seu ar funesto!
Nunca eu sonhasse, ó intima saudade,
Seu riso, voz, olhar, e alma e gesto!...

António Fogaça foi um homem de sonhos.
Sonhou com a pujança da juventude a vida que ele - com a naturalidade própria da idade - queria acarinhar com toda a variedade de sonhos, sem suspeitar que lhe estava reservada a porta pequena por onde entrou e saiu, deixando atrás de si um império de vozes a reclamar a sua veia poética, perdida como o fumo que ele cantou num certo dia.
A Freguesia de Vila Frescainha de S. Martino, extinta em 2013, para comemorar os 150 anos do nascimento do Poeta descerrou um monumento em sua honra no dia 25 da Maio de 2013.
Funciona no Bairro da Misericórdia a Escola EB1 António Fogaça, o que prova, que a gente da sua terra não esqueceu o homem que na curta vida que viveu soube encher de luz o seu nome e a pequena - mas eloquente -  obra literária que nos deixou.
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(1) - Joaquim António de Araújo e Castro (1858-1917) nasceu em Penafiel.
 

quarta-feira, 7 de agosto de 2013

Camilo Pessanha (1867-1926)

  
 
in, Wikipédia
  
O Poeta nasceu em Coimbra em 1867 e faleceu em Macau em 1926. É contemporâneo na Universidade daquela Cidade onde se formou em Direito, de Eugénio de Castro, António Nobre e Alberto Osório de Castro.
Assistiu à nascença do simbolismo, um movimento literário surgido em França por volta de 1885 na procura através do valor musical e simbólico das palavras, das mudanças mais subtis das impressões e dos estados de alma.
Não se tendo deixado absorver pelas polémicas doutrinárias que aquela corrente literária substanciou, ficou aquém de todos os bulícios e estribando-se em profunda reserva interior, tornou-se algo abúlico e criador de extremismos ao ponto de não gostar de publicar as suas poesias, que não deixou, no entanto, de as impregnar de um profundo simbolismo.
Na procura da distância e de evitar o ruído, tornou-se indiferente à publicidade, reservando com minúcia a escolha dos seus amigos íntimos, como os primos, Ana de Castro Osório e Alberto Osório de Castro, tendo cabido a este a publicação em 1889 no Jornal "O Novo Tempo" que se editava em Mangualde, do célebre poema "Estátua", que se crê inspirado pelo amor de Camilo Pessanha pela jovem Ana de Castro Osório, representando a frieza recebida por algumas mulheres por quem o seu coração bateu.
O Poeta viveu em Macau a parte final da sua vida, tendo ali exercido funções judiciais. O contacto estreito com a cultura chinesa originou que tenha escrito vários estudos e feito traduções de poetas oriundos da China.
Com pundonor, Pessanha cultivou um perfil algo estranho, onde a sua barba negra impunha um toque oriental, saindo-lhes das órbitas dois olhos ardentes e interrogadores do mundo, que antes de se fecharem ainda assistiram ao legado dos objectos de arte chinesa que possuía ao Museu de Machado de Castro, em Coimbra. (1)
Segundo os estudiosos os seus poemas simbolistas tiveram preponderância espiritual em Poetas como Sá-Carneiro e Fernando Pessoa, a quem se ficou devendo, em primeiro lugar, a iniciativa da publicação das suas poesias.
É deste modo que em 1920 sai para o público o seu livro "Clépsidra", fazendo lembrar pelo nome os relógios de água do antigo Egipto, como se o Poeta quisesse marcar o tempo através da água profunda que corre dos seus sonetos, arte de que foi um exímio burilador.
Essa arte maior herdou-a ele, na esteira de grandes vultos, como: Camões, Bocage e Antero de Quental.
O soneto "Estátua" é, efectivamente, um retrato do seu perfil poético:
 
Cansei-me de tentar o teu segredo;
No teu olhar sem cor, frio escalpelo,
O meu olhar quebrei, a debatê-lo,
Como a onda na crista dum rochedo.
 
Segredo dessa alma e meu degredo
E minha obsessão! Para bebê-lo
Fui teu lábio oscular, num pesadelo,
Por noites de pavor, cheio de medo.
 
E o meu ósculo ardente, alucinado,
Esfriou sobre mármore correcto
Desse entreaberto lábio gelado.
 
Desse lábio de mármore, discreto,
Severo como um túmulo fechado,
Sereno como um pélago quieto.
 
Nesta composição, o Poeta pareceu querer personificar as pessoas com as quais teve, ao lingo da vida, dificuldades de comunicação ou de quem não recebeu aquilo que o seu sentimento pedia, fosse um gesto de amizade ou de amor.
O soneto, propositadamente designado "Estátua", esconde, assim, uma intuição humana onde está vivo o drama do homem cujo interior magnânimo nem sempre conseguiu encontrar o reconhecimento de quem o estimasse.
Daí, o seu refúgio em si mesmo, sem a correspondência humana que ansiou e desejou, donde podemos aquilatar o sentido doloroso do primeiro verso: Cansei-me de tentar o teu segredo, revelando -se aqui, o gosto de descobrir - seja-se poeta ou não - aquilo que vive escondido, às vezes, no simples olhar, que Pessanha afirma ser o da pessoa que lhe inspirou o soneto e que ele apelidou de frio escalpelo, onde o seu próprio olhar se quebrou.
O Poeta surge neste poema como em muitos que compõem o livro "Clépsidra" com uma ânsia de perfeição, na busca de encontrar palavras exactas que melhor pudessem transmitir o seu sentimento, como se em cada uma das palavras beijasse quem lhe fugia.
Camilo Pessanha merece ser lido, meditado e sentido, como homem e poeta de grande estilo literário.


terça-feira, 6 de agosto de 2013

A Suprema Felicidade

Foto de um diaporama da qual desconheço o autor
e a quem agradeço a benevolência de alguma ilicitude cometida
  
 Cabra-Cega
 
À volta de incerto fogo
 Brincaram as minhas mãos.
 ... E foi a vida o seu jogo!

 
 Julguei possuir estrelas
 Só por vê-las.
 Ai! Como estrelas andaram
 Misteriosas e distantes
 As almas que me encantaram
 Por instantes!

 
 Em ritmo discreto, brando,
 Fui brincando, fui brincando
 Com o amor, com a vaidade...

 
— E a que sentimentos vãos
 Fiquei devendo talvez
 A minha felicidade!
 
 
Pedro Homem de Mello, in "Jardins Suspensos"
 
 
Victor Hugo para além do grande escritor que foi, deixou-nos máximas onde o seu pensamento voou até às profundezas do seu ser para nos dizer tal como se expressa, que "a suprema felicidade da vida é a convicção de ser amado por aquilo que você é; ou, mais correctamente, de ser amado apesar daquilo que você é".
O Poeta Homem de Melo no poema que vai acima, colocou o estro da sua poesia adulta e eivada de um lirismo pagão na segunda parte da máxima de Victor Hugo, ao referir que no jogo da vida, o homem - depois de ter brincado com o amor, com a vaidade... não hesita em declarar, que foi, até, a sentimentos vãos que ficou devendo a sua felicidade, ou seja, apesar da inconstância ou imperfeição de alguns sentimentos - que, possivelmente, pediam mais atenção e pureza - sentiu-se amado, pesasse embora o jogo da cabra cega vivido e que dá o nome ao poema.
Temos assim, que a suprema felicidade se pode residir, naturalmente, em nos sentirmos amados por aquilo que fazemos - dentro da "perfeição" possível à nossa humanidade que carrega consigo o selo do imperfeito - também pode existir e com a mesma intensidade, no dizer de Victor Hugo, quando nos sentimos amados apesar das nossas imperfeições, recebendo a amizade ou o amor do semelhante, descontados que são na balança dos sentimentos os passos mal dados ou faltas de gentilezas cometidas.
Pode parecer desconexo falar deste jeito, mas não é.
A inconstância humana - que pode levar alguém a refrear o modo amistoso dos princípios da amizade ou do amor - não raro, começou por ser uma constância quase perfeita de actos e atitudes, que o outro, no tempo em que se dá o arrefecimento dos sentimentos,  quantas vezes, sem se aperceber, põe a render  o espirito paulino da Carta aos Colossensses (3,14) que nos recomenda: e sobre tudo isto revesti-vos do amor que é o vinculo da perfeição e, continua com o mesmo ardor a considerar ou a amar, quem aos olhos do mundo pouco merece.
La Rochefoucauld, nas suas "Reflexões" escreveu isto:

Não pretendo justificar aqui a inconstância em geral, e menos ainda a que vem só da ligeireza; mas não é justo imputar-lhe todas as transformações do amor. Há um encanto e uma vivacidade iniciais no amor que passa insensivelmente, como os frutos; não é culpa de ninguém, é culpa exclusiva do tempo.
No início, a figura é agradável, os sentimentos relacionam-se, procuramos a doçura e o prazer, queremos agradar porque nos agradam, e tentamos demonstrar que sabemos atribuir um valor infinito àquilo que amamos; mas, com o passar do tempo, deixamos de sentir o que pensávamos sentir ainda, o fogo desaparece, o prazer da novidade apaga-se, (...)

Observa bem a natureza humana o estimável escritor.
Felizes pois, são todos aqueles que depois de terem arrefecido a chama do princípio e, até, de terem vivido com sentimentos vãos, como diz o Poeta Homem de Melo, apesar de tudo isso, ficam a dever a sua felicidade a causas que podiam ser adversas e só o não são, porque tiveram a felicidade de encontrar no semelhante algum perdão compreensivo para faltas cometidas ou sentimentos frívolos que se viveram.



segunda-feira, 5 de agosto de 2013

Lutar pela felicidade: um dever!



Foto de um diaporama da qual desconheço o autor
e a quem agradeço a benevolência de alguma ilicitude cometida
 
 
Num hipotético diálogo com Deus o homem debruçado sobre si mesmo escreveu no pó do chão o seu pedido de felicidade e não ficou sem resposta.
Deus disse: Não.
E acrescentou: A felicidade não depende de mim. Está em ti mesmo, no modo como te comportas com as coisas do mundo e com ages perante os teus iguais. De mim - concluiu Deus - dependem, apenas, as bênçãos.
Eis um diálogo impossível na esfera do real, como se deixa ver, mas que tem em si mesmo a lógica da realidade espiritual que deve comandar a acção do homem enquanto agente da vida que lhe cumpre viver na procura da felicidade, muito ao jeito do que nos propõe numa quadra intencional o filósofo Nietzsche e que ele intitulou: A Minha Felicidade.
 
Depois de estar cansado de procurar
Aprendi a encontrar.
Depois de um vento me ter feito frente
Navego com todos os ventos.
 
Friedrich Nietzsche, in "A Gaia Ciência"

 
 
 
Deus deu-nos a maior das felicidades: a vida.
Assunto d'Ele.
Vivê-la, na procura de sermos ditosos ou, até, bem-aventurados é assunto nosso.
Temos assim, que Deus espera que o homem - a obra-prima da sua Criação - lute por ser feliz, fazendo da vida recebida  o modo de ganhar a sua bênção cumprindo-lhe porfiar na busca da felicidade que há-de encontrar num dia qualquer, bastando para tanto estar atento ao vento favorável - ou não - e do qual o velho filósofo Epicteto (1) nos fala deste modo:
 
Quando pretendemos embarcar, desejamos um bom vento para seguirmos o nosso caminho; esperando o dia da partida, vamos com frequência verificar que vento sopra, e, se nos é contrário, exclamamos: sempre vento norte! Quando soprará o vento do poente? Meu amigo, soprará quando lhe aprouver, ou melhor, quando aprouver a Quem manda em todas as coisas. Serás, por acaso, dispensador dos ventos, como Éolo? Façamos sempre o que de nós depende, e valhamo-nos do resto, tal qual se nos apresenta e sucede.
 
A felicidade está, assim, dependente daquilo que nos compete fazer e sujeita, apenas, de nós mesmos que, de modo algum, podemos deixar perder para sermos felizes - como Deus quer -  a fidelidade, o pudor e a modéstia, não nos deixando vencer por um qualquer vento norte, quando é necessário seguir o vento do espírito que fez de nós criaturas semelhantes a Deus, e com Ele - porque não nos compete mandar nos ventos - ir ao encontro de todos os ventos, sem esperar o mais favorável e, depois,  valhamo-nos do resto, tal qual se nos apresenta e sucede, na certeza que depois de termos vencido um qualquer vento menos amistoso, com a ajuda de Deus somos capazes de navegar com todos os ventos, como nos diz Nietzche.
A felicidade é, assim, uma conquista do homem, começando sempre por ter em Deus o vento que ele nos destina, nem sempre o mais propício - que é um desígnio que nos cumpre procurar -  tendo-se em conta que não recebemos a vida sem dor.
Não vale pois pedir a Deus a felicidade se nada fazemos para a encontrar.
Que nos sirva de lição o lamento das angústias internas de Job (30,15): Sobrevieram-me pavores; como vento perseguem a minha honra e como nuvem passou a minha felicidade.
 
.............................................................................................

(1) - Epiteto ou Epicteto -  (Hierápolis, 55 - Nicópolis, 135) foi um filósofo grego estóico que viveu a maior parte de sua vida em Roma, como escravo a serviço de Epafrodito, o cruel secretário de Nero.
(in, Wikipédia)


sábado, 3 de agosto de 2013

O dom da amizade


Foto de um diaporama da qual desconheço o autor
e a quem agradeço a benevolência de alguma ilicitude cometida

  A um Amigo


Fiel ao costume antigo,
Trago ao meu jovem amigo
Versos próprios deste dia.
E que de os ver tão singelos,
Tão simples como eu, não ria:
Qualquer os fará mais belos,
Ninguém tão d’alma os faria.

Que sobre a flor de seus anos
Soprem tarde os desenganos;
Que em torno os bafeje amor,
Amor da esposa querida,
Prolongando a doce vida
Fruto que suceda à flor.

Recebe este voto, amigo,
Que eu, fiel ao uso antigo,
Quis trazer-te neste dia
Em poucos versos singelos.
Qualquer os fará mais belos,
Ninguém tão d’alma os faria.

Almeida Garrett, in 'Folhas Caídas'
 
 
Garrett, neste belo poema exalta o dom da amizade ao oferecer a um dos seus amigos, em dia de anos, este pedaço de poesia em que duas pessoas tocadas pelos mesmos princípios, de acordo com a normalidade sadia advinda daquele sentimento humano, facilmente encontram linhas condutoras, em que a amizade é como um espelho que deixa reflectir o objecto ou a pessoa que nele se mira, porquanto o amigo verdadeiro vê no outro, reflectida, em muitos momentos vivenciais, a sua própria conduta humana.
Há, ainda, quem considere a amizade como se fosse um edifício, o que não deixa de ser verdade se atentarmos que nele, o que o suporta não é o que está à vista, mas o que está enterrado, ou seja, as fundações.
A amizade é assim, efectivamente.
Não conta o que vemos, mas sim o que nos une e vive escondido e se comporta como os vendavais que não fazem perigar o edifício - neste caso o edifício humano - que se ampara no amigo para poder vencer a maior das amarguras.
Eis, porque eu gosto muito das palavras da foto do diaporama que um amigo meu me mandou e cuja autora desconheço, mas a quem rendo a minha homenagem pela justeza com que ao falar de amizade soube encontrar as palavras exactas a respeito da dor do amigo.
Esqueceu a sua própria dor, guardou-a no bolso e foi ao encontro do outro, no momento necessitado de uma voz amiga.
Esta a razão porque no velho Livro do Eclesiástico (25,12) é dito: ditoso aquele que encontrou um amigo verdadeiro e que proclama a justiça a um ouvido atento, ou como disse Santo Agostinho: o melhor bálsamo para as nossas feridas é ter em cada dor alguém que nos console.
Que a sabedoria do Eclesiástico que foi beber à alma do povo o tão formoso e lúcido conceito sobre a amizade e as palavras do  Santo Bispo de Hipona estejam presentes no modo como devemos sentir e viver o dom da amizade, que tem algo de sagrado e, como tal, não pode nem deve ser conspurcado.

18º Domingo do Tempo Comum - Ano "C" 4 de Agosto de 2013


Alguém do meio da multidão disse a Jesus: “Mestre, dize ao meu irmão que reparta a herança comigo”.  Ele respondeu: “Homem, quem me encarregou de ser juiz ou árbitro entre vós?” E disse-lhes: “Atenção! Guardai-vos de todo tipo de ganância, pois mesmo que se tenha muitas coisas, a vida não consiste na abundância de bens”. E contou-lhes uma parábola: “A terra de um homem rico deu uma grande colheita.  Ele pensava consigo mesmo: ‘Que vou fazer? Não tenho onde guardar minha colheita’.  Então resolveu: ‘Já sei o que fazer! Vou derrubar meus celeiros e construir maiores; neles vou guardar todo o meu trigo, junto com os meus bens. Então poderei dizer a mim mesmo: Meu caro, tens uma boa reserva para muitos anos. Descansa, come, bebe, goza a vida!’  Mas Deus lhe diz: ‘Tolo! Ainda nesta noite, tua vida te será tirada. E para quem ficará o que acumulaste?’ Assim acontece com quem ajunta tesouros para si mesmo, mas não se torna rico diante de Deus” (Lc 12, 13-21)


Mestre,
Tu que conheces o meu coração
sabes que sou ganancioso.
Perdoa-me, pois, se te quero meter
nas coisas do mundo, para as quais
me deste a sabedoria de ser prudente,
enquanto me devo enriquecer
da Tua doutrina.

Cura-me.
Perdoa-me a maldade da cobiça.
Muda-me por dentro
para que não arda, somente,
na mira de bens materiais.

Por isso, peço: não digas nada
a meu irmão e, antes,
dá-me tempo para me reconciliar
comigo e livra-me da tentação
de possuir mais e mais,
e viver longe dos critérios cristãos.

Ensina-me, de novo,
que o destino e o fim último da vida
têm de passar pela abertura do coração
às riquezas espirituais
que hão-de durar por toda a eternidade.

Mestre:
ensina-me o modo de ser rico
diante de Deus!

sexta-feira, 2 de agosto de 2013

Parábola do Bom Pastor



Sobre o carácter paternal de Deus
do seu Amor e Misericórdia

 
Do Novo Testamento a palavra do Evangelho de S. João (10, 1-18)

Em verdade, em verdade vos digo que aquele que não entra pela porta no curral das ovelhas, mas sobe por outra parte, é ladrão e salteador. Aquele que entra pela porta é o pastor das ovelhas. A este o porteiro abre e as ovelhas ouvem a sua voz; e chama pelo nome as suas ovelhas e leva-as para fora. E depois de fazer sair todas as ovelhas, vai adiante delas e as ovelhas seguem-no, porque conhecem a sua voz. Mas não seguirão um estranho, antes fugirão dele, porque não conhecem a voz dos estranhos. (...) Eu sou o Bom Pastor: o Bom Pastor dá a vida pelas suas ovelhas. Mas o que é mercenário, e não pastor, de quem não são as ovelhas, vendo vir o lobo, deixa as ovelhas e foge; e o lobo as arrebata e dispersa. Ora, o mercenário foge porque é mercenário, e não se importa com as ovelhas. Eu sou o bom pastor; conheço as minhas ovelhas, e elas me conhecem, assim como o Pai me conhece e eu conheço o Pai; e dou a minha vida pelas ovelhas. Tenho ainda outras ovelhas que não são deste aprisco; a essas também me importa conduzir, e elas ouvirão a minha voz; e haverá um rebanho e um pastor. Por isto o Pai me ama, porque dou a minha vida para a retomar. Ninguém ma tira de mim, mas eu de mim mesmo a dou; tenho autoridade para a dar, e tenho autoridade para retomá-la. Este mandamento recebi de meu Pai.


Do Antigo Testamento a palavra de Ezequiel:


Veio a mim a palavra do Senhor, dizendo: Filho do homem, profetiza contra os pastores de Israel; profetiza, e diz aos pastores: Assim diz o Senhor Deus: Ai dos pastores de Israel que se apascentam a si mesmos! Não devem os pastores apascentar as ovelhas?  (1)

 
A Palavra antiga é um prelúdio da parábola desenvolvida por Jesus, séculos depois e onde a figura do bom pastor já aparece como aquele que não se serve a si mesmo mas, pelo contrário, é aquele que serve, pois não devem os pastores apascentar as ovelhas?
Esta é, por isso, uma parábola messiânica centrada num dos títulos de Jesus: o de Pastor, a que Ezequiel se havia já referido ao dizer o que atrás se salientou e, depois, quando transmitiu a fala do Senhor Javé: Eu mesmo apascentarei as minhas ovelhas (2) um tema que haveria de ficar muito dilecto ao próprio Jesus, quando Ele mesmo invocava o Salmo 22: O Senhor é meu pastor; nada me falta; em verdes prados me faz descansar e conduz-me às águas refrescantes. Reconforta a minha alma, guia-me pelos caminhos rectos, por amor do seu nome. (3)
A parábola do Bom Pastor tem como proémio o episódio do cego de nascença (4) onde Jesus é apresentado como a Luz do mundo e, agora, se assume como a Luz de Deus na figura bem conhecida do pastor, que para a exacta compreensão do texto bíblico deve ser atendida a ocupação que ele ocupava nos costumes palestinienses.
Era hábito durante a roda do dia os rebanhos acharem-se espalhados em lugares, por vezes, quase desertos sendo à noite reunidos num pequeno espaço delimitado por um muro e tendo por guardas os pastores.
Pelo romper da manhã, estes, davam o grito convencional – que as ovelhas conheciam – acedendo prontamente ao chamamento costumado, seguindo o pastor que as conduzia às melhores pastagens, confiantes naquele que ao entrar pela porta era o verdadeiro pastor. A este o porteiro abre e as ovelhas ouvem a sua voz; e chama pelo nome as suas ovelhas e leva-as para fora. E depois de fazer sair todas as ovelhas, vai adiante delas e as ovelhas seguem-no, porque conhecem a sua voz.
Por isso o tema é exemplar, como do mesmo modo, é exemplar a alegoria a que Jesus recorre, fazendo da figura do pastor que Ele conhecia pela leitura dos profetas, um meio eficaz na transmissão da Mensagem a par da meditação a que se entregava, ao percorrer os caminhos da Palestina.
Esta imagem pode-se dividir em três parcelas:

1 – Jesus ama todos os homens, aqui configurados no rebanho.
E de tal modo Jesus amou os homens que se dispôs a dar a vida por eles, defendendo o Seu rebanho, como aconteceu no Getsêmani, no momento em que dirigindo-se aos soldados que O procuram não arranjou nenhum subterfúrgio para se esconder: Se é, pois, a mim que buscais, deixai ir estes. (5)
Ele é Bom Pastor. É aquele que dá a vida pelas suas ovelhas.
 
2 – Jesus quer viver intimamente ligado a todos os homens.
Conheço as minhas ovelhas, disse. E nesta pequena frase cheia de sentido amoroso existe uma ilação sobre a qual é preciso meditar, porque ao conhecer-nos, implicitamente Jesus declara que em cada um de nós conhece os nossos erros e limitações, acrescentando, logo de seguida que nós – os ovelhas do Seu rebanho – também sabemos quem é Jesus. 
E elas conhecem-me, disse, como a exortar-nos que através da Palavra de Deus teríamos sempre um meio de chegar até ao Bom Pastor.

    3 – Jesus quer que haja, apenas, um único sentimento de amor pelo Pai.
É um desejo profundo.
Que um dia haja um só rebanho e um só Pastor, deixando de haver, como já acontecia no Seu tempo diversas facções religiosas e, com hoje acontece, diferentes Igrejas e divisões dentro de cada uma delas que tendem a dividir, muitas vezes, a própria caridade interna, factos escandalosos que servem de gáudio a todos quantos estão fora.
Jesus não se esqueceu da união como um ideal e deste modo, no discursos da despedida a ideia de um só rebanho e um só Pastor esteve presente: Pai Santo, guarda em Teu Nome aqueles que me deste para que sejam só um, como nós. (6)
Nos tempos actuais onde o ecumenismo atingiu um novo estádio de concertação entre os cristãos, a figura do Bom Pastor e o seu desejo de todos serem um no mesmo Pai agiganta-se como um fanal intenso a que é preciso atender.



(1)  - Ez 34, 1-2
(2) - Ez 34,15
(3)- Sl 22, 1-3
(4)- Jo 9, 5
(5)  - Jo 18, 8
(6)  - Jo 17, 11

quinta-feira, 1 de agosto de 2013

17º Domingo do Tempo Comum - Ano "C" 28 de Julho de 2013


 Um dia, Jesus estava orando num certo lugar. Quando terminou, um de seus discípulos pediu-lhe: “Senhor, ensina-nos a orar, como também João ensinou a seus discípulos”. Ele respondeu: “Quando orardes, dizei: Pai, santificado seja teu nome; venha o teu Reino; dá-nos, a cada dia, o pão quotidiano, e perdoa-nos os nossos pecados, pois nós também perdoamos a todo aquele que nos deve; e não nos introduzas em tentação. E Jesus acrescentou: “Imaginai que um de vós tem um amigo e, à meia-noite, o procura, dizendo: ‘Amigo, empresta-me três pães, pois um amigo meu chegou de viagem e nada tenho para lhe oferecer’. O outro responde lá de dentro: ‘Não me incomodes. A porta já está trancada. Meus filhos e eu já estamos deitados, não posso me levantar para te dar os pães’.  Digo-vos: mesmo que não se levante para dá-los por ser seu amigo, vai levantar-se por causa de sua impertinência e lhe dará quanto for necessário.  Portanto, eu vos digo: pedi e vos será dado; procurai e encontrareis; batei e a porta vos será aberta. Pois todo aquele que pede recebe; quem procura encontra; e a quem bate, a porta será aberta. Algum de vós que é pai, se o filho pedir um peixe, lhe dará uma cobra?  Ou ainda, se pedir um ovo, lhe dará um escorpião? Ora, se vós, que sois maus, sabeis dar coisas boas aos vossos filhos, quanto mais o Pai do céu saberá dar o Espírito Santo aos que lhe pedirem!” (Lc 11, 1-13)

Senhor Deus:
santificado seja para sempre
o Vosso Santo Nome.
E dá-nos,
pela Tua extrema bondade,
o Teu Reino de Paz!

Pedimos a Teu Filho, Jesus,
que tenha paciência connosco
e nos ensine a Oração, que um dia,
chegou até à Tua morada Santa
a pedido de um
dos seus discípulos.

E que o Teu Filho, Jesus,
nos dê o dom de sermos
se necessário - impertinentes -
se é por via desta atitude
que nos colocamos, pelo pão que damos
a um amigo necessitado
na linha da Salvação
que nos prometeste!