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sábado, 22 de novembro de 2014

Que grande espiga!



Gravura publicada pelo Jornal já extinto "O Zé" de 21 de Maio de 1914


Interpretação livre desta gravura


40 dias após a Páscoa ocorre a Festa da Ascensão de Jesus e esse dia é conhecido ancestralmente pelo povo como o "dia de quinta-feira da espiga", que o levava a ir ao campo, de preferência entre o meio-dia e a uma hora colher o ramo composto por cinco espigas de trigo, cinco folhas de oliveira e o maior número de flores silvestres de cores branca e amarela, a que se seguia, conforme mandava o preceito religioso a recitação de três Ave-Marias e três Pai-Nossos.

Num daqueles dias do mês de Maio - onde costuma ocorrer "o dia da espiga" - a Pátria, conforme sugere a gravura, na Senhora de vermelho, cumpriu o preceito, como convinha, sobretudo num tempo em que a religiosidade popular tinha uma predominância - que hoje se perdeu, infelizmente - nas atitudes populares, que a Pátria, com aquele acto religioso incarnava na totalidade do povo que ela tinha o grato dever - e honra - de representar.

O que aconteceu foi um acto inusitado, porque ao colher a primeira das cinco espigas ficou pasmada com aquilo que viu, ou seja, dos grãos de trigo que era suposto haver deu de caras com um punhado de "grãos" esquisitos, bem alinhados na compostura de caras políticas que ela bem conhecia - e mal vistas pelo povo - de que resultou não ter havido, naquele dia a festa da quinta feira da espiga, porque lhe bastou o que viu para não ter sido possível compor o ramalhete.

- Que grande espiga! - Pensou e disse em vos alta, zangada, enquanto virava as costas ao campo, sem saber ao certo como havia de dominar a situação, dada a degradação da classe política que o caricaturista imaginou naqueles grãos de trigo, estando bem longe de dar pão ao povo.



E, agora, com aquilo que está a acontecer em Portugal desde já há muito tempo - tempo demais - se voltar a acontecer o mesmo?

- Que grande espiga... não é?

Valha.nos a Justiça.
Que a sua balança pese todos por igual e que nunca mais aconteça que seja a Pátria - por se sentir impotente a virar as costas ao povo - mas seja este num acto adulto de cidadania a virar as costas aos maus políticos que fingem ser "grãos de trigo", quando são, afinal, "pedras duras" atiradas contra todos os esforços que o bom povo português  tem feito para honrar a Democracia, porque lhe bastaram os anos da Ditadura a que não quer voltar.

Mas de uma coisa temos de ter a certeza:

Grande é a espiga que temos de vencer, para que num próximo "Dia da Espiga" - que não sabemos quando virá - tendo posto de lado os falsos "grãos de trigo", alegres e irmanados nas nossas diferenças politicas ou religiosas, possamos voltar aos campos de Portugal para colhermos o ramalhete que merecemos.

E se, não nos esquecermos, elevemos a Deus uma simples Ave-Maria!
Não fica mal a ninguém!


VII Estação - Jesus cai pela segunda vez




Senhor: 
havias atingido a rua mais baixa da cidade
onde começava a subida a caminho da muralha
que dava para os penedos brancos e lisos,
que assinalavam o local
onde se havia de erguer o Altar do Sacrifício.

Dobrado ao peso da Cruz,
foi assim que deste os primeiros passos
que te haviam de levar à clareira do Gólgota,
acompanhado de apupos e de incitamentos torpes:

Anda... caminha... que se faz tarde!

Na mente dos teus inimigos não havia lugar para Ti no mundo
e, porque àquela hora já haviam começado os preparativos
das festas pascais, do alto do Templo, as trombetas
já haviam dado sinal do começo das festividades.

Percebeste tudo isto e olhaste o caminho...
Como era íngreme a subida que dava para o Calvário!
E sentiste-Te fraquejar...
O peso dos acontecimentos mais recentes
de onde avultava o abandono a que foras votado
pesou demais sobre os Teus ombros; mais que o peso da Cruz!

Dobraste um dos joelhos... e logo de seguida
o Teu Corpo quebrado cedeu e caíu!
Sinistros, os fariseus, os soldados e o povoléu anónimo
que se apinhava em filas ao longo da ladeira
ergueram brados raivosos... gritos estridentes:

Levanta-Te e anda que se faz tarde! 

e empurravam-Te para a frente,
sem que lhes viesse ao pensamento
que naquela Cruz caída por terra,
convergiam naquele princípio da tarde 
                                 todos os pecados dos homens
incluindo os daqueles que Te diziam asperamente:

Levanta-Te e anda que se faz tarde!

E Tu, Senhor, humílimo, levantaste-Te e continuaste o caminho...
fazia-se tarde e não querias estragar a festa dos teus verdugos!




Senhor Jesus:
quando eu cair... uma vez mais, dá-me a tua força.
Que o Teu exemplo me faça sempre subir a ladeira
por onde passa o caminho do Pai.

Senhor Jesus:
que o Teu sacrifício nos sirva de lição...
sabendo,
que é sempre o Pai
que mostra a direcção certa
por onde devem passar os caminhos dos homens!



VI Estação - Verónica enxuga o rosto de Jesus




Ao ver o Teu rosto desfeado do pó amassado
pelo suor e pelo sangue que te escorria pela face,
uma mulher saída de entre o povo
furou sem medo da selva das lanças dos soldados
e num repente
tirou o véu branco que lhe emoldurava a cabeça
e limpou com ele o Teu rosto
escondendo-o de seguida.

E aquele véu passou a ser desde aquele instante
o melhor dos seus tesouros!

Há quem afirme que aquela mulher anónima
era a mesma, que algum tempo atrás havias curado
do fluxo de sangue que a tornava impura
segundo as leis antigas.
No véu de Verónica
ficaram para sempre as marcas do Teu rosto
prefigurando a paga que lhe deste pelo seu gesto de amor.

Naquela hora e naquele tempo de ódios à solta
serenamente, como sempre aconteceu na Tua vida
não deixaste sem recompensa quem se abeirou de Ti
cheia de piedade,
como se nos desses a lição exemplar
que assim deveria sempre acontecer entre nós...
uma coisa que nem sempre cumprimos!

Ao que parece, a cena ter-se-ia passado bem defronte
da casa de Verónica, onde hoje os peregrinos de Jerusalém
detêm os seus passos quando passam pela Via-Dolorosa.
O seu gesto jamais foi esquecido
e jamais o será!

Aquela mulher que certamente acompanhava da sua janela
o desenrolar dos acontecimentos
não hesitou em abrir a porta da sua casa
e sem se importar com respeitos humanos
limpou o Teu rosto sofredor.

E a Imagem do Teu rosto gravado no seu véu
ficou ao mesmo tempo gravada no seu coração...
assim estivesse no nosso!




Perdoa-nos, Senhor, todas as vezes que Te havemos visto
bem gravado nos rostos dos nossos irmãos doentes
e nas suas lágrimas...

sem, contudo, as termos enxugado.
Perdoa-nos, Senhor, se o gesto de Verónica
nem sempre está presente nos nossos gestos
quando Tu passas bem rente da nossa porta...

Perdoa-nos, Senhor, se nos quedamos quietos
bem no conforto das nossas casas
e não enxugamos os rostos dos que passam esmagados
pelo pesos das suas cruzes,
rua acima...
rua abaixo...



V Estação - Jesus é ajudado por Simão de Cirene




Junto do bairro de Acra,
no local onde o terreno se elevava um pouco
caminhavas já com algum custo.

Os sinedritas e os soldados, com o pensamento na ceia pascal
tinham pressa que tudo acabasse.

O centurião ao transpor a porta da cidade
deitou a mão a um judeu, Simão de Cirene
que vinha das tarefas do campo de enxada ao ombro,
ordenando-lhe que Te ajudasse a levar a Cruz.
E assim aconteceu.

Simão não era Teu amigo; era um desconhecido
que ia a passar na estrada quando deu com o povoléu.
Foi no mesmo instante que os olhos do centurião
caíram sobre ele e a sua voz de comando o requisitou.
Não teve um momento sequer de hesitação,
nem perguntou:

-porque tenho de carregar com a Cruz deste Homem?

Há quem afirme que agiu assim com medo dos soldados
mas eu penso, Senhor, que foi também por amor de Ti
ao ver-Te extenuado a vencer a pequena ladeira
que havia naquela parte do caminho.

Tu, Senhor, aceitaste a sua ajuda e até, possivelmente,
no Teu íntimo, pediste ao Pai por aquele homem
que vinha da horta, para que lhe retribuísse em amor
todo o amor que te havia dado.

Talvez, por isso, os filhos de Simão de Cirene,
Alexandre e Rufo (1) gozaram de geral consideração
entre os primeiros cristãos de Jerusalém
ao serem reconhecidos como filhos de alguém
que Te ajudara na caminhada do Sacrifício.




Senhor, para os homens que passam, dobrados
sobre o peso das suas cruzes,
faz que cheguem até eles os cireneus deste tempo.
Faz, Senhor, que à semelhança do homem de Cirene
ninguém pergunte:

-Que tenho a ver com este problema?

É preciso e é urgente, neste mundo acomodado
que as palavras de S. Paulo: Levai os fardos uns dos outros(...) (2)
não sejam mais palavras sem sentido.

Mas, antes, palavras carregadas de um modo de vida,
de uma maneira de estarmos centrados com o gesto
do homem de Cirene.
E ajuda-me, Senhor, a descobrir no meu caminho
todos os cireneus dispostos a ajudar-me
sem que alguém os requisite.




(1) - Mc. 15, 21
(2) - Gál. 6, 2

IV Estação - Jesus encontra sua Mãe




Todos os Teus haviam fugido
menos Tua Santa Mãe, que seguia contricta o Teu martírio.
Ela é a grande Presença – uma vez mais – agora do espectáculo triste
que era a Tua caminhada lenta sobre a Via-Dolorosa!

Julga-se que teria sido avisada da Tua prisão pelo teu amigo João,
quando estava em Betânia, na casa de Lázaro.
Correu logo, pressurosa, num alvoroço incontido,
lembrando-se das palavras antigas que ouvira da boca de Simeão:

Uma espada trespassará a tua alma(...) (1)

Mas o “faça-se” fora dado ao Anjo, há muitos anos em Nazaré
e cumpria-se, dolorosamente, naquela hora de amargura
tudo quanto estava escrito
e Tu, Senhor, vivias em cada passo que davas a caminho do Gólgota.

Não se sabe,
ninguém há-de saber até à consumação dos séculos
as palavras que trocaste com Tua Santa Mãe.

Parece que os olhares de um e de outro, 
                          cúmplices no drama que decorria,
foram mais explícitos que as palavras
porque ambos compreendiam que os passos que Tu davas
eram necessários ao plano de Deus...
e ambos sabiam que assim tinha de acontecer,
para que se cumprisse em pleno o sentido da Cruz
que carregavas sobre os teus ombros nus.

Tua Mãe chorava por dentro.
Sofria por dentro todas as injúrias
e todas as blasfémias de que eras alvo.

Seguia-te atónita, mas lúcida
naquele caminho de raivas à solta e de ódios extravasados.
E só ela é quem sabia, de entre toda aquela multidão que se atropelava
que o plano de Salvação dos homens
precisava do Teu sangue derramado sobre o caminho do ódio.




Senhor o que hoje Te peço
é que neste mundo eu saiba sempre encontrar
aquele que carrega a sua cruz – maior que a minha! –

E por entre aqueles que o desprezam
eu tenha palavras de amor para o ajudar no caminho.

Que o exemplo de Tua Santa Mãe
ao furar o cordão dos Teus verdugos
até ao ponto de se abeirar de Ti para te olhar e falar,
seja o exemplo maior que eu tenha de seguir...
mesmo que para tanto
me sinta olhado com desdém por todos aqueles que insensatamente
fazem carregar aos outros uma cruz mais alta
e mais pesada
que as suas forças podem consentir.





(1) -  Lc. 2, 35


III Estação - Jesus cai pela primeira vez





Mais que o peso da Cruz, começaram a pesar
os insultos da multidão compactada em alas
à beira do caminho para Te ver passar dobrado.

Relinchavam os cavalos e troçavam de ti os cavaleiros...
e Tu seguias, arrastando o madeiro
enquanto o sol da tarde fazia reluzir as lorigas dos soldados
e punha a plebe em delírio contra Ti,
rindo-se de cada passo menos seguro que davas.

O primeiro grito que havia ecoado nas escadas do Pretório,
sob as ameias da Torre Antónia, crescia cada vez mais.
Era um grito de raiva,
um grito furioso contra Ti, contra o Deus que passava
coberto de suor.

Das quelhas surgiam multidões que se atropelavam...
era um mar de gente!
E das janelas e terraços caíam insultos e vaias,
enquanto Tu seguias bem perto do cavalo do centurião
reluzente na sua armadura e Tu, arquejante e insultado!

-Vejam –dizia a turbamulta – o rei que esteve para se sentar
no trono de David! Vejam como ele vai!...

E as mãos sujas e os pescoços da populaça
esticavam-se mais e mais e as risadas era açoites que sofrias,
muito mais que o peso do madeiro.
Num dado momento, cambaleaste.

Caíste a seguir, sobre o pó e pedras da calçada...
Um grito torpe, ébrio e descomunal
encheu o peito de todos os que Te viram cair
e morder o pó do chão.

Num certo dia, entre os teus, havias dito:

Se alguém quiser ser meu discípulo
renuncie a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me.

Naquele momento olhaste em redor e daqueles
que haviam ouvido estas palavras
nem um sequer, viste perto de Ti, para Te ajudar
a erguer do chão.














Olha, Senhor:
na minha próxima queda, faz que eu tenha a Tua força
e me volte a erguer
sem dar ouvidos a quem se possa rir de mim.

Faz, Senhor, que eu me levante sempre
e, sobretudo, faz que nunca aconteça,
que por minha culpa
haja alguém que possa cair sob o peso dos seus problemas.

E faz, Senhor,
que eu nunca me ria das quedas dos outros
para que no meu rosto não haja nunca
traços daqueles que se riram de Ti.



sexta-feira, 21 de novembro de 2014

Miradouro de Santa Luzia



in, "Revista Municipal" nº 32 - 1º trimestre de 1947


Muitas vezes, na minha juventude, no decorrer dos meus passeios àlacres que me levavam ao conhecimento a que me sentia obrigado sobre a Cidade de Lisboa, parei embevecido no Miradouro de Santa Luzia que o feliz artista desenhou e acima com a devida vénia se reproduz, para olhar demoradamente os telhados de Alfama, onde avultava a Igreja de Santo Estêvão e em fundo, as águas do Tejo e as velhas fragatas que ainda haviam, deslizando mansas ao sopro da brisa a caminho de um qualquer dos cais que as esperavam para a carga ou para o transbordo.

Recordo, um dia - que foi dos tais que só se vive uma vez, porque nunca mais tive o prazer de viver e já o não viverei, nunca mais - ter encontrado ali, sentado num dos bancos então, como hoje, implantados bem juntos da amurada daquele navio parado, uma personagem singular que recitava, com os olhos fixos na Igreja de Santo Estêvão, a letra lindíssima de um fado que lhe foi dedicado e estava em voga, naquele recuado tempo.

A letra como uma recordação daquele momento, fica aqui e, por certo, vai fazer recordar algumas memórias adormecidas.


Igreja de Santo Estêvão


Na igreja de Santo Estêvão
Junto ao cruzeiro do adro
Houve em tempos guitarradas.
Não há pincéis que descrevam
Aquele soberbo quadro
Dessas noites bem passadas.

Mal que batiam trindades
Reunia a fadistagem
No adro da santa igreja.
Fadistas, quantas saudades
Da velha camaradagem
Que já não há quem a veja.

Santo Estêvão, padroeiro
Desse recanto de Alfama
Faz um milagre sagrado.
Que voltem ao teu cruzeiro
Esses fadistas de fama
Que sabem cantar o fado.


É de toda a justiça que se diga que é autor da letra o poeta Gabriel de Oliveira, da música, Joaquim Campos, sendo o fado dedilhado com os acordes da "fado Vitória", pertencendo aquele laudatório trecho musical ao repertório de Fernando Maurício, que o celebrizou.

Hoje, que graças às novas tecnologias mantenho com prazer espiritual o meu "blog" a que chamei "MIRADOURO" declaro que o seu nome foi beber por inteiro àquele local de Lisboa e, que, o pequeno texto que lhe vai em rodapé, escrito na data da sua publicação e que, textualmente se exprime deste modo, reflecte, com verdade um sentimento que sinto de alguma desilusão de um mundo que se virou contra algo que perante o meu pensar de jovem é um sonho desfeito e no de adulto, é uma realidade imposta e contra a qual com as fracas armas que tenho jamais deixarei de lutar com a lealdade de normas e princípios morais que trago intactos desde os tempos em que, olhava o casario de Alfama, a partir daquele lugar privilegiado da Cidade de Lisboa.

Eis o texto:

Daqui - do Miradouro de Santa Luzia - vejo um pedaço do mundo e se o vejo desajeitado, sofrendo a mágoa duma realidade melhor que desejei, estou   consciente de não ter sido um destruidor assumido, embora admita a omissão de o não ter ajudado a erguer como devia, sugerindo estas afirmações que os dois modos contrários do meu agir reflectem a minha desatenção humana, dando-me a certeza que a ela só escapam os homens fadados para destinos superiores.

Foi, ainda, pensado e escrito, com o meu olhar e  sentimento já não de jovem, mas de um homem a descer a curva da vida, com o pensamento no Miradouro de Santa Luzia, donde, efectivamente, se vê um "pedaço do mundo", tendo alguma amargura de o ver "desajeitado", possivelmente, sendo meu o defeito de o ver assim, mas tendo consciência das minhas omissões no que concerne ao dever ter feito mais e melhor, mas deixando de pé a única certeza que tenho, como como sequência natural dos meus efeitos humanos, ao declarar que a esses defeitos "só escapam os homens fadados para destinos superiores".

Declaro, que a virtude de ter sido mais perfeito escapou-me sempre ao longo da vida que já vai longa, sem contudo, me tirar o prazer de voltar, ainda hoje, de vez em quando ao Miradouro de Santa Luzia, onde ecoa, ainda, nos meus sentidos a  voz do antigo declamador do célebre fado: Igreja de Santo Estêvão.

Olho o banco onde o encontrei e, mentalmente, refaço a cena e iludo os meus sentidos!