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segunda-feira, 5 de janeiro de 2015

"Trabalhadores do Mar"



Foto da Revista "Mundo Gráfico" 
Ano II nº 24 - 30 de Setembro de 1941


Na Literatura portuguesa dedicada ao mar, mas sobretudo, dedicada aos homens que o enfrentam nas artes da pesca para seu sustento e para o público em geral, existem dois vultos que merecem ser lembrados.

 Raul Brandão - cujo avô morreu no mar - e ao qual dedicou o seu livro: "Os Pescadores" e António Nobre, em cuja poesia o mar e os pescadores mereceram a honra - no "Só" - de lhe terem merecido a menção que bem mereceram a estes dois insignes literatos, algo que tem andado esquecido nos homens de Estado que temos tido por não terem dado aos esforçados "trabalhadores do mar" o estatuto que era merecido pelo seu labor e audácia.

Leiamos o que nos diz Raul Brandão num dos capítulos de "Os Pescadores" quando apresenta aos seus leitores a preparação de uma campanha, a que ele chama, simplesmente: 


IDA AO MAR
5 de Setembro

Se fecho os olhos sinto logo esta mão áspera e enorme que me leva na noite húmida e cerrada. Não vejo o mar, mas envolve-me e penetra-me o hálito salgado e ouço-lhe ao longe o clamor. No primeiro plano ecoa o desabar ininterrupto, depois, lá ao fundo distingo outra voz mais rouca e para além um lamento que não cessa, donde irrompe de quando em quando um grito. De noite apaga-se o mundo e só esta voz enche o mundo... São três horas. O moço anda de porta em porta batendo com um seixo. E vai chamando na cerração: – Ó sê Manuel, cá pra baixo pró mar! – E mais afastado torna outra vez a sair do escuro o apelo prolongado, como se fosse o mar que os chamasse uma um: – Ó sê José... cá pra baixo pró mar! – O arrais leva-me pela mão até à lingueta viscosa, e salto dentro da catraia. Rumor. Vultos. Alguns homens ajeitam-se nos bancos, outros fincam os remos nas pedras para afastarem o barco.
Mais perto, sempre mais perto, o bafo salgado... Uma lufada, uma onda, – um ah monstruoso – o clamor negro e espesso – e saímos a barra. Chego-me para o arrais, que não larga da mão a cana do leme, imóvel e atento. Mete-me medo o negrume que não tem limites de escuridão e de vida e de que me separa a espessura de uma tábua. A maré vaza. O arrais manda:

– Iça a vela! Os homens saltam nos bancos e o pano bate no escuro.
– Ó iça! ó iça!...


A escota range no moitão e a grande vela triangular sobe, debate-se, enche-se de vento. A catraia mete a borda. Uma hesitação na marcha e logo nos entranhamos na agitação infinita, na noite infinita. A luz da lanterna remexem sombras indecisas. São os homens que se deitam nos bancos ou no fundo do cavername entre os baldes, os batedores, e o grande cabo do mar de oitenta braças, que serve para largar o ancorote quando a barra se fecha à entrada. Só o arrais continua agarrado ao leme, de olhos fixos na agulha de marear. Chego-me mais para ele... Água negra, respiração negra. Um frémito de vida, uma humidade que se cola à boca e às mãos, e a escuridão, mas a escuridão como um ser imenso que não distingo e de que sinto o contacto – um fôlego cego e vivo que remexe lá ao longe, cheio de mistério, de u – u – u desordenado e que desaba em montanhas e salpicos amargos. Vem até mim. Rodeia-me. Quase lhe vejo as mãos enormes. Escuto o negrume cheio de rumores, de vozes, de sombras movediças, que se debruçam para nós como um che... che... mais alto, mais baixo, que não cessa. Um grito parece vir de muito longe, da vida monstruosa e profunda em que me entranho. Mas já me não mete medo o mar. O lampião ilumina a cara do arrais, rude e grave, serena. E a meu lado a água escorrega no costado, chape-que-chape, sempre como mesmo ruído monótono que adormece e embala.


António Nobre por outras palavras de que fez poesia, relata o mesmo sentimento e não deixa de ser enternecedor o epíteto que ele dá aos pescadores da Póvoa - Poveirinhos - aos quais dedica este soneto que mantemos com a grafia do tempo. seguindo-se-lhe o convite que ele faz a - Georges - que não é, naturalmente, alguém inventado, mas alguém que o poeta conheceu e ao qual queria mostrar e engrandecer a sua Pátria de marinheiros e pescadores.


Poveiro

Poveirinhos! meus velhos pescadores!
Na Agoa quizera com vocês morar:
Trazer o lindo gorro de trez cores,
Mestre da lancha Deixem-nos passar!

Far-me-ia outro, que os vossos interiores
De ha tantos tempos, devem já estar
Calafetados pelo breu das dores,
Como esses pongos em que andaes no mar!

Ó meu Pae, não ser eu dos poveirinhos!
Não seres tu, para eu o ser, poveiro,
Mail-Irmão do «Senhor de Mattozinhos»!

No alto mar, ás trovoadas, entre gritos,
Promettermos, si o barco fôri intieiro,
Nossa bela á Sinhora dos Afflictos!

..................................................................


Georges! 
anda ver meu país de Marinheiros

Georges! anda ver meu país de Marinheiros,
O meu país das Naus, de esquadras e de frotas!

Oh as lanchas dos poveiros
A saírem a barra, entre ondas e gaivotas!
Que estranho é!
Fincam o remo na água, até que o remo torça,
A espera da maré,
Que não tarda hí, avista-se lá fora!
E quando a onda vem, fincando-o a toda a força,
Clamam todos à uma: "Agôra! agôra! agôra!"
E, a pouco e pouco, as lanchas vão saindo
(As vezes, sabe Deus, para não mais entrar...)
Que vista admirável! Que lindo! que lindo!
Içam a vela, quando já têm mar:
Dá-lhes o Vento, e todas à porfia,
Lá vão soberbas, sob um céu sem manchas,
Rosário de velas, que o vento desfia,
A rezar, a rezar a Ladainha das Lanchas:

Snra. Nagonia!

Olha, acolá!
Que linda vai com seu erro de ortografia...
Quem me dera ir lá!

Senhora Da guarda!

(Ao leme vai o Mestre Zé da Loenor)
Parece uma gaivota: aponta-lhe a espingarda
O caçador!
Senhora d'ajuda!
Ora'pro nobis!
Caluda!
Sêmos probes!
S.hr dos ramos!
Istrella do mar!
Cá bamos!

Parecem Nossa Senhora, a andar.

Snra. da Luz!
Parece o Farol...
Maim de Jesus!
E tal qual ela, se lhe dá o Sol!
S.hr dos Passos!
Sinhora da Ora!

Aguias a voar, pelo mar dentro dos espaços
Parecem ermidas caiadas por fóra...

S.hr dos Navegantes!
Senhor de Matozinhos!

Os mestres ainda são os mesmos d'antes:
Lá vai o Bernardo da Silva do Mar,
A mail-os quatro filhinhos,
Vascos da Gama, que andam a ensaiar...

Senhora dos aflitos!
Martir São Sebastião!
Ouvi os nossos gritos!
Deus nos leve pela mão!
Bamos em paz!

Ó lanchas, Deus vos leve pela mão!
Ide em paz!

Ainda lá vejo o Zé da Clara, os Remelgados,
O Jéques, o Pardal, na Nam te perdes.
E das vagas, aos ritmos cadenciados,
As lanchas vão traçando, à flor das águas verdes
"As armas e os barões assinalados..."

Lá sai a derradeira!
Ainda agarra as que vão na dianteira...
Como ela corre! com que força o Vento a impele:

Bamos com Deus!

Lanchas, ide com Deus! ide e voltai com ele
Por esse mar de Cristo...

Adeus! adeus! adeus!

in, Só


O "flop" do TGV... e não há culpados?



 in, "Sapo" - 5 de Janeiro de 2015


O comboio de rede de alta velocidade (TGV) custou 152,9 milhões de euros aos cofres públicos apesar de não ter avançado, segundo uma auditoria do Tribunal de Contas.
O Tribunal alerta para os erros na elaboração do projecto, entre eles a falta de "viabilidade financeira" demonstrada nos estudos preliminares. O custo final pode ainda vir a ser superior. É que existem pedidos de indemnização ao Estado que podem elevar a factura para 182,3 milhões de euros.
Em causa estão 120 milhões de euros despendidos com a contratação externa, entre 2011 e 2013, e 32,9 milhões de euros gastos com custos de estrutura da RAVE, a empresa pública criada para implementar o TGV. Além disso, existe um custo potencial resultante de três pedidos de indemnização ao Estado (que ascendem a 29,4 milhões de euros).

in, "Económico" de 5 de Janeiro de 2015


O malfadado projecto iniciou-se em 1988 e acabou por ser cancelado em 2012 pelo actual Governo liderado por Passos Coelho.

Foi um longo tempo de desnorte financeiro a coberto de políticos que deviam ser chamados a prestar as más contas que fizeram delapidando o erário público e, por isso, devidamente responsabilizados perante a Justiça pelo desmando endividador causado a um País sem meios para ter luxos destes -  tendo a Refer como empresa pública e já deficitária - pelo que foi de todo incompreensível a assunção de um projecto megalómano como este.

Ao que consta está assinado o contrato de concessão do troço Poceirão-Caia, apesar de ter visto recusado o visto prévio do Tribunal de Contas, o que não deixa de constituir um crime contra os interesses do Estado que, como é referido no relatório do TC sob a assinatura do seu Presidente, Guilherme d'Oliveira Martins  "O projecto foi iniciado sem ser possível aferir o custo-benefício para Portugal".

É um espanto...
E não há culpados?

Se não houver a possibilidade de chamar à barra dos Tribunais competentes os responsáveis, Portugal corre o sério risco de não ser respeitado, porque uma território sem justiça eficiente, não é uma território livre e, logo, não é apetecivel, quer para os naturais, quer para os estrangeros que vêem nele, apenas, um espaço para gozar férias, mas nunca para investir no desenvolvimento da sua economia.

No noticiário da noite a TV deu a notícia, valha-nos isso.
Mas não chega. A despesa feita de tantos milhões de euros cumpriu apenas, o pagamento de despesas em estudos, o que parece um exagero e uma malfeitoria quando se mandam fazer estudos sem ter uma base científica que os justifique, pelo que, os responsáveis não deviam ficar impunes, quando o projecto do TGV levado à prática em cima dos carris iria custar cerca de onze mil milhões de euros!

Só por isso o País devia estar agradecido a quem suspendeu tamanha loucura!

domingo, 4 de janeiro de 2015

O futuro Cardeal-Patriarca de Lisboa




O actual Patriarca de Lisboa é uma eminente figura da Cultura Portuguesa.


Licenciado em História em 1974 na Faculdade de Letras de Lisboa, em 1979 concluiu o curso de Teologia na Universidade Católica Portuguesa - no ano em que foi ordenado presbítero - contando 31 anos de idade. Concluiu o doutoramento em Teologia Histórica em 1992 defendendo a tese: Nas origens do apostolado contemporâneo em Portugal. Desde 1993 é membro da Sociedade Científica da Universidade Católica e desde 1996 é Sócio Académico Correspondente da Academia Portuguesa de História.

Em 2009, ano em que exercia o cargo de Bispo do Porto foi agraciado com o Prémio Pessoa, tendo o júri na justificação do prémio exarado entre outros encómios, os seguintes: Em tempos difíceis como os que vivemos actualmemte, D. Manuel Clemente é uma referência ética para a sociedade portuguesa no seu todo (...) A sua intervenção cívica tem-se destacado por uma postura humanística de defesa do diálogo e da tolerância, do combate à exclusão e da intervenção social da Igreja.

Actualmente, Patriarca de Lisboa, tonou posse canónica em 6 de Julho de 2013, tendo entrado solenemente no Patriarcado no dia imediato com o título de D. Manuel III, 17º Patriarca de Lisboa.

Neste Domingo foi nomeado pelo Papa Francisco como Cardeal, título que lhe será concedido no próximo Consistório a realizar em 14 de Fevereiro de 2015, passando a ser por direito adquirido um conselheiro específico que pode ser consultado em determinados assuntos quando o Papa o desejar, pessoal ou colegialmente.

A nomeação de D. Manuel Clemente para tão alto cargo eclesiástico não pode deixar de ser assinalada pelos católicos portugueses, ou por aqueles que o não sendo, devem sentir que pela figura da Cultura que ele é, e pela simpatia natural que dele irradia, este homem grado bem merece que todos os portugueses se sintam honrados pela escolha do Papa.

D. Manuel Clemente vai ser o futuro Cardeal-Patriarca de Lisboa, o que constitui um dos raros Patriarcados da Igreja Católica de rito latino, conjuntamente com o de Veneza e o de Jerusalém.

sábado, 3 de janeiro de 2015

"Eis o Homem!"

O filósofo Diógenes
Quadro de John William Waterhouse


Na antiguidade (413-323) a. C., o filósofo Diógenes de Sinope baseava o seu pensamento através de uma simples frase - "procuro um homem" - andando durante o dia pelas ruas de Atenas, no meio das pessoas de lanterna acesa à procura do homem que vivesse a vida superando as exterioridades convencionais da sociedade, como: comportamento, dinheiro, luxo ou conforto, ou seja, buscava aquele que tivesse encontrado a sua verdadeira natureza, que vivesse em conformidade com ela e fosse feliz

Para ele, os deuses da sua Grécia haviam dado ao homem todas as formas para viverem felizes e que, para além dos conceitos sociais que deviam ser satisfeitos era importante a acção, o comportamento e o exemplo.

Só que isto aconteceu num tempo em que os homens aviltados pela dissolução dos costumes não souberam responder às interrogações de Diógenes, representando ele com a sua atitude a honra ultrajada e a consciência ferida da civilização do seu povo - que de pouco lhe serviu - porque o homem procurado não o encontrou nas ruas de Atenas que embora exibindo as roupagens da civilização helénica não foi capaz de lhe mostrar um só exemplar da dignidade humana.



Cinco séculos mais tarde, porém, entre os rugidos de uma multidão ébria de furor e enlouquecida pelo ódio, deixou-se ver no balcão do Pretório, numa das praças públicas de Jerusalém, a imagem de um réu, e ao seu lado a figura austera de um gentio - Pôncio PIlatos - que, depois de declarar a sua inocência o mostrava solenemente a todos, proferindo estas proféticas e memoráveis palavras: 

«Eis o Homem!"




Jesus, com efeito, sem ser de modo algum a personagem que Diógenes procurou pelas ruas de Atenas, nem isso fazia parte da sua filosofia é, Aquele que estava nos desígnios de Deus, o Homem puro que estava ainda para vir no tempo exacto em que a Roda do Tempo o havia de mostrar a uma civilização - que como a de Atenas exibia as falsas roupagens que "vestiam" os doutores da lei no seu farisaísmo encapotado - mas que, mesmo no momento em que o pretor romano o apresentou à multidão, certo de não lhe achar culpa alguma, preferiu soltar um ladrão dos caminhos e em seu lugar prender e crucificar Jesus.

Na sua procura, o velho filósofo tinha em mente achar alguém superior ao comum dos mortais, mas esse Alguém que veio depois, correspondendo em tudo o que é humano às prerrogativas imanentes da sua filosofia, trazia algo mais da parte de Deus:

O humano e o divino fundidos numa só Pessoa, atributos que de nada serviram porque as gentes cultas de Jerusalém - embora, tendo-O à mão para exemplo - não O quiseram ouvir, sem cuidarem que o Homem que a populaça enfurecida crucificou, está vivo e no meio de todos nós e, de certo modo, com a sua atitude - anda como Diógenes  por todas as cidades de candeia acesa - em busca de homens iguais aos que o velho filósofo procurou pelas ruas de Atenas, com uma diferença: é que, ao contrário do que sucedeu na velha e ilustre cidade da Grécia,  Jesus - que é Universal - continua a encontrar homens exemplares por toda a parte do Mundo!


Acabou a "Magnificat"



Última capa - Dezembro de 2014


Acabou esta a Revista mensal  "Magnificat" cujo primeiro número apareceu em Janeiro de 1951 e o seu último em Dezembro de 2014.
Foi uma longa vida em que este órgão da imprensa católica espalhou cultura religiosa sem molestar ninguém, pelo que lhe é devido um aceno de "adeus" com aquela certeza que  temos que todos os projectos dos homens são finitos.

Infinitos, são apenas, os outros caminhos para onde apontou a "Magnificat" ao longo das suas seis décadas de vida!

Deixou de se publicar com esta quadra inspirada no Presépio da capa de despedida, onde nos deixa uma pergunta a pedir uma resposta que não sabemos dar, racionalmente, senão pelo dom da Fé e do Mistério que desde a primeira aurora dos Tempos existia na infinitude de Deus.

Migalha de gente,
Jesus pequenito,
Como é que em Ti cabe
O Deus infinito?

sexta-feira, 2 de janeiro de 2015

Um Salmo e a sua reflexão!



O rei David tocando harpa e cantando um Salmo
(Quadro de Guerrit van Honthorst)

Salmo 127


1 - "Cântico de peregrinação".

Felizes aqueles que honram o Senhor
e obedecem às suas ordens.
2 - Comerás do fruto do teu trabalho,
mas serás feliz e terás prosperidade.
3 - Na intimidade do teu lar,
a tua mulher será como uma videira carregada de uvas
e os teus filhos, em volta da tua mesa,
serão como rebentos de oliveira.
4 - Desta maneira será abençoado
o homem que honra o Senhor.
5 - O senhor te abençõe do monte Sião!
Que contemples o bem-estar em Jerusalém,
e todos os dias da tua vida.
6 - E tenhas a alegria de ver os teus netos!
Que haja paz em Israel!



O Salmo 127 é considerado dos que, ao inserir-se nas bênçãos familiares melhor retratam o homem junto de sua mulher e filhos. Retrata o lar ideal e, em consequência, a sociedade, ao constituir normas que devem ser respeitadas em relação a Deus a partir das quais a construção da vida familiar é mais propícia.

Com efeito, o homem e a mulher não são felizes sozinhos.

A felicidade humana é um processo que para ser harmonioso necessita de relacionamentos, a começar com Deus, depois em casal, destes com os filhos e com reflexo na sociedade, onde o trabalho ganha a dimensão que lhe compete, vivendo cada um do seu fruto próprio, na certeza que ninguém pode sentir-se realizado - ou feliz - se vive à custa do trabalho alheio, pelo que, o Salmo demonstra à evidência o profícuo esforço que o homem deve despender a favor dos que dele dependem.

O salmista, efectivamente, dá um ênfase especial ao sustento, não no sentido de adquirir bens de fortuna, mas na ocupação profissional capaz de sustentar a saúde, o bem-estar social e familiar e, de uma forma conspícua diz-nos que não há verdadeira felicidade fora do contexto de uma família organizada, porquanto a base da felicidade do salmista encontra-se no próximo relacionamento com os seus, um ponto essencial da felicidade.

Somos felizes por aquilo que somos quando existimos centrados com Deus.

Como tal vamos adquirindo a proximidade com os outros a partir da proximidade com os nossos, pois é a partir daí que o homem pode e deve ser desejado, por Aquele em quem acredita e pelos seus familiares e amigos que vêem nele um exemplo a seguir, demonstrando que a sua atitude é assim, porque ela assente na base da bênção recebida pela sua postura de pessoa criada para ser feliz, sentindo que a sua felicidade deve extravazar para o seu semelhante.

Essa é a razão que leva Deus, inspirador do Salmo, a desejar que o homem contemple o bem-estar em Jerusalém, ou seja, na cidade onde o salmista pertencia, mas donde devemos partir para que esse desejo atinja todas as cidades do Mundo que são pertença nacional de todos os homens.


Os mares por onde andamos!



in, Revista "Portugal Colonial" nºs 7 e 8 - Ano I - Setembro e Outubro de 1931
(Revista Mensal de Propaganda e Expansão do Império Português)


As voltas que o Mundo dá.
Era Director desta Revista o Comandante Henrique Galvão que, como sabemos, se viria a indispor com o Estado Novo com as razões que se conhecem, as quais não importa aqui referir, mas tão só, assinalar como o tempo e o homem podem ser realidades volúveis quando este se dispõe a desafiar a hora que passa.
Foi o que aconteceu!

A velha gravura fica aqui, apenas para ilustrar os mares por onde andamos e, se, como Fernando Pessoa, pergunta na "MENSAGEM" quando invoca o "Mar Português" se todo este mar por onde andamos tem como ele diz "lágrimas de Portugal" -  para as ter - se valeu a pena termos andado por tão longe paragens, para hoje, termos ficado tão perto uns dos outros que nos conhecemos todos?

Mas, porque tudo isto foi verdade e Portugal escreveu uma página da História Universal de que se deve honrar, aqui fica (sic) a extraordinária composição poética desse génio que foi Fernando Pessoa, para que as gerações mais novas olhando a velha gravura que se reproduz possam entender melhor o que diz o Poeta.


Mensagem - Mar Português
MAR PORTUGUÊS

Possessio Maris

I. O Infante

Deus quer, o homem sonha, a obra nasce.
Deus quis que a terra fosse toda uma,
Que o mar unisse, já não separasse.
Sagrou-te, e foste desvendando a espuma,

E a orla branca foi de ilha em continente,
Clareou, correndo, até ao fim do mundo,
E viu-se a terra inteira, de repente,
Surgir, redonda, do azul profundo.

Quem te sagrou criou-te português.
Do mar e nós em ti nos deu sinal.
Cumpriu-se o Mar, e o Império se desfez.
Senhor, falta cumprir-se Portugal!

II. Horizonte

Ó mar anterior a nós, teus medos
Tinham coral e praias e arvoredos.
Desvendadas a noite e a cerração,
As tormentas passadas e o mistério,
Abria em flor o Longe, e o Sul sidério
’Splendia sobre as naus da iniciação.

Linha severa da longínqua costa —
Quando a nau se aproxima ergue-se a encosta
Em árvores onde o Longe nada tinha;
Mais perto, abre-se a terra em sons e cores:
E, no desembarcar, há aves, flores,
Onde era só, de longe a abstracta linha.

O sonho é ver as formas invisíveis
Da distância imprecisa, e, com sensíveis
Movimentos da esp’rança e da vontade,
Buscar na linha fria do horizonte
A árvore, a praia, a flor, a ave, a fonte —
Os beijos merecidos da Verdade.

III. Padrão

O esforço é grande e o homem é pequeno
Eu, Diogo Cão, navegador, deixei
Este padrão ao pé do areal moreno
E para diante naveguei.

A alma é divina e a obra é imperfeita.
Este padrão sinala ao vento e aos céus
Que, da obra ousada, é minha a parte feita:
O por-fazer é só com Deus.

E ao imenso e possível oceano
Ensinam estas Quinas, que aqui vês,
Que o mar com fim será grego ou romano:
O mar sem fim é português.

E a Cruz ao alto diz que o que me há na alma
E faz a febre em mim de navegar
Só encontrará de Deus na eterna calma
O porto sempre por achar.

IV. O mostrengo

O mostrengo que está no fim do mar
Na noite de breu ergueu-se a voar;
À roda da nau voou três vezes,
Voou três vezes a chiar,
E disse, “Quem é que ousou entrar
Nas minhas cavernas que não desvendo,
Meus tectos negros do fim do mundo?”
E o homem do leme disse, tremendo:
«El-Rei D. João Segundo!»

“De quem são as velas onde me roço?
De quem as quilhas que vejo e ouço?”
Disse o mostrengo, e rodou três vezes,
Três vezes rodou imundo e grosso.
«Quem vem poder o que só eu posso,
Que moro onde nunca ninguém me visse
E escorro os medos do mar sem fundo?»
E o homem do leme tremeu, e disse:
«El-Rei D. João Segundo!»

Três vezes do leme as mãos ergueu,
Três vezes ao leme as reprendeu,
E disse no fim de tremer três vezes:
«Aqui ao leme sou mais do que eu:
Sou um povo que quer o mar que é teu;
E mais que o mostrengo, que me a alma teme
E roda nas trevas do fim do mundo,
Manda a vontade, que me ata ao leme,
De El-Rei D. João Segundo!»

V. Epitáfio de Bartolomeu Dias

Jaz aqui, na pequena praia extrema,
O Capitão do Fim. Dobrado o Assombro,
O mar é o mesmo: já ninguém o tema!
Atlas, mostra alto o mundo no seu ombro.

VI. Os Colombos

Outros haverão de ter
O que houvermos de perder.
Outros poderão achar
O que, no nosso encontrar,
Foi achado, ou não achado,
Segundo o destino dado.

Mas o que a eles não toca
É a Magia que evoca
O Longe e faz dele história.
E por isso a sua glória
É justa auréola dada
Por uma luz emprestada.

VII. Ocidente

Com duas mãos — o Acto e o Destino —
Desvendámos. No mesmo gesto, ao céu
Uma ergue o fecho trémulo e divino
E a outra afasta o véu.

Fosse a hora que haver ou a que havia
A mão que ao Ocidente o véu rasgou,
Foi a alma a Ciência e corpo a Ousadia
Da mão que desvendou.

Fosse Acaso, ou Vontade, ou Temporal
A mão que ergueu o facho que luziu,
Foi Deus a alma e o corpo Portugal
Da mão que o conduziu.

VIII. Fernão de Magalhães

No vale clareia uma fogueira.
Uma dança sacode a terra inteira.
E sombras disformes e descompostas
Em clarões negros do vale vão
Subitamente pelas encostas,
Indo perder-se na escuridão.

De quem é a dança que a noite aterra?
São os Titãs, os filhos da Terra,
Que dançam da morte do marinheiro
Que quis cingir o materno vulto —
Cingi-lo, dos homens, o primeiro —,
Na praia ao longe por fim sepulto.

Dançam, nem sabem que a alma ousada
Do morto ainda comanda a armada,
Pulso sem corpo ao leme a guiar
As naus no resto do fim do espaço:
Que até ausente soube cercar
A terra inteira com seu abraço.

Violou a Terra. Mas eles não
O sabem, e dançam na solidão;
E sombras disformes e descompostas,
Indo perder-se nos horizontes,
Galgam do vale pelas encostas
Dos mudos montes.

IX. Ascensão de Vasco da Gama

Os Deuses da tormenta e os gigantes da terra
Suspendem de repente o ódio da sua guerra
E pasmam. Pelo vale onde se ascende aos céus
Surge um silêncio, e vai, da névoa ondeando os véus,
Primeiro um movimento e depois um assombro.
Ladeiam-no, ao durar, os medos, ombro a ombro,
E ao longe o rastro ruge em nuvens e clarões.

Em baixo, onde a terra é, o pastor gela, e a flauta
Cai-lhe, e em êxtase vê, à luz de mil trovões,
O céu abrir o abismo à alma do Argonauta.

X. Mar Português

Ó mar salgado, quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão rezaram!
Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nosso, ó mar!

Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.
Quem quer passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu.

XI. A Última Nau

Levando a bordo El-Rei D. Sebastião,
E erguendo, como um nome, alto o pendão
Do Império,
Foi-se a última nau, ao sol aziago
Erma, e entre choros de ânsia e de pressago
Mistério.

Não voltou mais. A que ilha indescoberta
Aportou? Voltará da sorte incerta
Que teve?
Deus guarda o corpo e a forma do futuro,
Mas Sua luz projecta-o, sonho escuro
E breve.

Ah, quanto mais ao povo a alma falta,
Mais a minha alma atlântica se exalta
E entorna,
E em mim, num mar que não tem tempo ou ’spaço,
Vejo entre a cerração teu vulto baço
Que torna.

Não sei a hora, mas sei que há a hora,
Demore-a Deus, chame-lhe a alma embora
Mistério.
Surges ao sol em mim, e a névoa finda:
A mesma, e trazes o pendão ainda
Do Império.

XII. Prece

Senhor, a noite veio e a alma é vil.
Tanta foi a tormenta e a vontade!
Restam-nos hoje, no silêncio hostil,
O mar universal e a saudade.

Mas a chama, que a vida em nós criou,
Se ainda há vida ainda não é finda.
O frio morto em cinzas a ocultou:
A mão do vento pode erguê-la ainda.

Dá o sopro, a aragem — ou desgraça ou ânsia —
Com que a chama do esforço se remoça,
E outra vez conquistaremos a Distância —
Do mar ou outra, mas que seja nossa!


Texto Integral da obra «Mensagem» de Fernando Pessoa - Mar Português - Segunda de Três Partes da obra


Uma "farpa" com 144 anos da dupla Eça de Queirós-Ramalho Ortigão com similitude actual



Capa do Livro 
Coordenação de Maria Filomena Mónica


"As Farpas" o célebre feixe de cadernos de critica política e social do século XIX, segundo é crivel foram despoletadas em Março de 1871, ao tempo em que o jornal "A Revolução de Setembro" anunciou o "Programa do Cenáculo" que deu origem às celebradas "Conferências do Casino" de periodicidade semanal, iniciadas com um discurso de Antero de Quental e que o regime viria a fechar em Junho do mesmo ano e, onde, entre outras gradas personalidades da cultura portuguesa, avultava a figura de Eça de Queirós

Estávamos, então, em Maio de 1871.
É a data que assinala o começo da publicação de "As Farpas" escritas pela dupla famosa de Eça de Queirós e Ramalho Ortigão Nesse mesmo mês, num dado passo os autores, causticamente, falam do seguinte modo do universo político:


Há em Portugal quatro partidos: o partido histórico, o regenerador, o reformista e o constituinte, Há ainda outros, mas anónimos, e conhecidos apenas de algumas famílias. Os quatro partidos oficiais, com jornal e porta para a rua, vivem num perpétuo antagonismo: são irreconciliáveis, do fundo dos seus artigos de jornal, latem perpetuamente uns contra os outros. Tem-se tentando uma pacificação, uma união impossível! Eles só têm de comum a lama do Chiado que todos pisam e a Arcada que a todos cobre.
Quais são as irritadas divergências de princípios, que separam estas opiniões? - Vejamos:
  • O partido regenerador é constitucional, monárquico, intimamente monárquico, e lembra nos seus jornais que é necessário a economia.
  • O partido histórico é constitucional, bastante monárquico e prova irrefutavelmente que é assaz aproveitável a ideia da economia.
  • O partido constituinte é constitucional e monárquico e dá subida atenção à economia.
  • O partido reformista é monárquico, constitucional e é doidinho pela economia
  • Todos quatro são católicos.
  • Todos quatro são centralizadores.
  • Todos quatro têm o mesmo afecto à ordem.
  • Todos quatro querem o progresso, e citam a Bélgica.
  • Todos quatro estima a liberdade.
Quais são então as desinteligências? (...)


Neste tempo, sem desvalorizar - por qualquer modo - as políticas de esquerda e direita, ambas necessárias ao regime democrático que em boa hora foi implantado em Portugal, penso, que esses dois campos políticos deviam estar perfeitamente definidos, pelo que o conjunto do tripé PS - PSD- CDS, cujas desinteligências estão esbatidas, porquanto, sobretudo, os dois primeiros partidos - tal como os quatro partidos que foram causa da velha "farpa" com a idade de 144 anos - advogam, salvo o catolicismo oficialmente separado da causa pública, os seguintes princípios:
  • Os dois - senão os três, neste momento, atendendo a que o CDS não aprovou o texto inicial de Constituição - são consstitucionais e defendem a República.
  • Os três - defendem a economia, até por imposição externa do recente Pacto Orçamental Europeu 
  • Os três são centralizadores. (Não esquecer que as distritais dos partidos são a mão que chega longe a partir das diferentes sedes nacionais.)
  • Os três defendem a ordem social.
  • Os três querem o progresso e, todos - com as diferenças conhecidas, mas aplanáveis - defendem o facto de Portugal continuar a pertencer à União Europeia.
  • Os três estimam a liberdade.
Quais são então as desinteligências? - e tomo como minha a velha pergunta de Eça e de Ramalho - porque, tal como eles as não viram, insanáveis nos quatro partidos da Monarquia Constitucional - eu não as vejo nos três partidos da III República, salvo se, me ponho a pensar malevolamente - porque me falta a santidade dos homens puros - que os três partidos são movidos pela influência das clientelas partidárias.

Mas. haja atenção: embora o tempo e as circunstâncias sejam outras, não esqueçamos que a Revolução de 28 de Maio de 1926, por motivos imperiosos pôs termo à ! República pela falta de qualidade política dos seus herdeiros, impondo uma Ditadura Militar que deu aso em 1933 ao Estado Novo,

  • Por culpa de quem?

Precisamente, por culpa de uma República sem republicanos verdadeiros.

Será que, se o PSD e o PS e, eventualmente, juntando o CDS, não se entenderem podemos estar a caminho - não de uma ditadura, porque o tempo é outro - mas de uma forte convulsão social, correndo-se o risco de um novo resgate, que não deixa de ser uma ditadura imposta pelo poder do dinheiro?


quinta-feira, 1 de janeiro de 2015

Ano Novo: Espírito Novo!




Ano Novo – Espírito Novo


Agora, mortos para essa lei que nos mantinha sujeitos, dela nos temos libertado, e nosso serviço realiza-se conforme a renovação do Espírito e não mais sob a autoridade envelhecida da letra. (Rom 7,6)


É da pena gloriosamente iluminada de S. Paulo que nos chegam estas palavras para nos dizer de peito aberto que tendo-se libertado da escravidão da lei mosaica, o homem do seu tempo repleto do Espírito Santo devia passar a servir a Lei de Deus, sob um novo regime de serviço e de amor.

Para o tempo de hoje, se levarmos em conta que a própria lei antiga transfigurada por uma sociedade hedonista mantém viva a teoria epicurista que elege o prazer como o supremo bem, este facto por demais evidente é denunciador de um certo modo de viver longe da espiritualidade como atributo que é e parte integrante da humanidade de todo o homem, um facto que leva a reflectir quão preciso é mostrar aos homens do nosso tempo a Nova Lei que emerge da mensagem libertadora de Jesus, que ao revogar a autoridade envelhecida da letra de Moisés renovou todas as coisas.

Este Ano Novo agora começado é o tempo de se voltar a dizer, que verdadeiramente, só viveremos um tempo novo se renovarmos o espírito, compaginando-o com a letra do Evangelho, de que o Papa Francisco é, neste tempo novo da Igreja, o seu arauto por excelência, não nos conformando com aquilo que é apenas secular, mas dando-lhe a altura para onde devem pender todos os nossos sentidos e todas as nossas acções.

Eis porque se torna imperioso a transformação de algumas realidades vivenciais pela renovação do pensamento, crendo que todo o homem foi criado por Deus para ser parte integrante da Pedra Angular, que força alguma é capaz de mover ou destruir, porque todo aquele que está em Cristo é uma nova criatura. Passou o que era velho; eis que tudo se fez novo. (2 Cor 5,17), razão profunda que nos deve nortear neste Ano Novo, sentindo e vivendo que com uma nova atitude é possível a todos ser uma nova criatura se for renovando o que é velho e profundamente mundano.

Vivemos um tempo difícil, é sabido.

Mas tenhamos confiança nos homens e nas próprias estruturas, mesmo naquelas apontadas a dedo como sendo as causadoras das horas menos boas que atravessamos, onde em muitas delas, o que aconteceu foi o esquecimento de viverem o Tempo Novo inaugurado por Jesus que hoje nos convida a enterrar o homem velho que habita em nós, na certeza que Deus não abandona o homem, indo ao ponto de o perseguir nas sua noites, como aconteceu na antiga história de Jacó, deixando-se perder na luta que travaram para o conquistar. (cf. Gn 32, 23-33)

Há, pois, que fazer um novo caminho para Deus e desejar a sua bênção, como aconteceu no fim daquela estranha luta, algo que é preciso fazer hoje, pois que, nada se renova sem luta, ou seja, sem a vontade de orar, longa e profundamente por alcançar a bênção de Deus que magnanimamente, na “perseguição” que faz ao homem o que pretende é, simplesmente, a sua salvação, porque não foi em vão que Jesus veio para renovar todas as coisas.

Se não entendemos isto, de nada entendemos, que não seja daquelas coisas rasteiras que se prendem como liames ao homem velho, indiferente à renovação do espírito que chama Ano Novo àquilo que continua a ser a mesma coisa, fazendo tábua rasa das palavras sábias do Apóstolo, que era doutor da lei e a abjurou perante a novidade das Palavras fundadoras da Lei definitiva que Deus outorgou a favor de todos os homens.