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segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

Coisas do anticlericalismo


  
Só os mais desatentos não reparam no anticlericalismo actual, mercê do papel activo da maçonaria infiltrada às escondidas no poder, ao arrepio do conceito das novas democracias que tendem para que o jogo político se não faça nas costas do povo. (1)

Esta prática do jogo escondido – com a agravante de nele se jogar a sorte do povo sem que este seja consultado -  vem desde meados do século XVIII, quando subiu ao trono D. José, dando a Sebastião José de Carvalho e Melo, (futuro Marquês de Pombal) pelas provas dadas como embaixador em Londres e Viena de Áustria, o lugar de Primeiro-Ministro, entregando-lhe toda a condução dos negócios do Reino, um facto que causou, então, as maiores inimizades na Companhia de Jesus (2) relativamente ao rei reformar dor.

Esta Ordem religiosa nascida a partir da corrente da Contra-Reforma (3) existia em Portugal desde 1540 e tinha uma como regra uma profunda acção educativa, fazendo dela a sua principal tarefa, a par da experiência pedagógica e da gratuidade do ensino, visando a formação integral do homem, de acordo com a fé e a cultura do tempo.
Não tardou que o vingativo chefe do executivo ordenasse em Setembro 1759 a expulsão dos jesuítas, em obediência a si mesmo e ao Rei, seduzido pela filosofia herética que então aflorava, indo a sanha persecutória ao ponto de em Junho do ano seguinte ter sido decretado por alvará a alteração do ensino público, tendo sido extintas as escolas reguladas pela Companhia de Jesus.

A Companhia de Jesus era um obstáculo ao projecto político que se pretendia implementar: um sistema que Carvalho e Melo queria ver centralizado no Estado, sendo mais fácil de controlar. Era o sistema baseado nas teorias iluministas que ele queria impor sem escrúpulos quanto aos meios a usar e indiferente face à resistência das forças sociais do País. Tendo sido iniciado na Maçonaria aquando da sua estadia como embaixador em Viena de Áustria, deu grande impulso à disseminação dos maçons  em Portugal, na peugada do escocês George Gordon, que em 1733 havia estabelecido uma loja em Portugal, designada Casa Real dos Pedreiros-Livres da Lusitânia.
Estes ataques, porém, visavam mais fundo
Não era só o problema dos jesuítas.
Era o da existência da Igreja, enquanto obstáculo ao absolutismo que Pombal queria impor, dando-se o agravamento das relações em Abril de 1759, quando D.José, em carta dirigida ao Papa Clemente XIII, solicitou autorização para julgar colectivamente a Companhia de Jesus, respondendo o Papa em Agosto desse ano, recusando a proposta real, o que viria a justificar que a 15 de Julho de 1760, fosse participado ao Núncio Apostólico a ordem régia para se retirar do reino o mais breve possível, consumando-se o corte de ralações entre Portugal e a Santa Sé.
Como corolário destas desavenças em 21 de Setembro de 1761, acabou por ter sido condenou à morte o Padre Gabriel Malagrida (4) que a Inquisição julgou como réu de lesa-majestade.

O que aconteceu, com a extinção dos jesuítas foi um desastre civilizacional à escala nacional, porque na educação e na ciência se perderam metas e assim veio a morrer o dinamismo moral e intelectual da época, motivado pelo encerramento de algumas dezenas de Colégios em todo o Império, porque o ensino do povo que os padres encarnavam, nunca mais se equilibrou até aos dias de hoje, há que dizê-lo, com frontalidade.
Este foi, em síntese, o primeiro ataque à Igreja, em Portugal, tendo sido um ataque à própria Nação, por instigação de um homem dominador do seu próprio rei.
Com a Viradeira (5), Pombal caiu em desgraça, e Pina Manique perseguiu as lojas e os maçons, tendo mudado a situação com as invasões francesas. A Família Real, acossada,  retirou-se estrategicamente para o Rio de Janeiro, deixando o País entregue à ajuda inglesa, que por fim com o povo revoltado sacudiram os franceses, mas deixando a germinar as sementes revolucionárias.
Com a Corte no remanso brasileiro, a revolução liberal triunfou no Porto. Estava-se em 1820. A revolta tinha sido cozinhada numa loja maçónica chamada “O Sinédrio”. (6)
D. João VI voltou à pressa mas nunca mais conseguiu liderar os acontecimentos. Jurou-se uma Constituição, a primeira, em 1822, e o Rei deixou de governar.
Preparava-se na amálgama dos acontecimentos políticos o segundo ataque à Igreja, num tempo em que as relações entre Portugal e a Santa Sé já se haviam recomposto.
Eclodiu com o Liberalismo triunfante,  quando D. Pedro IV, três dias depois de chegar a Lisboa, vindo do Brasil, ordenou a saída – mais uma vez - do Núncio Apostólico, através de um ofício datado de 29 de Julho de 1833.
Foi o começo duma perseguição atroz à Igreja, com a formação nesse ano de uma Comissão de Reforma eclesiástica, que de imediato, substituiu a hierarquia católica por vigários eleitos pelos cabidos sujeitos às leis governamentais, por não ter sido revogado o número 2 da artigo 75º da “Carta Constitucional” outorgada em 1826, que decretava que o rei tinha poderes para: Nomear Bispos e prover os Benefícios Eclesiásticos, uma anormalidade que deu azo à eclosão de um clero situacionista e apático, de mesuras ao Governo, longe das suas funções apostólicas, dando-se uma forte ingerência política na nomeação dos Bispos e daí, a consequente degradação da vida da Igreja, com esta a viver prisioneira do Estado liberal.

De novo, os jesuítas, que se haviam reorganizado, são expulsos por ordem do célebre “Mata-Frades”, Joaquim António de Aguiar, ministro do Reino, que ordenou a extinção das Ordens religiosas, mandando incorporar os seus bens na Fazenda Nacional.
A Igreja, um dos pilares do regime absolutista derrotado, tinha agora que se adaptar aos novos tempos, nem que para isso se substituíssem os padres relapsos ao regime por outros fiéis ao regime liberal.
A oposição aos liberais chegou ao ponto de levar as populações das dioceses de Braga, Porto, Bragança, Viseu, Aveiro e Coimbra, a recusar participar em actos de culto oficiados pelos novos párocos ou expulsavam os padres aderentes ao liberalismo.
Assim estava o Portugal da era revolucionária de 1820, quando o Liberalismo às costas da Maçonaria impôs a sua lei.

Este estado de coisas só viria a atenuar-se com a subida ao trono da rainha D. Maria II, em 1834, mas tendo durado até 1842, quando foram restabelecidas as relações com a Santa Sé.
Uma nova perseguição surgiu em 1910, quando os republicanos chegaram ao poder, ao constatarem que havia um obstáculo às suas ideias: a influência da Igreja na opinião pública.
Retomando a tónica de Miguel Bombarda (7) que dizia: Só ao Estado compete formar os espíritos, só a ele pertence modelar as forças vivas da nação. Só ele sabe fazê-lo e só ele tem recursos para o fazer,  era preciso expulsar Deus da Constituição (8) e, em consequência, expulsar, mais uma vez as ordens religiosas que desde meados do século XIX estavam sediadas em Portugal, com o seu papel determinante nos campos da assistência e do ensino, o que o Estado não fazia minimamente.
Não importava.
Havia que separar a religião da política – o que era admissível e até necessário – se não fosse querer o Estado formar as consciências através de uma formação cívica obediente e deformadora da moral natural do indivíduo.
O decreto da separação não tardou. Aconteceu em 20 de Abril de 1911.
Os republicanos de 1910, nada tinham aprendido com o abatimento moral da Nação levada a cabo pelos liberais do século anterior, tendo prosseguindo as ilusões do Iluminismo, cuja ideia maior era a de que o homem tinha a capacidade de progredir até alcançar a perfeição através da Razão.

Era tarefa do Estado de mudar as consciências e formar os espíritos, dentro dos ideais jacobinos (9) da Revolução Francesa, que tantos os liberais como os republicanos de então tentaram impor a Portugal, era algo que tinha de ser cumprido, não lhes bastando remeter a religião para a esfera íntima do indivíduo, porquanto era necessária extirpá-la das consciências.
De pouco ou nada importava que ao pretender-se suprimir a religião da vida pública e, como se pretendia da vida privada, se perdessem – como veio a acontecer  - a perda de valores fundamentais, devido em grande parte à subserviência de uma grande parte do clero durante décadas, tendo-se deixado acorrentar aos ideais perversos do Estado,  até ao surgimento de grandes e destemidos Bispos, como D. Sebastião Leite de Vasconcelos, Cardeal Mendes Belo e D. António José de Sousa Barroso. (10)

E na actualidade?
A Concordata de 1940 demorou anos a ser revista até que, finalmente, foi aprovado um novo texto em 18/12/2004, mas que até à data pouco ou nada foi regulado, o que levou  a hierarquia da Igreja portuguesa em 12/7/2007 a apelar ao primeiro-ministro para que o Governo avançasse o mais rapidamente possível com "propostas dialogantes" de legislação complementar sobre a Nova Concordata, com o fim de se evitar "um vazio legal", porquanto é desejável uma real separação de poderes devidamente regulamentados.
Em 12/11/2005, por ocasião do Congresso para a nova Evangelização, a Igreja promoveu uma procissão com a imagem de Nossa Senhora de Fátima, em Lisboa, um facto foi um sucesso juntando muitos milhares de fiéis, mas logo, no dia seguinte (coincidência? )foi decretado pelo Governo a proibição dos crucifixos em 12 escolas públicas onde estavam presentes aqueles objectos de fé.
Não têm cessado outros ataques à Igreja, onde a sua intervenção âmbito social é cada vez mais delimitada. A imprensa regional, onde a Igreja tem grande implantação, é cada vez mais dificultada na sua acção.

O Parlamento nacional aprovou uma nova Lei sobre o Protocolo do Estado, onde a Igreja só estará representada, se for convidada, de acordo com a Constituição de 1976 que restaurou o princípio da separação tão querida desde os tempos da Primeira República.
Mas o ataque à Igreja, de longa tradição humanista entre nós e a quem Portugal tanto deve, não se fica por aqui.
Critica-se às escancaras a bênção religiosa de obras ou equipamentos públicos, a celebração de cerimónias religiosas por iniciativa de entidades públicas, e até a presença de entidades oficiais, nessa qualidade, em cerimónias religiosas.
O que conta, porém é que hão-de passar todos os Estados e todas as Maçonarias e a Igreja, pilar eterno de um poder intemporal há-de ficar por cima dos escombros das sociedades laicas que não têm sabido ler o que nela é o seu estatuto maior: o do Amor, em contraposto ao tripé enganador da Liberdade, Igualdade e Fraternidade, que importado de 1789, da França revolucionária, foi adquirido como divisa das lojas maçónicas, mas onde aqueles conceitos só fazem sentido, não para o povo em geral, mas para as elites dos seus apaniguados.
Ontem como hoje.




(1)  - A introdução da Maçonaria em Portugal remonta ao segundo quartel do século XVIII. Talvez por 1727, foi fundada por comerciantes britânicos, tendo fundado em Lisboa uma loja que ficou conhecida nos registos da Inquisição como dos "Hereges Mercadores", por serem protestantes quase todos os seus membros.
(2)  - A Companhia de Jesus, cujos membros são conhecidos como jesuítas, é uma ordem religiosa fundada em 1534 por um grupo de estudantes da Universidade de Paris, liderados pelo basco Íñigo López de Loyola, conhecido posteriormente como Inácio de Loyola.
(3)  - A Contra-Reforma, ou Reforma católica, foi uma barreira colocada pela Igreja contra a crescente onda do protestantismo
(4)  - Jesuíta italiano, nascido na vila de Managgio, a 18 de Setembro de 1689
(5)  - Nome porque ficou conhecido o reinado de D. Maria II.
(6)  - Grupo de personalidades portuenses que, em 24 de Agosto de 1820, protagonizaram na sua cidade a revolta que viria a instaurar o regime liberal em Portugal, na sequência de uma tentativa de sublevação anti-britânica falhada pelo general Gomes Freire de Andrade em 1817. Os abusos dos ingleses mantiveram-se desde essa altura, tal como a miséria pública e a necessidade de reformas urgentes. É assim fundado o Sinédrio, em 22 de Janeiro de 1818, por quatro maçons do Porto - Fernandes Tomás, Ferreira Borges, Silva Carvalho, todos juristas, e Ferreira Viana, comerciante
(7)  - Miguel Augusto Bombarda (Rio de Janeiro, 6 de Março de 1851 — Lisboa, 3 de Outubro de 1910) foi um médico psiquiatra e republicano português. Estudou na Escola Médico-Cirúrgica de Lisboa, onde veio a ser Professor.. Republicano convicto, foi um acérrimo anticlerical
(8)  - Fernando Catroga, in O Republicanismo em Portugal
(9) - Termo proveniente da Revolução Francesa.  Receberam a denominação de jacobinos pois reuniam-se inicialmente no Convento de São Tiago (Tiago em latim: Jacobus).
(10))  - in, O Século de Fátima, de João César das Neves.

Vaidades!




Detenhamo-nos um pouco sobre um excerto de um livro do século XVIII, que continua a ser pela sua frieza analítica de uma verdade que nos devia inquietar, a nós que continuamos a viver de vaidades humanas, um campo de lodo que devia ser erradicado da nossa vida adulta de cidadãos interessados em construir um mundo, mais de saber e menos de presunção.
 
Sendo o termo da vida limitado, não tem limite a nossa vaidade; porque dura mais do que nós mesmos e se introduz nos aparatos últimos da morte. Que maior prova que o fabrico de um elevado mausoléu? No silêncio de uma urna  depositarão os homens as suas memórias, para com a fé dos mármores fazerem seus nomes imortais; querem que a sumptuosidade do túmulo sirva para inspirar veneração, como se fossem relíquias as suas cinzas e que corra por conta dos jaspes a continuação do respeito. Que frívolo cuidado! Esse triste resto daquilo que foi um homem, já parece um ídolo colocado em um breve, mas soberbo domicílio que a vaidade edificou para habitação de uma cinza fria, e desta declara a grandeza. A vaidade se estende a enriquecer de adornos mesmo no horror da sepultura.
Vivemos com vaidade e com vaidade morremos (…)

Mathias Aires Ramos da Silva de Eça (1) in, Sobre a Vaidade dos Homens ou Discursos Morais sobre os Efeitos da Vaidade-Lisboa, 1786 – com Licença da Real Mesa Censória (2)

Publicado com licença da Real Mesa Censória – o que prova que a censura já era, então, uma actividade com grande influência na vida política – julgando-se erecta em Portugal  desde os tempos de D. Fernando, que terá pedido ao Papa Gregório XI para que a instituísse a nível episcopal, donde esta viria a condicionar, depois,  a actuação civil com a regulamentação de textos escritos, o autor Mathias Aires Ramos da Silva de Eça, debruça-se sobre os efeitos da vaidade no comportamento dos homens, concluindo que esta dura para além das suas vidas terrenas através dos epitáfios que tendem a tornar os seus nomes vivos para além da morte.
Vivemos com vaidade e com vaidade morremos.
Esta é a verdade.

Continuamos a ser um mundo de vaidosos, onde ontem se corria atrás de um título nobiliárquico e hoje se corre atrás de um diploma qualquer, que possa dar – ainda que não validamente – o título de Engenheiro ou de Doutor, fazendo que a vaidade se estenda pela vida terrena e finita e, depois, se projecte, assim, pelos respeitos humanos que sempre acontecem.
Somos assim.
Continuamos a ser um povo de vaidades fora do tempo. Se eram admissíveis no século XVIII, não parece que o sejam – da forma como são usadas – no tempo que passa.
É que continuamos a embandeirar em arco, estribados nos nossos títulos, hoje, académicos, tirados, às vezes, pelas portas baixas de um ensino, onde o Estado – parece -  se tem demitido de ser o garante de currículos de pouco saber, nas de muita pompa e circunstância.
Há dias, mão amiga fez-me chegar ao conhecimento um texto da autoria do Professor Miguel Pina e Cunha, da Universidade Nova de Lisboa, que bem merece ser reproduzido.
Diz, assim:

Uma das características mais visíveis da cultura portuguesa - e certamente da cultura de gestão portuguesa - é a propensão para o uso de títulos académicos. O uso de títulos (Dr., Eng.º.) é certamente mais praticado em algumas organizações do que noutras, mas, na comparação com outros países da União Europeia (UE), os portugueses são pródigos no uso de títulos. É aliás frequente, nas situações em que se conhece menos bem o interlocutor, colocar um cauteloso Dr. antes do nome. Na dúvida, antes a mais que a menos.

Há que inverter isto.
Como povo temos o dever moral de crescer, indo ao encontro do que se passa pela Europa do conhecimento, onde o homem tende a ser mais respeitado por aquilo que faz de bom para ele e para a sociedade, do que pelo título académico que possui.
A nossa mentalidade não tem acompanhado o ritmo da globalização.
Países como os nórdicos, não estão preocupados com os títulos académicos dos seus governantes. Preocupam-se sim como a sua capacidade, inteligência e vontade de servir. A Sul podemos tomar  o exemplo da França entre outros.

Em Portugal, não.
Continuamos a pensar que só quem tem um curso superior – ainda que não seja reconhecido pela Ordem respectiva - é que tem capacidades para se guindar a um qualquer alto posto, seja ele governativo ou não, uma tontice que não raro, tem conduzido homens determinados a seguir caminhos ínvios na prossecução dos famigerados canudos, que nada acrescentam à sua estatura humana, mas tão só, têm a finalidade de darem resposta  às vaidades mesquinhas de um mundo português antiquado e velho, a pedir uma urgente reforma de mentalidades para apaziguar os deletérios da vaidade que quer continuar a estender-se e a enriquecer de adornos o homem, mesmo no horror da sepultura, quando o corpo já é, apenas, e sem qualquer préstimo uma cinza fria, mas onde morou uma vaidade estulta, entrincheirada na suposta mais valia de títulos imerecidos e, até, muitas vezes, conseguidos pelos arranjos de artimanhas danosas da moral e da ética social.




(1)  - Iluminista brasileiro, (1705-1770).  Mathias Aires interessou-se por alguns aspectos do novo espírito do Século das Luzes aplicado ao estudo do homem: a tendência à introspecção; o interesse pela investigação das relações homem-sociedade; a recusa da tradição cultural anterior; a procura de novas verdades sobre o homem e a confiança na ciência moderna como método de conhecimento

(2) - O Marquês de Pombal simplificou o processo de censura das publicações de livros ao constituir um único tribunal denominado Real Mesa Censória,  cuja presidência foi concedida a Manuel do Cenáculo. O Regimento da Real Mesa Censória data de 18 de Maio de 1768 e previa a inspecção de livrarias, bibliotecas e tipografias. São proibidas as obras que veiculassem ideias supersticiosas, ateias e hereges, ainda que se abra excepção para alguns livros de protestantes. aceites nos "Estados Católicos Romanos bem governados e prudentes.

Portugal regenerado... para quando?



O ano de 1820 foi um ano de esperança para Portugal.
Eclodira no Porto a chamada Revolução Liberal no dia 24 de Agosto que teve como consequência imediata a vinda da Corte exilada no Brasil, no ano seguinte, à excepção de Dom Pedro I que ali permaneceu na condição de Príncipe Regente.

Manuel Borges Carneiro (1) deu à estampa o livro Portugal Regenerado começando por fazer no Cap. I dedicado à “Origem e Progresso das Sociedades Humanas” um estudo que o conduz no Cap. seguinte  à “ Origem e Natureza do Direito Feudal” e a uma explanação sobre as consequências advindas desse direito no Cap. imediato, intitulado “Consequências desse Direito” para  prosseguir, seguidamente, sob o título “A mesma matéria quanto a Portugal” e, concluir, depois,  numa análise objectiva de interpretação do passado atrabiliário, que os cargos públicos, de cuja recta distribuição depende em grande parte a felicidade dos povos, foram conferidos a quem mais deu, intrigou, solicitou, sorrabou. Aqueles que desde a sua mocidade procurariam adquirir letras e virtudes para bem servir algum dia a sua Pátria, desprezarão um trabalho que previam não lhes viria a servir de coisa alguma. Muitos deixaram corromper em seu peito as sementes da virtude e disseram: “Para que modelarei meu coração sobre o cunho da honra e da probidade se isto são nomes vãos a que nenhum prémio está unido? A protecção, o dinheiro, as humilhações, a lisonja, me darão o que não podem dar-me aquelas vãs palavras (…)

Portugal regenerado ainda não está cumprido.
O magistrado que tanto se distinguiu pela palavra e pela oratória, enganou-se.
Continuamos o percurso lento da regeneração das ideias e das políticas começadas em 1820 e ateadas com a  insurreição militar de 1 de Maio de 1851 com a vitória de Saldanha, que levou à queda de Costa Cabral e dos governos de inspiração setembrista que inspiraram o movimento regenerador que apresentava como ponto fulcral do seu programa político a renovação do sistema tendente ao desenvolvimento do país.
Como objectivo, estava o estabelecimento de forma definitiva do liberalismo em Portugal, adoptando  os princípios da Carta Constitucional de 1826, introduzindo-lhe as necessárias reformas pelo Acto Adicional ocorrido no ano de 1852. Foi um período que se esbateu em 1865 com Sá da Bandeira com o governo de fusão entre os regeneradores e os históricos unidos numa comissão eleitoral progressista.

Foi penosa a caminhada até ao fim do século e nos dez primeiros anos do século XX.
Nesse período – como nunca havia acontecido – continuaram vivas as palavras de Manuel Borges Carneiro sobre os cargos públicos, de cuja recta distribuição depende em grande parte a felicidade dos povos, foram conferidos a quem mais deu, intrigou, solicitou, sorrabou, e Portugal continuou a marcar passo.
Um passo lento que a I República não estugou até ao advento do 28 de Maio e que os tempos seguintes das ditaduras - militar e civil -  vieram acentuar com as prebendas e os cargos públicos dados exclusivamente aos homens do sistema, estagnando a regeneração do País em todos os campos sociais e políticos até à Revolução de 74.
A Democracia, como se esperava, inaugurou um tempo novo e fez fruir uma renovada esperança no povo português, que no entanto, não tem tido o cuidado – como se exigia de não substituir os cargos públicos até aos directores gerais, fazendo-os atribuir a quem esteja alinhado com o ideário do partido que está no poder – em detrimento dos mais capazes, profissional e intelectualmente.
Não temos emenda.
E assim, o Portugal Regenerado – título de um belo livro que serviu de ponto de reflexão onde a esperança era um motivo muito belo e acalentou o então jovem vintista Manuel Borges Carneiro -  continua por regenerar, porque tem sido à sombra da bandeira do partido que alcança o poder que continuamos a servir a coisa pública, deixando quantas vezes, os melhores de fora.
Faz falta no tempo actual, um movimento como o da “Renascença Portuguesa” que surgiu no Porto no decorrer de 1912 e se manteve activo durante o primeiro quartel do século XX. O movimento tinha um ideal nacionalista ligado a uma acção sócio-cultural, com aspectos originais, obedecendo ao propósito de "dar conteúdo renovador e fecundo à revolução republicana" como então afirmava Jaime Cortesão.

Os intelectuais que serviram aquele movimento cívico acreditavam ser necessária a reconstrução da sociedade portuguesa desmoralizada e abalada na sua alma pela degenerescência da monarquia constitucional.
Durou três décadas, mas o Portugal do século XX – descontados os períodos ditatoriais – muito está a dever à “Renascença Portuguesa”, que muito embora congregasse personalidades e tendências diferentes, como  Leonardo Coimbra, Mário Beirão, António Correia de Oliveira, Afonso Lopes Vieira, Fernando Pessoa, Mário de Sá Carneiro e Teixeira de Pascoaes, entre outros, o movimento teve sempre como ideário um nacionalismo  – talvez messiânico -  radicado na tendência sebastiânica da alma portuguesa na procura de uma regeneração nacional, sempre adiada, mas sempre presente em todos os períodos entendidos como de crise.

Nos tempos que correm, parece, que algo semelhante devia ser feito, esbatendo-se mais a tendência gregária e alargar à sociedade o diálogo político e social fundado em duas vertentes (a vida como um movimento constante) e a (transformação do mundo sujeita a críticas sem qualquer preconceito) dando valor ao papel dos intelectuais e, menos, aos chamados políticos de profissão, amarrados a ideologias estanques, um facto que cada vez faz menos sentido na globalidade de um mundo, que é hoje, uma aldeia grande.
Seria nesse propósito, salutar que os dois grandes partidos da Democracia portuguesa (PS e PSD) se unissem, esbatendo as fracas barreiras que actualmente os dividem – deixando a uma esquerda totalitária as suas ideias com todo o direito de existir – e procurassem assegurar a regeneração efectiva de Portugal em todos os campos da coisa pública, não descurando a educação civil e religiosa, mas fazendo dos seus valores pontos de partida, para que a palavra dada seja cumprida em toda a linha e não desbaratada em incumprimentos factuais, ao sabor da corrente, que apenas atrasam a regeneração que tarda, criando no povo abandonos e descrenças.
O momento é de crise.
E, pese embora, o nosso enquadramento europeu, a alma nacional não pode morrer.
Há que continuar a manter viva a chama do nacionalismo sadio que animou, um dia, os homens da “Renascença Portuguesa


(1) -Nasceu a 2 de Novembro de 1774  e faleceu a 4 de Julho de 1833. Matriculou-se na Universidade de Coimbra em 1791, no curso jurídico. Formou-se em Cânones no ano de 1800. Foi um dos heróis dos acontecimentos políticos de 1820. Tendo abortado a conspiração que em 1817 vitimou Gomes Freire de Andrade, um grupo de homens notáveis prepararam urna revolução pacífica, cujo grito foi levantado no Porto em Agosto do referido ano, e repercutido em Lisboa a 16 de Setembro. Foram iniciadores do movimento revolucionário Manuel Fernandes Tomás, José Ferreira Borges, Sepúlveda, Xavier de Araújo, e outros, que ficaram conhecidos na história pelos heróis de 1820. Manuel Borges Carneiro foi em seguida um dos mais decididos e vigorosos adeptos daquela revolução.

Um novo Neo-Paganismo




O neo-paganismo, não raro, infiltra-se no cristão que rejeitou a herança avoenga e busca um caminho diferente, mais de acordo, segundo o seu ponto de vista, com pensamentos modernos.
Só que a modernidade, às vezes, é o engano dos incautos. Sob a sua capa esconde a barbaridade – apresentada como uma aragem nova – mas que, por vezes, tem o bolor das velharias, da qual   só se dá conta depois dela  ter feito muitos estragos na moral pública dos povos.
Insere-se aqui o neo-paganismo actual.

Advoga o evolucionismo, mas com este aferrado a tendências obtusas, assanhadas de assuntos polémicos actualmente chegados à ribalta da sociedade contemporânea, como o homossexualismo, o aborto, a eutanásia, o controle de natalidade e liberdade religiosa, o que faz desta corrente liberalista e ateia uma “religião” a que não têm ficado impunes homens públicos com grande influência governamental, em muitas Nações do velho Ocidente, degradado e permissivo, donde não é de excluir a falta de exemplos, dos quais dizia, antigamente, um velho ditado que “vinham sempre de cima” e hoje não vêm, nem de “baixo” nem de “cima” porque existe um abandono dos valores autênticos que dantes punham equilíbrio nas sociedades.

O paganismo antigo mostrou-se mais visível com o Renascimento com a adopção da cultura pagã grega e romana como fonte de inspiração artística, vindo, depois, a ser aviventado com o eclodir da Revolução Francesa, com os jacobinos e seu anticatolicismo radical que prestava culto à deusa “razão”, representada com um barrete frígio, o mesmo usado nas representações do culto de Mithra, uma espécie de missa negra primitiva.
Tomou, depois, novo alento com o advento do Romantismo, no início do século XIX.
Com a literatura daquela escola o paganismo tonou o deus pagão Pã (1) uma figura importante na literatura romântica, que deixou raízes.
Assistimos, no nosso tempo, com efeito à existência do ressurgimento – em outros moldes, o que se entende devido à evolução dos tempos – de um novo paganismo, mas, de igual modo entroncado no da Idade Média, sustentado, então, por credos diversificados que aceitavam e defendiam mitos e divindades das mais variadas fontes para a criação de uma pseudo “religião” de carácter pessoal, donde existirem credos pagãos no mesmo número dos seus apaniguados e donde ressaltavam crenças como a reverência levada ao extremo pela natureza, pela veneração de deuses e folclores antigos onde quase sempre entravam magias esotéricas.

Hoje, os tempos são outros e, do mesmo modo, são outros os novos deuses, sobretudo o deus do dinheiro, castrando a juventude e de que são exemplos livros e filmes como  "O Senhor dos Anéis" , "Harry Potter" e  “O Código Da Vinci” que rendeu  ao autor deste livro ficcionado – que é uma mentira sobre a vida de Jesus – a venda de 40 milhões de exemplares.
Mais uma vez o deus do dinheiro funcionou em pleno, porque Dan Brown, explorando um mundo virado em grande parte para um paganismo moderno, encheu os cofres próprios à custa dos papalvos que compraram o livro e  viram o filme,
Aqui, no Ocidente, está a grande fatia daqueles muitos milhões, porque o Ocidente está a dormir. Refastelado na sociedade de consumo que criou para se esbodegar e prostituir o Velho Continente afoga-se mais em cada dia que passa.
No filme a divindade – tinha que ser assim, para se enquadrar no neo-paganismo – morreu. Jesus é um homem normal, como o autor destas linhas, que enquanto católico se sente ofendido pelo livro que é uma afronta e pelo filme que é um dislate.

Que fazer?
Certamente não se podem cruzar os braços nem deixar embotar a mente, havendo que denunciar a ficção que é este livro, que começa com um assassinato no Museu do Louvre, ocorrido, quando o professor Robert Langdon visita Paris.
Trata-se de um académido, autor ente outros livros de "A Simbologia das Seitas Secretas" que provoca controvérsias envolvendo o Vaticano.  A trama tem aqui o ponto de partida para descobertas cujo fio da meada são obras de Leonardo da Vinci, donde a citação do mestre italiano é um dos trunfos, já que  tanto a "Mona Lisa" como a "Santa Ceia" têm papel central no romance.
A habilidade do texto de Brown, faz de "O Código Da Vinci"  uma vertiginosa descida aos maiores segredos da história ocidental, que, tirando o fôlego do leitor, desvenda o que o autor se refere como "a maior conspiração dos últimos 2.000 anos" - que Jesus Cristo era um mero mortal e que sua santidade foi construída através dos tempos, para justificar o poder da Igreja Católica.

Eis o que se pretendeu alcançar: A Igreja e o seu poder, há muitos anos separado do político nas sociedades ocidentais.
O livro é uma espécie de  "Harry Potter" para adultos"
Fez e continua a  fazer estragos.
É que pretende o neo-paganismo.
E das duas, uma.
Ou o mundo arrepia caminho, especialmente a Velha Europa, mãe de culturas que em tempos lhe deram importância e responsabilidade ou vamos a caminho, alegremente, para a cloaca humana que há-de fazer dos povos ocidentais o tapete de jogos sujos de homens sem escrúpulos, como Dan  Brown,. que passou a viver à tripa-forra à custa da miséria humana de um pensamento que se deixou embotar no modernismo falso das novas heresias.
Porque é disto que se trata.
De uma afronta sem nome, que não podemos deixar sem um grito de revolta - passdos que estão alguns anos -  competindo-nos, apesar disso, denunciar o embuste e chamar a atenção para a pedagogia que é preciso fazer, especialmente nas camadas mais jovens, para as quais não pode haver uma censura, mas antes e veemente, para os adultos endeusados a uns tantos “espertalhões” que estão a cavar fundo a sepultura do Velho Continente.
   



(1) - Pã, cujo nome em grego significa "tudo", assumiu de certa forma o carácter de símbolo do mundo pagão e nele era adorada toda a natureza. Na mitologia grega, Pã era o deus dos caçadores, dos pastores e dos rebanhos. Representado por uma figura humana com orelhas, chifres, cauda e pernas de bode, trazia sempre uma flauta, a "flauta de Pã", que ele mesmo fizera aproveitando o caniço em que se havia transformado a ninfa Siringe. Sobre seu nascimento há várias versões: dão-no como filho de Zeus ou de Hermes, também como filho do Ar e de uma nereida, ou filho da Terra e do Céu. Teve muitos amores, os mais conhecidos com as ninfas Pítis e Eco, que, por abandoná-lo, foram transformadas, respectivamente, em pinheiro e em uma voz condenada a repetir as últimas palavras que ouvia. Segundo a tradição, seu culto foi introduzido na Itália por Evandro, filho de Hermes, e em sua honra celebravam-se as lupercais.

D. António Ferreira Gomes e a Democracia Cristã




D. António Ferreira Gomes nasceu na freguesia de Milhundos, concelho de Penafiel em 10 de Maio de 1906 e faleceu em 13 de Abril de 1989.
No dia 12 de Outubro de 1952 tomou conta da Diocese do Porto.

Tendo-se salientado como uma das maiores figuras Portuguesas do século XX, deixa inseridos na década de 50 os seus importantes Documentos Pastorais onde reflecte o seu pensamento social-cristão, nos quais defende uma terceira via, não considerando quer o comunismo, quer o liberalismo como metas, mas afirmando que o seu “não” ao ateísmo comunista não subentende um “sim” ao capitalismo liberal e individualista.
É nesta moldura íntima e pessoal que se insere a carta deste insigne Bispo dirigida  ao Dr. Oliveira Salazar, em 13 de Julho de 1958, e que, pelas manipulações sofridas pelo Governo atingido e pela consequências pessoais e públicas que acarretou, acabou por constituir uma carta de acusação ao regime autoritário, posicionando-se como um marco indelével do pensamento social cristão que então grassava às escondidas, em Portugal.

A carta de D. António Ferreira Gomes aconteceu em plena candidatura presidencial do general Humberto Delgado e toda ela se firma dentro do exercício do seu magistério episcopal, em defesa do homem e da doutrina social da Igreja Católica, que tinha nele o sujeito principal de toda a sua doutrinação, advinda do maior Concílio Ecuménico de todos os tempos: o Vaticano II.
O Chefe do Governo, autoritário como era, não lhe perdoou a ousadia das críticas contundentes relativas à situação político-social e religiosa do País, e sem delongas, impôs-lhe o exílio forçado.
D. António deixou a sua amada Diocese e saiu de Portugal, mas sem ter deixado bem vincado o célebre lema que lhe serviu de conduta: 

De joelhos diante de Deus, mas de pé diante dos homens, bem na linha desse grande Mestre que foi S. Paulo.

Regressa no ano de 1969, estando no poder o Prof. Marcello Caetano.
Tarde demais para teorizar e difundir convenientemente a teoria da democracia-cristã.
O tempo, inexorável, corria a um ritmo veloz até à desejada instauração da democracia em 25 de Abril, onde rapidamente se fizeram as escolhas políticas, sem que houvesse, estruturado, um partido essencialmente democrata-cristão.

Para a História fica o exemplo do Bispo do Porto.
E de tal modo, que não raro, a esquerda política, chama por D. António Ferreira Gomes, incensando-o – e neste particular com todo o respeito, pelo facto dele se ter oposto ao Dr. Salazar e, de certo modo, contra alguns dos seus pares da Igreja Católica reverentes ao então Chefe do Governo – mas sem cuidar que o pensamento deste Homem de eleição advogava uma democracia de cunho cristão, bem longe dos ideais da esquerda totalitária personificada pelo comunismo marxista e da outra esquerda socialista, pelo facto deste ideário político, como ele dizia,  pôr o económico em lugar do espiritual (...) levar a sociedade humana pelos caminhos do formigueiro e da colmeia (...) pôr o homem em lugar de Deus e a sociedade em lugar da Igreja.
No pensamento esclarecido do Bispo do Porto, quando escreveu ao Dr. Salazar,  havia lugar em Portugal para uma terceira via, a qual já dera provas cabais e profícuas, tendo tido profundas implicações nos tempos do pós segunda guerra mundial, na velha Europa, onde a primeira geração democrata-cristã  ajudara eficientemente a reconstruir o Estado, a sociedade civil e iniciativa privada, segundo os modelos da economia social de mercado, sem deixar de prever e cuidar da organização política democrática. A segunda geração que se alcandorou  ao poder, lutara pelos valores da liberdade, da solidariedade e justiça nas políticas internas e iniciou os trabalhos conducentes à integração europeia através da assinatura do Tratado de Roma em 1956.

Fiel a este ideal político e consciente dele respeitar a acção da Igreja Católica, no dia 15 de Maio de 1981, D. António, por ocasião do 90º aniversário da Encíclica “Rerum Novarum”, deu uma entrevista à Rádio Renascença, transcrita pelo “Diário do Minho” do dia seguinte, na qual respondendo à última questão “Finalmente, não quereria dirigir algumas palavras, especialmente aos operários, neste nonagésimo aniversário da “Carta Magna” do mundo laboral?”, à qual e sem peias, profundamente crente na sua ideia, D. António, chamou à colação as palavras que um dia dissera na esplanada do Paço Episcopal de Castelo Branco, dirigidas a uma massa imensa de camponeses e operários: Trabalhadores do campo, da fábrica e da oficina, vós sois o número. Em democracia (coisa que então não existia e era atrevimento pronunciar-se), em democracia vós sois a maioria eleitoral, vós sois portanto o Poder. Tomais consciência do vosso direito: tomai consciência das vossas responsabilidades.

Estas palavras aconteceram nos primórdios das suas tarefas episcopais, portanto na década de 50, num tempo em que era preciso coragem.
A terminar a referida entrevista, disse as seguintes palavras, que dão que pensar:
- A democracia, ou será cristã, ou não será...
Profeta ou não, D. António, não se enganou.
A democracia que temos tido, republicana e laica desde 74 é uma democracia coxa, porque lhe falta o espírito que fazia forte este Bispo da Igreja Portuguesa que imprimiu à sua acção, não só a cultura social e humanística do seu muito saber, como muito daquilo que dimanava – e dimana -  da Doutrina Social da Igreja, malbaratada pelas classes dominantes que alternadamente temos tido no Poder, e que, no entanto, contém os princípios básicos e indispensáveis à harmonia dos homens.

D. António tinha a noção exacta do que dizia.
Banido o espírito eclesial, tal como está na Constituição Portuguesa, cheio por demais de roupagens materialistas, Portugal – como aliás, a Europa – vivem o espectro de não terem, verdadeiramente, uma linha de rumo, mas tão só a assunção de caminhos de navegação à vista, onde os políticos católicos dispersos em Portugal, pelos vários partidos democráticos (PS, PPD-PSD e CDS-PP) se vêem sem forças para impor as linhas doutrinais do Concílio Vaticano II na moldagem das leis do Estado, que surgem assim, mecânicas e frias, e onde parece que o homem deixou de ser uma pessoa para ser um número.


A Europa e o seu nascimento cristão




Júlio César (100-44 a.C.) o grande estadista de Roma, consagrou-se como historiador com a descrição dos relatos sobre as campanhas do seu exército contra os celtas que se espalhavam pelos territórios que hoje, são a Suiça, França, Bélgica e Inglaterra, que denominou “Comentários Sobre a Guerra Gálica” (58-51) com um enfoque sobre a conquista da Gália. (1)

Até então o largo território – a que agora chamamos Europa – vivia na barbárie, devendo-se ao conquistador romano as primeiras medidas civilizacionais que iriam durar até ao desaparecimento do Império Romano no Ocidente em 4 de Setembro de 476, dando-se  início aquele acontecimento que os historiadores designaram como, Idade Média. (2)

Foi um tempo em que o predomínio da política administrativa criou o conceito de cidade, da língua e da cultura através de vultos, como Virgílio, Ovídeo Cícero e Séneca.
É, por esse tempo que entra nos anais da História, Clóvis, que veio a ser rei de todos os francos (481-511) e é considerado o fundador da França, tendo-lhe cabido com a sua atitude de conversão ao catolicismo por oposição ao arianismo (3) ter feito do território que é, hoje, a actual França, a primeira pedra da Igreja católica na História medieval da Europa.

É um Estado que nasceu segundo a sua vontade e é, através dele que a Europa começou a expandir-se para todo o mundo conhecido, com os seus vários povos que após terem tomado consciência de si mesmos, garantiram a carta de alforria e, depois, com o usufruto desse valor ganharam o direito à emancipação civil e política.
Foi, deste modo, quando toma o poder, que Carlos Magno (771 – 814) que foi um grandioso e magnificente rei dos francos para unificar e fortalecer o seu império decidiu executar uma reforma fundamental na área da educação, algo que devia ser feito.

Alcuíno (4) é chamado a elaborar um projecto de desenvolvimento escolar que buscou reviver o saber clássico. Para cumprir esse desiderato a partir de 787 foram emanados decretos que recomendavam a restauração das antigas escolas e a fundação de novas. Institucionalmente, essas novas, podiam ser monacais, sob a responsabilidade dos mosteiros.
Essa reforma de construir o futuro preservando o passado havia de vir a ter uma grande responsabilidade na preparação do caminho para o Renascimento do Século XII.
Nos séculos XII e XIII, muitas das escolas que haviam sido fundadas nesse período, ganharam a forma de universidades medievais.
A Europa nasceu, assim, sob o impulso cristão que lhe imprimiu o monge Alcuíno.

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(1) - Nome romano dado, na Antiguidade, para as terras dos celtas na Europa ocidental. A Gália ocupava, então, todo o território da França actual.
(2)  - O período da Idade Média teria se iniciado com a desintegração do Império Romano do Ocidente, no século V (476 d. C.), e terminado com o fim do Império Romano do Oriente, com a Queda de Constantinopla, no século XV (1453 d. C.).
(3) - O arianismo foi uma visão Cristológica sustentada pelos seguidores de Ário, nos primeiros tempos da Igreja Cristã, que negava a existência da consubstancialidade entre Jesus e Deus.
(4)  - Alcuíno de York foi um monge inglês beneditino, poeta, professor e sacerdote católico. Nasceu na Nortúmbria (Grã-Bretanha), em 735, e estudou na Escola Catedral de York. Leccionou posteriormente nessa mesma instituição durante quinze anos e ali criou uma das melhores bibliotecas da Europa, tendo transformado a Escola em um dos maiores centros do saber. Em 782, após de ter conhecido o imperador Carlos Magno em Parma, foi convidado pelo monarca para cuidar dos interesses educacionais do Império. Entre outros empreendimentos, fundou o Palácio-escola (Aula Palatina) de Aix-la-Chapelle, no qual eram ensinadas as sete artes liberais: o trivium, gramática, lógica e retórica; e o quadrivium, aritmética, geometria, astronomia, e a música

Relativismo moral ou a falta de princípios básicos



Os homens, por sua conveniência e comodidade vivencial dão o nome de relativismo moral à doutrina em que o bem e o mal variam de acordo com os tempos a as sociedades, admitindo por isso e sem peias, que este – ao contrário da imobilidade dos princípios básicos que devem presidir à acção do homem – seja uma variável que admite que uma ideia ou um facto pondo-os  de acordo com o tempo – por mais desbragado – ou com a sociedade – por mais libertina que  seja – sendo, assim, o relativismo moral um meio que voga  ao sabor das circunstâncias e do meio onde se vive.

Tudo está, no facto do homem se ter esquecido da verdade verdadeira  e ter feito desse princípio nobre da filosofia humana algo cujo conhecimento exacto, que não admite tergiversões ter deixado de fazer parte da sua conduta, derivando daqui todas as variáveis ao sabor dos ventos do mundo que têm sempre quem os acolha.
Há, com efeito, na mentalidade contemporânea – que é contra os dogmas eclesiais – um dogma que ela criou para sua comodidade pessoal: não há verdades absolutas nem princípios básicos imutáveis.

Tudo é susceptível de mudança e de arranjos a um mundo que se vai mudando – e isto é verdade – não sendo, no entanto, menos verdade que um mundo que muda sem atender às verdades fundamentais da sua mentalidade, é um mundo desorientado.
É necessário ao homem do nosso tempo que não deixe de atender a duas realidades básicas da sua condição: a humana - que o mundo reclama e o faz errar e a divina, reclamada por Deus -  que o chama a evitar os erros do mundo, fazendo-lhe ver os perigos do que é andar ao sabor da corrente que lhe faz perder o sentido de algumas verdades absolutas e, como tal, imutáveis em todo o tempo e lugar.

Há, por isso, necessidade do homem se conhecer a si mesmo, indo ao fundo das questões morais que fazem dele uma criatura por excelência, capaz do bem e do mal., e encontrar  por isso as capacidades de busca dos fundamentos da honestidade intelectual que cada um deve a si mesmo, mantendo imutáveis no edifício da sua moral as verdades que não podem ser relativisadas ao sabor de cada tempo.
E aqui não se pede uma fé teologal.

Pede-se, apenas, ao homem que seja autêntico enquanto ser racional que é, e que esta qualidade única na História da Criação o torne fiel às causas intrínsecas da sua condição humana, chamando a si a honestidade que deve presidir aos seus actos, na certeza que ser honesto é preferível a pensar de acordo com as premissas que a sociedade impõe, quantas vezes vão ao arrepio daquilo em que se acredita.
É neste campo que o homem tem de aprender a distinguir o que é relativismo social daquilo que é honestidade intelectual.



O Estado Laico e o Poder Clerical




O Estado cuja definição parece caber a Maquiavel (1) que  a ele se refere no seu mais apregoado livro: “O Príncipe” quando diz: Todos os estados, todos os poderes que tiveram e têm império sobre os homens, foram e são ou repúblicas ou principados.
Ainda segundo a directriz do famoso florentino a constituição do Estado tinha como norma esta atitude: conquistar e manter o poder ou a autoridade. Tudo o  resto - a religião, a moral, etc. -- que era associado à política nada tinha a ver com este aspecto fundamental - tirando os casos em que a moral e a religião ajudassem à conquista e à manutenção do poder. A única coisa que verdadeiramente interessa para a conquista e a manutenção do poder manter é ser calculista. (2)

No tempo actual o Estado é um corpo político tendo como referência directa uma unidade de autoridade com estatutos legais advindos da força do voto, mas parecendo correcto que lhe assentam grande parte das últimas palavras de Maquiavel acima referidas, como o facto de se poder servir da religião para ajudar à conquista e à manutenção do poder e ter, por norma, uma atitude calculista para a conquista e a manutenção desse mesmo poder.
O autor dedica “ O Príncipe” ao Magnifico Lourenço de Medicis, e, por isso, muito do autoritarismo que é sustentado radica-se neste facto e na vida da cidade de Florença onde ele viveu.

O seu pensamento, parece, ser ainda hoje muito actual porque no arco constitucional das hodiernas democracias o Estado continua a ser um conjunto de instituições pela qual a Nação se organiza numa unidade com o fim de manter a ordem e o poder dentro dos territórios que constituem os todos nacionais. Este facto supõe de imediato que tenham de haver classes dominantes em dados momentos na história dos povos chamados a exercer a autoridade, mas nunca mais com o pensamento de Luis XIV: “O Estado sou eu.”
Nas modernas Repúblicas – como a nossa - sujeitas ao parlamentarismo este radicalismo desapareceu tendo em conta as realidades sociais em presença e a sua sujeição a normas mais flexíveis do exercício do poder e da ordem.

Mas corremos o risco de tendo-se laicisado o Estado, dizendo e defendendo que ele é laico e ao tê-lo separado da Igreja – como acontece, actualmente, criticando-a por esta ser uma instituição clericalista que exerce o poder de cima para baixo – pode o Estado fazer o mesmo, ou seja, permitir que a classe política que num dado momento toma o poder, embora com Parlamentos a funcionar aja clericalmente sobre todos os cidadãos, sejam eles membros de outros grupos políticos com ou sem credos religiosos e, ainda, sobre aqueles que se afastam da vida política ou partidária, não votando.

Podemos ter assim um corpo político que representa o Estado legalmente constituído mas com apetência para o exercício de um poder confundido com o poder clericalista da Igreja.
 Maquiavel usou uma frase terrível: Os fins justificam os meios. Mas não é aceitável que isto possa acontecer no nosso século. Os fins de uma política, seja ela qual seja, não podem justificar todos os meios porque os grupos partidários que num dado momento deixaram de representar o Estado pela força do voto popular – e todos os outros grupos apartidários -  não podem ser atropelados  nos seus direitos por um poder a funcionar de cima para baixo.
O poder laical não pode fazer isto.
Mas se o fizer perde todo o direito de criticar a Igreja  e o modo como ela actua perante os seus fiéis.





(1) - Maquiavel (Nicolau) (1469-1527) nasceu em Florença (Itália). É um dos mais originais pensadores do renascimento. Atribui-se-lhe uma frase que ficou famosa “os fins justificam os meios”. No percurso da sua vida viu florescer a cultura e o poder político de Florença, sob a direcção política de Lourenço de Médicis, o Magnífico
(2) - in, livro “ O Príncipe”.

Liberdade e Ordem Social



Um dos erros extremos da liberdade é o do liberalismo sem peias para o qual ela significa direito de falar, pensar ou fazer aquilo que o homem quer.
É um erro grosseiro, porque ao estar-se livre de algumas coisas – ou de todas, que é uma atitude mais comum do que parece -  os homens esquecem-se que o facto de terem esse direito implica que a liberdade deva servir para algo que tenha a ver com o outro, que tanto pode ser o companheiro mais perto, como a colectividade de que faz parte.

A vida e a ordem social que ela implica para o seu correcto funcionamento e onde se move o homem, há-de ser sempre a busca da verdade – seja ela qual seja, porque o mundo não avança em cima de mentiras - mas esta,  só se alcança através do uso pleno da liberdade, supondo isto que tenha de se bater à porta onde ela mora, mas  não para ouvir o ruído das próprias pancadas que se dão como se fossem as mais sonoras e mais importantes, mas para ouvir as dos outros, que podem bater de leve mas serem mais eficazes e portadoras de verdades mais importantes que as nossas.

Cada homem tem de aprender a ouvir o outro homem, pois, só assim, a liberdade e a ordem social encontram caminhos de convergência, para que, em vez de destruir, o homem possa construir e edificar a Vida e o Futuro, porque o facto dos homens avançarem com dados falsos, impelidos pela violência ou pelas paixões desordenadas – fazendo mal uso da liberdade – redunda sempre em retrocessos e caminhadas insensatas.
Nestes senões que mancham a liberdade estão sempre as faltas graves dos atentados à Família e à Moral, atendendo-se que ela é, acima de tudo, um poder moral e não um poder de ordem física, constituindo-se, então,  como um dever social e não como um qualquer poder arbitrário.
- Para que quero eu a liberdade?
Alguém dirá, por exemplo,  “para constituir uma família feliz ”; Um outro dirá: “para enriquecer de qualquer jeito”; e, ainda, um outro, dirá: “para ser uma pessoa de bons costumes”.

 A resposta porém, não é esta. Não se trata de responder no singular
 A resposta correcta tem de ser, um dia: “Eu quero a liberdade para que a colectividade de que faço parte seja feliz”, no pressuposto que o homem ao ser um animal social tende à felicidade do todo e não só da pequena parte que é, procurando por isso, quer a verdade, quer o amor e, tudo isto, não para durar uma hora, mas a vida inteira.
Pois de que serve ser livre para fazer todas as coisas – sem qualquer proibição a coberto de  moralidades antigas – se depois de ter usado essa liberdade sem regras, o homem acaba escravo  dessas coisas, como a bebida, o sexo, a droga e outros malefícios?
E, ainda, que o homem no uso do seu livre arbítrio, continue livre para refazer costumes, muitas vezes, o que acontece é que estando quebradas as resistências morais acaba por vencer a liberdade que o conduz à escravidão.

Em Portugal, aquando do derrube do Estado Novo, as forças políticas mais à esquerda deram aso àquilo que passou à história como a conquista das “mais amplas liberdades” para um povo, que na sua maioria estava na menoridade política, donde, ainda hoje, existirem franjas sociais onde a liberdade continua a ser um campo vasto de atitudes atentatórias do indivíduo perante a sociedade responsável, parecendo um direito a ignorância da lei moral – que é uma lei natural – e, como tal, pertencendo esta a todo o homem pela sua condição humana, desobedecer-lhe, o coloca de imediato a agir contra os mais altos interesses da sua própria natureza. 

sábado, 1 de fevereiro de 2014

Lembrar!... Lembrar!... É um dever!



"In Memoriam"

Perfazem-se, hoje, dia 1 de Fevereiro de 2014, 106 anos.
Não defendo o retorno da Monarquia, mas nunca aceitei que para implantar um novo regime se tivesse chegado tão longe, matando barbaramente o rei D. Carlos e aquele, que na linha sucessória do trono lhe ia suceder.
Lembrar esta data é um dever cívico e humano. 

Lembrar que a I República foi um desnorte completo a que meteram ombros homens mentalmente impreparados quer do ponto de vista político e social é outro dever.
Lembrar que os algozes agiram por ordem de sociedades secretas - Carbonária e Maçonaria - é outro dever.

Lembrar a balbúrdia sanguinolenta de que falou Eça de Queirós, é outro dever.

Lembrar que entre 5 de Outubro de 1910 a 14 de Maio de 1915 (início do poder despótico de Afonso Costa e eclosão da revolta de uma Junta Revolucionária que causou 102 mortos, com o Governo de Pimenta de Castro refugiado no Quartel do Carmo), Portugal viveu a 1ª Ditadura é um dever.

Lembrar que entre 14 de Maio de 1915 a 14 de Dezembro de 1918 (2º Governo de Teófilo Braga e assassinato de Sidónio pais) Portugal viveu a 2ª Ditadura, é outro dever.

Lembrar que ente 14 de Dezembro de 1918 a 27 de Abril de 1928 (com vários Presidentes a serem derrubados - Canto e Castro, Teixeira Gomes, Bernardino Gomes - até à entrada, pela segunda vez, de Oliveira Salazar, Portugal viveu a 3ª Ditadura, é outro dever.

Lembrar que a 4ª Ditadura, se assentou em cima da Desordem e da Balbúrdia Nacional, é, infelizmente, outro dever, 

Lembrar tudo isto, hoje - lembrar, sobretudo - que foi em cima da morte física do rei D. Carlos e de seu filho, Luís Filipe, que Portugal endoideceu, sem ter tido a prosperidade anunciada pelos próceres revolucionários da época - cujo único ideal foi acabar com a realeza - é, ainda, outro dever.

Lembrar a todos os que odeiam Salazar e a 4ª  Ditadura - que sem negar a razão que existe- dizer-lhes que o tempo pretérito onde eclodiram três Ditaduras a ditaram, pelo mau uso feito de falsas liberdades, pelo que lembrar isto, é ainda, um outro dever!

Por fim, lembrar, que a I República implantada com as mão sujas de sangue não deve ser exaltada - mas sim e só - pelas danos que causou, merece ser esquecida, ou então, lembrada como um acidente histórico que não teve homens à altura dos acontecimentos.