Na recente viagem do Papa
Francisco à Terra Santa, um dos pontos mais importantes foi a visita ao Museu do
Holocausto.
Lá, o Papa proferiu um discurso em jeito de uma sublime e interrogadora oração com a sua alma centrada não só no extermínio de uma parte do povo judeu, mas também, como um grito doloroso às atrocidades que o homem é capaz de perpretar, movido por desígnios estranhos e desumanos.
concentração durante sua
visita ao Museu do Holocausto em Jerusalem.
Oração do Papa Francisco
Adão, onde estás? (cf. Gen 3,
9)
Onde estás, ó homem? Onde
foste parar?
Neste lugar, memorial do
Shoah (1), ouvimos ressoar esta pergunta de Deus: Adão, onde estás?.
Nesta pergunta, há toda a dor
do Pai que perdeu o filho.
O Pai conhecia o risco da
liberdade; sabia que o filho teria podido perder-se… mas talvez nem mesmo o Pai
podia imaginar uma tal queda, um tal abismo!
Aquele grito "onde
estás?" ressoa aqui, perante a tragédia incomensurável do Holocausto, como
uma voz que se perde num abismo sem fundo…
Homem, quem és? Já não te
reconheço.
Quem és, ó homem? Quem te
tornaste?
De que horrores foste capaz?
Que foi que te fez cair tão
baixo?
Não foi o pó da terra, da qual
foste tirado. O pó da terra é coisa boa, obra das minhas mãos.
Não foi o sopro de vida que
insuflei nas tuas narinas. Aquele sopro vem de Mim, é algo muito bom (cf. Gen
2, 7).
Não, este abismo não pode ser
somente obra tua, das tuas mãos, do teu coração… Quem te corrompeu? Quem te
desfigurou?
Quem te contagiou a presunção
de te apoderares do bem e do mal?
Quem te convenceu que eras
deus? Não só torturaste e assassinaste os teus irmãos, mas ofereceste-los em
sacrifício a ti mesmo, porque te erigiste em deus.
Hoje voltamos a ouvir aqui a
voz de Deus:
Adão, onde estás?
Adão, onde estás?
Da terra, levanta-se um gemido
submisso: Tende piedade de nós, Senhor!
Para Vós, Senhor nosso Deus, a
justiça; para nós, estampada no rosto a desonra, a vergonha (cf. Bar 1, 15).
Veio sobre nós um mal como
nunca tinha acontecido sob a abóbada do céu (cf. Bar 2, 2). Agora, Senhor,
escutai a nossa oração, escutai a nossa súplica, salvai-nos pela vossa misericórdia.
Salvai-nos desta monstruosidade.
Senhor, todo-poderoso, uma
alma, na sua angústia, clama por Vós. Escutai, Senhor, tende piedade!
Pecamos contra Vós. Vós
reinais para sempre (cf. Bar 3, 1-2).
Lembrai-Vos de nós na vossa
misericórdia. Dai-nos a graça de nos envergonharmos daquilo que, como homens,
fomos capazes de fazer, de nos envergonharmos desta máxima idolatria, de termos
desprezado e destruído a nossa carne, aquela que Vós formastes da terra, aquela
que vivificastes com o vosso sopro de vida.
Nunca mais, Senhor, nunca
mais!
Adão, onde estás?
Eis-nos aqui, Senhor, com a
vergonha daquilo que o homem, criado à vossa imagem e semelhança, foi capaz de
fazer.
Lembrai-Vos de nós na vossa
misericórdia!
Papa Francisco, em 26 de
Maio de 2014
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Nota final
É profunda na Verdade de Deus e na negação dos homens projectados no Adão bíblico
- a pergunta pertinente do Papa que
vai beber a essência ao mais fundo da História Bíblica. Impressionou-me a
pergunta do Papa em face de um dos maiores atentados à vida humana que foi o Holocauto.
Naquele mesmo local, onde o Papa
rezou assim, eu - que já tive a graça de pisar o mesmo local - também rezei,
mas não sei que palavras disse a Deus. Sei, sim, que me impressionaram as
fotos, a voz da pessoa que nos ia explicando a grande tragédia e, sobretudo, o
som soturno que se ouvia, como se viesse do fundo do chão e interpelasse a
nossa consciência.
Penso que esta pergunta-Oração do
Papa “Adão, onde estás?” , faz lembrar a pergunta do Papa Bento XVI, quando
visitou o campo de concentração de Auschwitz, “Onde estavas Deus?”
E isto faz-me pensar que quando o
homem - feito à Imagem e à semelhança de Deus se ausenta de ser uma presença no
grande Mistério - torna ausente Deus, o Pai de vida - o que dá toda a razão à velha e sempre nova pergunta
de Deus, “Adão, onde estás?”, feita, agora, pelo Papa Francisco, pondo nela toda
a dor de Deus, porque Nesta pergunta, há toda a dor do Pai que perdeu o filho, como ele constata e chama a nossa atenção.
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(1) - Shoah, foi o nome dado pelo cineasta francês Claude Lanzmann sobre o Holocausto. O filme baseia-se nas suas entrevistas e visitas aos locais onde ocorreu a grande matança em toda a Polónia, em três campos de extermínio nazi.
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