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sexta-feira, 28 de março de 2014

O vendedor de castanhas



O vendedor de castanhas assadas é um dos tipos populares de Lisboa, ainda nos nossos dias.
Sempre que chega o Outono -  que já se foi, por agora, na roda do calendário - aparecem os simpáticos fogareiros, hoje mais sofisticados que os da antiga gravura que se publica, captada do Arquivo Municipal de Lisboa (1960), porquanto, hoje, não apenas o fogareiro mudou de aspecto, mas por força da ASAE, o antigo cartucho de papel da lista telefónica - de preferência amarelo -  foi substituído por um invólucro mais higiénico, ainda que o outro, que se conste, não matou ninguém, até porque a casca do fruto mesmo depois de assado o continuava a proteger.


As castanhas são os frutos capsulares dos ouriços do castanheiro.
Chegaram a Portugal a partir da Ásia e do Cáucaso, e tem estado presente no Ocidente, segundo se crê, há cerca de 100 mil anos com o seu elevado poder calórico que desde o homem da Pré-História, até hoje,o tem ajudado na sua alimentação, sabendo-se que tano o povo grego com  o romano a conservavam envoltas em mel para lhe conservarem o sabor do montado, fazendo-as incluir nos seus lautos banquetes.

Na Idade-Média este apetecido e rico fruto fez parte de Mosteiros e Abadias, onde em muitos deles, a castanha era moída, tornando-se deste modo um farinácio importante e determinante nas suas iguarias, tendo o Renascimento ganho com ela novas formas de requintado aspecto com que chegou a Portugal com as Invasões Francesas.

Hoje - como os tempos mudam - é considerada comumente, uma guloseima da época.


Guloseima, que se come, não só assada, como cozida, mas devendo a sua aura popular aos assadores que percorrem as ruas de Lisboa, perfumando-as com o cheiro apetitoso que é adivinhado de longe pela fumo que se enovela, ao grito característico de "quentes e boas" - o que não é desmentido pelos fregueses mais esquisitos.

Pelo S. Martinho - 11 de Novembro - há restaurantes que no fim do almoço e antes da toma do tradicional café, colocam na mesa um pratinho de castanhas assadas.

E não esqueçamos a sabedoria popular que diz que em dia de S. Martinho não pode ser dispensado: "lume, castanhas e vinho",  ou ainda esta: "é com água-pé, castanhas e vinho que se faz um bom S. Martinho", o que se pode acompanhar, dizendo que nas ruas de Lisboa, o primeiro anúncio do S. Martinho é feito todos os anos pelo simpático e bem característico vendedor de castanhas, que o fadista Carlos do Carmo canta deste jeito, enaltecendo o fruto milenar e o seu assador, a que chama com ternura: O Homem das Castanhas.

Na Praça da Figueira,
ou no Jardim da Estrela,
num fogareiro aceso é que ele arde.
Ao canto do Outono,à esquina do Inverno,
o homem das castanhas é eterno.
Não tem eira nem beira, nem guarida,
e apregoa como um desafio.

É um cartucho pardo a sua vida,
e, se não mata a fome, mata o frio.
Um carro que se empurra,
um chapéu esburacado,
no peito uma castanha que não arde.
Tem a chuva nos olhos e tem o ar cansado
o homem que apregoa ao fim da tarde.
Ao pé dum candeeiro acaba o dia,
voz rouca com o travo da pobreza.
Apregoa pedaços de alegria,
e à noite vai dormir com a tristeza.

Quem quer quentes e boas, quentinhas?
A estalarem cinzentas, na brasa.
Quem quer quentes e boas, quentinhas?
Quem compra leva mais calor p'ra casa.

A mágoa que transporta a miséria ambulante,
passeia na cidade o dia inteiro.
É como se empurrasse o Outono diante;
é como se empurrasse o nevoeiro.
Quem sabe a desventura do seu fado?
Quem olha para o homem das castanhas?
Nunca ninguém pensou que ali ao lado
ardem no fogareiro dores tamanhas.

Quem quer quentes e boas, quentinhas?
A estalarem cinzentas, na brasa.
Quem quer quentes e boas, quentinhas?
Quem compra leva mais amor p'ra casa.

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