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sexta-feira, 23 de setembro de 2016

"Sobre a nudez forte da verdade"...


Gravura da inauguração da estátua (Ramalho Ortigão lê o discurso)
Teixeira Lopes, autor da estátua

Nota: todos os documentos gráficos foram captados da revista "Ilustração Portuguesa"
publicada no dia 16 de Novembro de 1903


Sobre a nudez forte da verdade - o manto diáfano da fantasia.

É o subtítulo do livro "A Relíquia" e segundo se pensa foi ele que inspirou o escultor Teixeira Lopes para dar corpo à formosa estátua erigida no Largo Barão de Quintela, em Lisboa onde foi inaugurada no dia 3 de Novembro de 1903.

Tentando dar uma explicação da frase, acentua-se que em literatura uma epígrafe quer retratar um assunto que serve de assento a um livro e foi com esse subtítulo que Eça de Queirós fundiu esse livro admirável que é "A Relíquia", onde aquilo que fica como que sufocado ou encoberto é a dimensão do real, no caso - A nudez forte da verdade - que, embora, sobressaia naquela obra conotada com a escola realista, tem, contudo, no contexto em que ela foi escrita - o manto diáfano da fantasia - por se tratar duma ficção e não de um relato de algo que tivesse acontecido.

Olhando a estátua, Teixeira Lopes, interpretou magistralmente a epígrafe de que Eça de Queirós se serviu, dando na figura alegórica da Verdade esculpida num lindo corpo de mulher, que ele entendeu devia figurar como algo representativo do artista da palavra que foi Eça de Queirós, apresentando-se-lhe de braços abertos, tendo sobre aquela postura escultórica o olhar profundo do escritor que não só traduz um hino à beleza feminina, como retrata a luta travada pelo escritor entre o que lhe exigia a escola do realismo em vigor na época e o sentimento natural e humano pela fantasia, que é, ao fim e ao cabo, uma necessidade vivencial do homem.
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Ramalho Ortigão, companheiro de Eça de Queirós - e um dos "Vencidos da Vida" o famoso grupo de intelectuais, aqui reproduzido. está sentado à direita do autor de "A Relíquia", tendo-lhe cabido o discurso laudatório do amigo que a morte havia ceifado em 1900.


 Eis algumas das suas palavras:

" Não é um retrato literário do insigne escritor que me proponho traçar- o meu fim é unicamente fazer notar a Lisboa que Eça é, como romancista, o mais fundamental e genuinamente lisboeta de todos os escritores nacionais(...).

 Lisboa foi o seu laboratório de arte, o seu material de estudo, a sua preocupação de crítico, o seu mundo de escritor(...)e, a pouco e pouco, se tornou ele próprio enraizadamente lisboeta. Os seus contos e as suas novelas são o espelho desse consórcio do seu espírito com o espírito da vida lisbonense(...). E nesse vasto cenário toda uma densa população pulula, ama, pensa, estuda, combate, intriga, devora ou boceja...; contemplando o enigmático vulto de mulher olímpica, agora aqui colocado, junto do vulto do meu saudoso amigo, eu concluo perguntando-me se essa gloriosa figura, em vez de personificar uma pura e etérea abstracção estética, não é antes a estátua mesma de Lisboa".

Mudanças "a pau e corda"...

in, "Ilustração Portuguesa" de 1 de Julho de 1907
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As mudanças do mobiliário "a pau e corda" - quando se mudava de casa - no início do século XX, na Lisboa antiga, era assim e, pela sua dureza constituía um trabalho esforçado do qual a gravura nos dá uma ideia bem precisa com estes quatro carregadores que faziam por etapas, conforme a distância a percorrer aquela tarefa.

Quase sempre, cabia a galegos emigrados e residentes na velha Lisboa, este traslado das mobílias, tarefa que faziam, muitas vezes, ao som de cantigas de trabalho que erguiam entre eles, quando se tratava de incentivar sempre que o terreno se inclinava e nos momentos de paragem para um breve descanso, transformando a cantiga numa ordem.

A revista "Ilustração Portuguesa" que no tempo publicou a foto que se reproduz dá-nos conta que era hábito as mudanças de casa ocorreram em meses estivais - como Junho - acrescentando que o lisboeta "tem sobre si um encargo mais pesado que um mundo: é o de arranjar carroças ou galegos que lhe transportem a mobília de um extremo a outro da cidade".

Os galegos que naquela época constituíram em Lisboa uma colónia apreciável dedicando-se a estes serviços e outros ao negócio de taberna, eram normalmente naturais de Tuy ou de Santiago de Compostela.

quinta-feira, 22 de setembro de 2016

Epigrama



Meu querido jovem...



Há quem ande pela vida...



Uma bela e comovente Oração.

Há já muitos anos recebia em minha casa o "REINO", uma publicação a que o seu autor dedicava muito do seu saber apostólico que lhe advinha em grande parte de ser um visitador das cadeias - de homens e mulheres - a quem levava a sua estima e a voz serena da ordenação sacerdotal que recebera.

Um dia - e por isso desejo falar das suas palavras construtoras de vida - no tempo em que corria o ano de 1985, guardei carinhosamente esta Oração de uma reclusa:

Perdão Senhor!
Embora bem intencionado nem sempre acertei…
Eu queria ser flor…  e fui espinho…
Queria ser sorriso… e fui mágoa.
Queria ser luz… e fui trevas.
Queria ser estrela… e fui eclipse.
Queria ser contentamento… e fui tristeza.
Queria ser amiga… e fui adversária.
Queria ser força… e fui fraqueza.
Queria ser amanhã… e fui ontem.
Queria ser paz… e fui guerra.
Queria ser vida… e fui morte.
Queria ser sol… e fui escuridão.
Queria ser calma… e fui tumulto.
Queria ser sobrenatural… e fui terrena.
Queria ser lenitivo… e fui flagelo.
Queria ser amor… e fui decepção.

Recebe, Senhor, em Tuas mãos de misericórdia e perdão infinito, o gosto amargo e contrito desta que te ofendeu tanto e tanto pecou, mas procura em Ti, Senhor, força, fé, coragem e esperança na vida futura!


Extraordinária Oração é esta!

Exemplo de como é possível rezar a Deus falando com Ele e sem obedecer às Orações dos Catecismos - bonitas, é certo - mas sem terem, como esta, a alma a falar e, por isso, numa anotação que então fiz e agora reproduzo, escrevi o seguinte: 

Esta Oração da reclusa que pela suas culpas perdeu a liberdade e aguarda na prisão a paga à sociedade dos seus desvarios, serve-me de ponto de partida - que às vezes ando à procura de palavras bonitas para rezar ao Senhor - quando aquilo que é preciso é deixar o coração falar, dizendo palavras correntes mas que transmitem o sentimento da alma.

E, hoje, que já passaram tantos anos, sinto que as palavras daquela reclusa continuam exactas, profundas e belas, sobretudo pela expressão do seu humanismo, e, como tal, servem de exemplo pela profundidade em que o conhecimento da culpa tem de continuar a ser pelo devir de qualquer tempo, o modo mais natural e singelo de como, mesmo, todo aquele ou aquela, estando privado das sua liberdade, pode libertar-se da cadeia física e chegar a Deus com a sobrenaturalidade que nunca ninguém perde e voar para Ele nas asas que, pelo seu nascimento, recebeu do Pai Eterno.

No fim do apontamento que foi publicado em 26 de Março de 1985, deixei, com amor, estas palavras finais: 

Obrigado, minha irmã reclusa. Obrigado!

E, hoje, que já passaram tantos anos, renovo o meu obrigado, por aquilo que aquela bela Oração me transmitiu e ensinou.

quarta-feira, 21 de setembro de 2016

Coisas do socialismo


O socialismo é a filosofia do falhanço, o credo da ignorância e o evangelho da inveja. A sua inerente virtude é a igual repartição da miséria.
                                                      Winston Churchill
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Bem sei que é uma opinião, mas não é uma opinião qualquer.
Tem a sua génese num dos homens mais brilhantes do século XX que com esta asserção teceu em poucas palavras o retrato do socialismo que ele conheceu bem nos meandros políticos por onde decorreu a sua vida de estadista.

Perguntas... pouco inocentes!


  • Onde é que está o Programa Económico de Mário Centeno, que António Costa levava debaixo do braço no primeiro debate com Passos Coelho, no Museu da Electricidade?
  • Onde é que está tão magno documento?
O tal das "contas certas" de que António Costa encheu a boca... e, ainda que não tenha convencido os portugueses - pois perdeu as eleições - ao que parece, as "contas certas" não eram uma verdade, mas um modo de a driblar... como se a política fosse um jogo de futebol...
  • Onde está tal documento?
  • Essa "bíblia" laica de certezas absolutas... onde está?
E Mário Centeno, certamente, ainda não deu pela perda... porque continua a ser Ministro das Finanças...

Mas muitos portugueses já perceberam que aquilo que veio a acontecer por força do "arranjo" que foi feito com a esquerda radical, fez que envergonhadamente, aquele documento que foi fundamental na propaganda de António Costa se tenha perdido... e, porque, era de vento... anda por aí perdido num vento de desnorte... e, porque é assim, vai ser difícil achar o norte perdido.

Não há bússola que lhe valha... a menos que António Costa mude a agulha... porque o norte existe, mas tem de ser procurado com parceiros que saibam para onde caminham!

Percurso Interior



Brinquedo



O "Big Brother" fiscal


http://expresso.sapo.pt/ de 8 de Setembro de 2016
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DE BRAÇOS CRUZADOS 
O POVO ATÓNITO SENTE-SE MALTRATADO
POR UM PODER QUE NÃO GANHOU, SEQUER, AS ELEIÇÕES!

in. Jornal "O Xuão" de 4 de Agosto de 1908
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O governo que temos quer impor um "Big Broter" fiscal, obrigando os Bancos a delatarem as contas dos seus depositantes acima dos 50.000 euros...

Penso que se está a chegar longe demais... e este governo ou "perdeu a tramontana" ou se não a perdeu está a perder para fazer a vontade a uma esquerda radical que quer acabar com os aforradores, o que se entende pela devassa que tendem tornar oficial das contas bancárias acima daquele montante, como e ter 50.000 euros amealhados seja um fortuna e não um "pé de meia" que cabe ter a qualquer cidadão, tendo em conta o seu modo de se posicionar perante a vida, quantas vezes, tendo-se privado de despesas que lhe pareceram escusadas.

Mas não.

O Partido Socialista com o seu líder, António Costa, não quer saber disto, porque ouve os assobios da esquerda com quem se meteu... o que parece, está a levar o Partido Socialista para um mau caminho, a menos que em Belém lhe torçam o caminho e o Presidente da República meta na ordem António Costa e aqueles que o acolitam.

Vamos esperar para ver até onde chega o desplante de um poder que nem sequer, ganhou as eleições, e é um poder feito nas "costas do povo" que agora não respeita, mas quer atingir com uma medida destas... que como diz o povo "nem ao diabo lembrava"... mas lembrou a eles!

De facto "cabe ao PS pensar"...


"UMA BARRETADA"

in, Jornal "O Xuão" de 31 de Março de 1908
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Que haja coragem e o Partido Socialista da esquerda dos consensos politicamente construtivos que podem - e devem - ajudar Portugal, diga ao povo português que foi um engano - escusado - do pós-eleições do passado dia 4 de Outubro de 2015, "a união das esquerdas", porque se começa a ver que afinal, como era previsível... não cabem todos dentro do mesmo saco... pela simples razão de não serem esquerdas iguais.
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Eis, um desafio que tende a unir o que nasceu desunido:

“cabe ao PS pensar sobre o que representa o capitalismo e até onde está disposto a ir para constituir uma alternativa global ao sistema capitalista”.

Mariana Mortágua (in, reunião de Coimbra promovida pelo PS)
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Quando António Costa escolheu o Bloco de Esquerda (BE) para o ajudar a trepar para a cadeira do poder, sabia ao que e expunha, pela simples razão que até eu, que não sou político na exacta definição do termo, pensei ao que se ia expor o Partido Socialista tão necessário à vida nacional, pelo que esta frase desafiadora nada tem de novo, porque está conforme o ideário do Bloco de Esquerda - que tem toda a legitimidade para dizer o que disse em Coimbra, a que acresceu esta frase contra o capitalismo - e com a coragem de a ter dito ante uma plateia de socialistas, que ao que parece se entusiasmaram com o desafio lançado ao PS: “cabe ao PS pensar sobre o que representa o capitalismo e até onde está disposto a ir para constituir uma alternativa global ao sistema capitalista”.

Por isso, agora, António Costa que responda aos portugueses se o Partido Socialista está disposto - com ele a dirigir as operações - a virar a agulha e meter-se pela via da esquerda radical que, fatalmente, acabará com Portugal em termos económicos dentro da filosofia dos mercados em que, com a nossa entrada na Europa, estamos obrigados a respeitar quanto às regras e ao discurso político que, de modo algum, admite o que vai na cabeça do Bloco de Esquerda.

António Costa tem que se definir e, logo que seja possível, sem medo provocar novas eleições e ter a sabedoria de se enfileirar com credos políticos mais consentâneos com o tempo actual, pela simples razão que Portugal não pode continuar à mercê de discursos obsoletos e fracturantes.

O Partido Socialista tem de pensar não no desafio que lhe lançou a deputada do Bloco de Esquerda, mas no desafio que lhe cabe cumprir para tirar Portugal da crise, ainda que seja preciso reequacionar o modo da sua actual composição de poder político.

terça-feira, 20 de setembro de 2016

"Temos de perder a vergonha"...

http://www.dn.pt/ (17 de Setembro de 2016)
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Temos de perder a vergonha e ir buscar a quem está a acumular dinheiro.

Anda muita gente admirada com este topete de Mariana Mortágua dito em Coimbra numa Conferência Socialista para que o chefe do governo - lugar que para si mesmo procurou a qualquer preço - ouvisse bem.

Não nos admiremos... porque a vergonha perdeu-se logo após as eleições do dia 4 de Outubro de 2015 e o resultado aí está, às escâncaras para que todos vejamos como uma simples deputada do Bloco de Esquerda fala como se fosse um membro do governo: Temos de perder a vergonha...

E não digo mais nada, porque tenho vergonha de Portugal ter caído tão baixo!

segunda-feira, 19 de setembro de 2016

O salvamento da Pátria

in, Jornal "O Zé" de 21 de Novembro de 1911
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O salvamento da Pátria, muito embora os "médicos" que vieram de novo e com ideias novas em 1911 - data desta gravura - não foi então possível dado o estado da doença que já vinha de 1820... tendo-se até agravado o seu estado em nome de uma I República que nasceu doente pelos assassinatos que fez.

Agora vieram novos "médicos" - e como vinham sós chamaram para os acolitar alguns "para-médicos"... mas parece, que a Pátria continua doente, porque as ideias de uns e de outros não se casam verdadeiramente... pois, enquanto uns - os "médicos" - querem operar com métodos menos radicais os "para-médicos" de pouco se importando com a saúde da Pátria advogam que a cura só se fará quando o "bisturi" for de tal modo ao fundo, que a Pátria se não morrer da doença, decerto, vai morrer do susto.

E os "médicos" mais sensatos e sabedores vão consentir nisto?

Um recado para António Costa


Aqui vai o meu recado.

Certamente, sem chegar ao destinatário, mas arrisco, para lhe dizer que mande às malvas a sanha fiscal que o Bloco de Esquerda (BE) tem contra os donos do imobiliário, porque se lhe fizer a vontade vai correr um sério risco do Partido Socialista (PS) se meter num grande sarilho.

E eu sei e defendo que este Partido faz falta à nossa Democracia com a sua matriz europeísta e de maior empenho no fortalecimento do regime que temos, mas longe dos desvarios do BE que agora, para além do agravamento do imobiliário, taxar os que fazem poupanças, como se poupar e ter alguma fortuna desde que angariada legitimamente fosse um crime.

E o PS ouve isto e não diz nada?

Se se abeirarem de ti...



Foges...



domingo, 18 de setembro de 2016

"Tirar um coelho da cartola"!

in, "O Foguetão"
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Desde 1820 que andamos para "tirar um coelho da cartola" e ainda o não conseguimos fazer, o que parece, não abonar dos homens do Liberalismo que fizeram eclodir a sua senha de mudança sócio-cultural numa I República sem norte e na que temos, agora com a "máscara" da Liberdade Democrática, que tem permitido - como aconteceu com o actual governo - ter sido arranjado a "trouxe-mouxe" - ou seja a torto e a direito - ou, ainda, de qualquer maneira porque era preciso haver governo...

Afinal, comecei por dizer que ainda não tiramos "um coelho da cartola" mas enganei-me.
Peço desculpa.
O "mágico" António Costa fez isso.
Até fez mudar o discurso aos que diziam mal de tudo... a começar por ele mesmo!

E se...

in, "O António Maria" de 10 de Janeiro de 1895
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Já foi assim na nos tempos da Monarquia Constitucional... e o nosso povo - bom como é - não aprendeu a lição... parecendo, até, achar graça àquilo que não tem graça nenhuma...
Este "boneco" é ilustrativo ao mostra a figura do povo, como de costume, bonacheirão, a mandar a banda - tocar p'ra outro lado - desconfiado da música que lhe chegava aos ouvidos...

Hoje, é igual.

Portugal anda metido num sarilho económico... mas a música que nos chega aos ouvidos é que estamos a cumprir... ainda que os indicadores económicos da dívida que se acumula - para as próximas gerações pagarem - não deixe de crescer, as exportações tenham definhado e o investimento público esteja quase parado...

E se os músicos que temos desta banda a três, unissem com outros as partituras e nos dessem uma música mais afinada... capaz de ser ouvida?

Domingo XXV do Tempo Comum (Ano C) - 18 de Setembro de 2016

PARÁBOLA DO ADMINISTRADOR INFIEL


 Evangelho de S. Lucas 16, 1-13

Dizia Jesus também aos seus discípulos: Havia certo homem rico, que tinha um administrador; e este lhe foi denunciado como malbaratador dos seus bens. Por isso chamou-o e disse-lhe: Que é isso que ouço dizer de ti? Presta contas da tua administração, pois já não poderás exercê-la. Disse, pois, o administrador consigo: Que hei de fazer, agora que o meu senhor me tira a administração? Cavar não posso; mendigar, tenho vergonha. Já sei o que hei-de fazer, para que, quando for afastado da administração haja quem me receba em suas casas.  E chamando a si cada um dos devedores do seu senhor, perguntou ao primeiro: - Quanto deves ao meu senhor? Respondeu ele: - Cem barris de óleo. Disse-lhe então: - Toma a tua conta, senta-te depressa e escreve cinquenta. Perguntou depois a outro: - E tu, quanto deves? Respondeu ele:- Cem sacas de trigo. E disse-lhe: - Toma a tua conta e escreve oitenta. O senhor louvou aquele vil administrador por ter procedido atinadamente, porque os filhos deste mundo são mais atilados que os filhos da luz no trato com os seus semelhantes. E eu digo-vos a vós: Granjeai amigos com a vil riqueza, para que quando esta vier a faltar, eles vos recebam nas tendas eternas. Quem é fiel nas coisas mínimas é fiel também nas grandes; e quem é injusto nas mínimas coisas é injusto também nas grandes. Se , portanto, não fostes fiéis no tocante à vil riqueza, quem vos há-de confiar a verdadeira? E se não fostes fiéis no alheio, quem vos dará o que é vosso? Nenhum servo pode servir a dois senhores, porque, ou odiará a um e afeiçoar-se-á a outro, ou ligar-se-á a um e do outro não se dará cuidado; não podeis servir a Deus e às riquezas.

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Eis uma parábola para ler e meditar com toda a atenção tendo em vista a forma e o seu conteúdo. Este administrador era, de facto, um homem corrupto e pouco lícito nas suas relações pessoais a ponto de ter sido denunciado ao seu senhor - o  patrão -  que achou por bem, em defesa dos seus interesses económicos, despedi-lo, dizendo-lhe: Presta contas da tua administração, pois já não poderás exercê-la.

Sofreu, este, uma justiça sumária e, secamente foi desautorizado e posto fora dos negócios daquele patrão já farto de ouvir o que diziam dele, desabonatoriamente.
Era um arranjista. Um corrupto.
Porém, e apesar da sua infidelidade, a astúcia que usou mereceu o epíteto de atinado por se ter aliado a um mundo que se comprazia em ser perverso e  infiel aos seus semelhantes e aos olhos de Deus, cuja doutrina não podia aceitar sem uma crítica desfavorável o seu deplorável procedimento.

Esta parábola é de todos os tempos.
Hoje, como então, acontece o mesmo, parecendo, até, que o enredo se enquadra nos jornais sensacionalistas de tantos casos semelhantes que nos contam, mas então, como hoje, mais cedo ou mais tarde vem o tempo do acerto de contas e, aqui, pode pensar-se nas que há que acertar com os legítimos donos, quando a administração é corrupta, como num plano transcendente, se tem de pensar nas contas que todos, um dia, prestaremos a Deus.

Mas voltemos à reflexão do que S. Lucas refere, fazendo-se eco da pregação de Jesus.

Temendo o pior, pelo despedimento que lhe fora ordenado pelos motivos ponderosos apontados e, especialmente, por ser malbaratador dos bens do patrão,  aquele mau funcionário usando a esperteza que costumam ter os filhos das trevas deu em pensar sobre o que devia fazer para ser recebido e acarinhado nos tempos difíceis que se avizinhavam.
Nesse propósito, bom conhecedor das dívidas de alguns homens ao seu patrão, chamou dois deles, possivelmente os mais endividados e que servem de exemplo:

A um deles, perguntou: Quanto deves ao meu senhor?
Coçando a cabeça porque devia muito e algo atrapalhado o devedor, respondeu: - Cem barris de óleo.
Ao tempo cada barril orçava entre 35 a 40 litros, pelo que podemos aquilatar da dívida enorme que estava por liquidar. Dando conta da atrapalhação dele e gozando da proposta que ia fazer e que certamente causaria no devedor um grande contentamento, o administrador infiel, disse-lhe: Toma a tua conta, senta-te depressa – não fosse chegar o patrão -  e escreve cinquenta.
Saiu, como se previa, cheio de satisfação o devedor, agradecido ao ladrão – que o era em toda a linha – com meia dívida já paga pelo ardil do falsário.

Chamou de seguida um outro e a cena repetiu-se: E tu, quanto deves?
Era, também, uma dívida de grande monta. - Cem sacas de trigo, foi a resposta. Usando o mesmo ar de quem estava disposto a aldrabar as contas de que era responsável, disse-lhe pressurosamente: Toma a tua conta e escreve oitenta.
Refere o texto que o senhor - como é referido o patrão no texto evangélico no respeito pelo tratamento dado na época aos empregadores – presume-se, que depois de ter tido conhecimento destes actos fraudulentos, ainda assim - louvou aquele vil administrador por ter procedido atinadamente, e fê-lo porque, como Jesus refere: os filhos deste mundo são mais atilados que os filhos da luz no trato com os seus semelhantes, e ele sabia que fazendo o mesmo o igualava nas mesmas espertezas comerciais.
Eram dignos um do outro. Duas moedas do mesmo jogo.
Por isso o louvou.

Os filhos das trevas conhecem-se, mas zangam-se, por vezes.

Assim aconteceu, neste caso.
Não estando contente com o empregado que dirigia a administração porque era rapace dos seus interesses, contentava-se, apesar disso, com o seu procedimento porque ele era um dos que estavam no seu campo no que tocava à astúcia prudente, que era um modo de viver naquele tempo e, hoje, não deixa de ter – infelizmente para o bem social – a mesma actualidade.
Nesta parábola, Jesus, aprova o princípio – a astúcia – mas desaprova o fim a que ela conduziu.
Nem podia ser de outro jeito.

Inculcou nos discípulos a rectidão que devia presidir ao emprego das riquezas e o modo como eles - e nós - nos devemos servir delas para alcançarmos a morada eterna.
Jesus sabia que o Seu tempo estava a gastar-se e não podia deixar que ele se perdesse em assuntos pouco importantes.
Não se perdia em ninharias.
Em cada minuto havia uma lição a dar. Não havia tempo a perder.
Fazendo aqui um parêntesis no encadeamento desta reflexão, o episódio vivido em Jericó com o rico Zaqueu, o zeloso chefe dos gabeleiros (1) pode explicar e fazer luz sobre o sentido último da parábola do administrador infiel.
Lembremos o que aconteceu.
Como se fosse um pardal, Zaqueu empoleirou-se num dos  sicómoro do caminho por onde ia passar Jesus, para O ver de mais alto já que era de baixa estatura, mas nunca lhe passou pela cabeça que Ele – até por ser um homem rico e chefe dos cobradores de impostos e gozando de má reputação – o chamasse: Zaqueu, desce depressa, pois hoje tenho de ficar em tua casa. (2)

Em consequência desta atitude temerária e apesar de sofrer os comentários desagradados do povo que dizia à boca cheia que Jesus se tinha hospedado em casa de um pecador, o que resultou desta hospedagem foi que aquele homem rico e de má fama, num dado momento do serão, de pé - e este pormenor de estar de pé queria dizer que assumia de corpo inteiro o que ia assentir – expressou a sua vontade. deste modo: Senhor, vou dar metade dos meus bens aos pobres, e, se defraudei alguém em qualquer coisa, devolver-lhe-ei quatro vezes mais. (3)
O que se teria passado?
Que mistério é este que levou num só jantar aquele homem rico a pensar nos pobres, algo que ele nunca tinha feito?

Voltando à parábola do administrador infiel, temos como certo que Jesus quis imprimir um conceito que não sendo novo na sua pregação, precisava de ser lembrado: o amor pelos mais pobres, porque todo aquele que não usa os seus bens para tornar menos pesada a carga deles estava longe de entrar no Reino de Deus.
A acção corrupta daquele administrador fez-lhe vir à mente uma verdade que Ele não deixou cair, sem que tecesse sobre ela um ensinamento adequado: era necessário que os filhos da luz – isto é, os que O seguiam e punham em prática o que ouviam  - tivessem não comportamentos iguais ao do infiel administrador no tocante aos resultados corrompidos da sua astúcia, mas seguir o seu exemplo no tocante a essa mesma astúcia, dando-lhe um sinal diferente expresso no modo como era preciso ganhar amigos, ainda que fosse com o vil dinheiro desde que este resultasse  a favor dos mais pobres, como aconteceu com a visita feita a casa de Zaqueu.

Lição importante, é esta.

Jesus agiu assim e o resultado é o que sabemos.
Num dado tempo havia feito convites para que O seguissem, como aconteceu com o publicano Mateus que exercia o odiado cargo de cobrador de impostos, um homem que todos os dias lidava com dinheiro. Encontrou-o, quando ele se encontrava sentado ao telónio, (4) tendo-lhe feito como aos outros o mesmo convite e numa só palavra: Segue-me!
E assim aconteceu.

Com Mateus, poder-se-á dizer, que Jesus – O Filho Dilecto da Luz de Deus – usou o facto de ser o maior Filho dessa Luz para usar a astúcia evangélica de seduzir para o bem do Reino um homem afeito ao dinheiro que todos os dias cobrava e de cujos capitais vivia, para o chamar a um fim diferente que tinha a ver com a necessidade de se estar mais atento aos pobres, aos mais pequeninos para onde se dirigia toda a solicitude do Pai que O enviara.
Agora, porém, as suas missões haviam evoluído.
A responsabilidade era maior.
Os seus discípulos haviam ganho um estatuto mais grado. Aqueles homens – alguns, eram rudes – estavam destinados a ser Administradores de Deus.

Não podendo ser falsários como foi o administrador infiel, teriam de usar a mesma astúcia que costumam ter os filhos deste mundo que têm por norma cuidar só dos bens temporais, enquanto eles, homens chamados por uma decisão divina muito especial, teriam de ser filhos da luz, verdadeiramente iluminados para atingir e ajudar os seus irmãos ao entendimento e acções consequentes em ordem ao estabelecimento de um Tempo Novo, tendo em vista a atenção devida aos pobres e à conquista das tendas eternas, mercê das suas acções a favor deles.

E Jesus não desarmou no seu verbo acutilante, deixando ficar no ar uma pergunta inquietante, bem ao gosto de quem interpelava de sopetão como Ele admiravelmente o sabia fazer a um auditório que muitas vezes se via obrigado a pedir explicações: Quem é fiel nas coisas mínimas é fiel também nas grandes; e quem é injusto nas mínimas coisas é injusto também nas grandes. Se , portanto, não fostes fiéis no tocante à vil riqueza, quem vos há-de confiar a verdadeira?
Pergunta, que certamente, deixou os apóstolos a pensar.. e a nós, igualmente.

Como resposta, os apóstolo concluíram – e nós teremos de fazer o mesmo – que a atitude de se ser fiel à vil riqueza, tinha – e tem -  como fim a assunção de estarmos atentos ao usufruto dos bens materiais do mundo que de pouco valem em si mesmos, mas fazendo deles um modo de se alcançarem os bens eternos, pois a eles, homens rectos, estava destinado no Céu o usufruto da riqueza verdadeira, que nós, do mesmo modo nos devemos esforçar por merecer.

A lição está aqui.

Serviu a Jesus para falar face a face com os seus apóstolos – a propósito do administrador infiel que usou a sua astúcia para se assenhorear de coisas materiais que nem sequer lhe pertenciam, não fazendo deles outro bem que não fosse para si mesmo, não merecendo por isso, que lhe fosse confiada a riqueza verdadeira - enquanto os apóstolos e todos os outros filhos da luz deveriam utilizar a mesma astúcia no ponto de partida e utilizando o mesmo meio - a vil riqueza - mas excluindo dela em qualquer momento outro fim que não fosse o de a usar para a por a render em ordem ao exercício do bem comum, na linha evangélica da pregação do Mestre: Quando deres um banquete, convida os pobres (...) (5), para que não voltasse a acontecer o que sucedeu com o pobre Lázaro que já se satisfazia com aquilo que caía da mesa do rico, possivelmente, um dos tais infiéis que usavam a vil riqueza num só sentido, como aconteceu com o administrador infiel, que não consta tivesse agraciado um só pobre que fosse.

O ensinamento evangélico desta parábola, aponta nisto: não se pode servir a dois senhores, a Deus e às riquezas, pelo simples e fundamental motivo que servir Deus é amar o pobre, na perspectiva do que foi dito ao jovem rico: Se queres ser perfeito, disse-lhe Jesus, vende tudo o que possuíres, dá o dinheiro aos pobres e terás um tesouro nos céus. (6)



(1)  - Gabeleiros: funcionários que se encarregavam da cobrança dos impostos.
(2)  - Lc 19, 5
(3)  - Lc 19, 8
(4)  - Telónio: mesa onde se recebiam as contas públicas.
(5)  - Lc 14, 13
(6)  - Mt 19, 21