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terça-feira, 7 de janeiro de 2014

O culto...inculto!



Nada, neste momento - e lamento dizer isto - me obriga ter simpatia por Mário Soares que devia comportar-se como um senador de Portugal tão necessitado que anda de cérebros arrumados, que à semelhança dos velhos senadores de Roma, fossem referências para os mais novos e, sobretudo, para os que tinham a gerência do Poder.
Na morte de Eusébio da Silva Ferreira, sepultado ontem, em Dia de Reis, as afirmações de Mário Soares, não se moldam a esta circunstância e são de lamentar, de duas maneiras.

Por ter começado pelo elogio  - algo que costumam revelar, negativamente, todos aqueles que a seguir descarregam em desfavor daquilo que pareciam exaltar as palavras de abertura, seja de uma conversa ou conferência - Era um homem bom, um homem agradável, mas deixando ver às claras o que lhe ia na alma, para rematar com este dislate, dizendo que o grande futebolista - o "homem bom"  era, afinal, um ser - com pouca cultura.

Mário Soares tem um sentido redutor de cultura, porque esta não se confina, apenas, às sebentas académicas, mas tem na vivência do dia a dia uma sebenta que também é sábia, por se fundar no universo onde gravitam os homens - os de cultura académica - e os outros, um facto onde Eusébio da Silva Ferreira, foi um mestre.

Lamenta-se o que foi dito, como se as glórias do mundo só pudessem estar ao alcance dos homens cultos, cheios de verborreia e de prosas floreadas, esquecendo-se que o mundo também está à disposição e as suas glórias, a todos os homens simples e humildes, que pelo facto de o ser se tornam referências por praticarem a cultura da boa educação, como foi o caso do grande futebolista que veio da bola de trapos do seu bairro da antiga Lourenço Marques e do seu campo pelado, até aos relvados mais notáveis, por onde passou a magia do seu arreganho de atleta de eleição.

Mas Mário Soares, sentenciosamente, como se um futebolista lhe estivesse negada a possibilidade de ser um pensador, rematou: Evidentemente, não se estava à espera que fosse um pensador, estava-se à espera que fosse um grande homem do futebol, o que foi.
Aqui, porque a realidade é tão evidente, teve de reconhecer a grande valia do futebolista.
Só que, mais à frente, não dispensou este disparate: Não sabia nada que ele estava doente, sabia que bebia muito whisky, todos os dias, de manhã à tarde, mas julguei que isso não lhe fizesse assim mal. 

Mário Soares não sabia que Eusébio estava doente... mas, então, um homem culto, que o deve ser no sentido transversal onde se move toda a sociedade de que é parte, não lê jornais? - Não ouve os noticiários da Rádio e TV?
Meio mundo - o mundo dos "incultos" - sabia da doença de Eusébio e do seu internamento recente no Hospital da Luz. Só ele não sabia ...

Concluindo, diremos que para este homem, Eusébio da Silva Ferreira era bom, mas era um bruto ignorante, como compete serem  todos os homens que pertencem à classe social do grande futebolista e, não, à dele, um homem acima dos outros mortais.
Este senhor está completamente enganado.
É um homem culto - não se lhe nega esta faceta - mas é um homem inculto do tecido social, sem respeito pelos modestos e simples - como foi Eusébio da Silva Ferreira - que não necessitou da política para ser respeitado e ser amado pelo povo.

É por estas e outras atitudes, que hoje, perdi todo o respeito que me mereceu, porque as suas palavras ditas ou escritas me causam desconforto e alguma tristeza por ver alguém que nasceu num berço de oiro a falar deste jeito, na peugada de outras infelizes afirmações, como as que faz ao actual Presidente da República, sem nos esquecermos do nome que um dia chamou à francesa Nicole Fontaine, que o venceu na eleição para o Parlamento Europeu, em 1999, apelidando-a de "dona de casa", o que prova, o seu marialvismo, como se a mulher que cumpre o papel tantas vezes difícil de dona de casa não lhe merecesse qualquer consideração e fosse gente menor.

Desde aquele dia Mário Soares perdeu o norte.  A "Europa connosco" tinha acabado, mas ele não se tinha apercebido.., embora fosse um homem culto! 
Mas o que é profundamente triste é que - Portugal com ele -  também acabou e há muito tempo, lamentando-se que Mário Soares ainda não tenha entendido isto.

As palavras sobre Eusébio, o homem sem cultura que levou o nome de Portugal - muito mais longe que ele algum dia o fez, apesar das suas muitas viagens - merece o aplauso de todos os portugueses: dos cultos e dos que sendo incultos, literariamente, são cultos na educação e no respeito pelo seu semelhante, como foi Eusébio da Silva Ferreira.


in, Diário de Notícias de 7 de Janeiro de 2014

sábado, 4 de janeiro de 2014

Um juramento... abjurado!




O Juramento de Hipócrates (1)


 Eu juro, por Apolo, médico, por Esculápio, Higeia e Panacea, e tomo por testemunhas todos os deuses e todas as deusas, cumprir, segundo meu poder e minha razão, a promessa que se segue: estimar, tanto quanto a meus pais, aquele que me ensinou esta arte; fazer vida comum e, se necessário for, com ele partilhar meus bens; ter seus filhos por meus próprios irmãos; ensinar-lhes esta arte, se eles tiverem necessidade de aprendê-la, sem remuneração e nem compromisso escrito; fazer participar dos preceitos, das lições e de todo o resto do ensino, meus filhos, os de meu mestre e os discípulos inscritos segundo os regulamentos da profissão, porém, só a estes.
Aplicarei os regimes para o bem do doente segundo o meu poder e entendimento, nunca para causar dano ou mal a alguém. A ninguém darei por comprazer, nem remédio mortal nem um conselho que induza a perda. Do mesmo modo não darei a nenhuma mulher uma substância abortiva.
Conservarei imaculada minha vida e minha arte.
Não praticarei a talha, mesmo sobre um calculoso confirmado; deixarei essa operação aos práticos que disso cuidam.
Em toda a casa, aí entrarei para o bem dos doentes, mantendo-me longe de todo o dano voluntário e de toda a sedução sobretudo longe dos prazeres do amor, com as mulheres ou com os homens livres ou escravizados.
Àquilo que no exercício ou fora do exercício da profissão e no convívio da sociedade, eu tiver visto ou ouvido, que não seja preciso divulgar, eu conservarei inteiramente secreto.
Se eu cumprir este juramento com fidelidade, que me seja dado gozar felizmente da vida e da minha profissão, honrado para sempre entre os homens; se eu dele me afastar ou infringir, o contrário aconteça.


O sublinhado no texto é nosso.
Exprime a minha perplexidade perante o modo como ontem e  hoje – mas, parece, hoje mais que ontem – se não segue à risca o texto de Hipócrates.
O “Juramento de Hipócrates” é um texto único, pela sua forma e, sobretudo, pela humanidade de que se reveste.

Neste tempo em que se torna urgente acordar consciências em todos os campos, parece, que trazer a lume este texto milenar se torna necessário, não só para os técnicos de saúde que praticam o aborto como para todos os homens e mulheres – que esquecendo as responsabilidades que lhe cabem na geração de vidas humanas – tratam de leve este assunto, como se o feto fosse uma coisa e não um sujeito de direitos perante os seus progenitores e perante a sociedade, de que só não vem a fazer parte, porque num dado passo lhe cortaram o processo de crescimento.

Vejamos o que acontece no ventre das mães:

Nas 2 primeiras semanas os 46 cromossomas do zigoto conferiram-lhe uma identidade genética.
Na 3ª semana o coração já bate no embrião nos seus pequenos 3mm.
Na 4ª semana surge a abertura da boca. Começa a formar-se os olhos, ouvidos internos.
Na 5ª semana surgem os traços faciais. Os olhos já tê retina e cristalino. Mãos e pés são aparentes.
Na 6ª semana já tem 12 a 15mm. Surgem as saliências auriculares. Já se recortam os dedos.
Na 7ª semana tem tiróide, glândulas salivares, brônquios, pâncreas, canais biliares e ânus.
Na 8ª semana acaba o período embrionário. Os primórdios dos principais órgãos estão formados.
Na 9º semana tem 5cm. Engole, mexe a língua e chucha no dedo.
Na 10ª semana começam a forma-se as unhas e dentes. Abre e fecha os olhos e emite sons.

Se os homens que geram e legislam as leis nesta Europa ao abandono do Espírito que a formou, tivessem vergonha das leis que fazem, certamente, que tendo em conta a sequência do crescimento da vida intra-uterina, deviam arrepiar-se da sua insensatez e do egoísmo das suas maldades contra a vida.


 Hoje, noticiaram os jornais e a TV que no ano passado nasceram em Portugal menos 11.000 crianças, o que não admira.
Muitas não nasceram por causa da crise instalada.
Outras, porém - não sabemos quantas - não nasceram, vitimadas pela lei do aborto, algo que devia pesar na consciência dos políticos que criaram a lei.
Mas será que pesa?



(1)  - Hipócrates nasceu em  Cós, 460 e faleceu em Tessália, 377 a.C.  É considerado por muitos uma das figuras mais importantes da história da saúde, frequentemente considerado "pai da medicina". Hipócrates era um asclepíade, isto é, membro de uma família que durante várias gerações praticara os cuidados em saúde.
Nascido numa ilha grega, os dados sobre sua vida são incertos ou pouco confiáveis. Parece certo, contudo, que viajou pela Grécia e que esteve no Oriente Próximo.
Nas obras hipocráticas há uma série de descrições clínicas pelas quais se pode diagnosticar doenças como a malária, papeira, pneumonia e tuberculose. Para o estudioso grego, muitas epidemias relacionavam-se com factores climáticos, raciais, dietéticos e do meio onde as pessoas viviam. Muitos de seus comentários nos Aforismos são ainda hoje válidos. Seus escritos sobre anatomia contém descrições claras tanto sobre instrumentos de dissecação quanto sobre procedimentos práticos.
Foi o líder incontestável da chamada "Escola de Cós". O que resta das suas obras testemunha a rejeição da superstição e das práticas mágicas da "saúde" primitiva, direccionando os conhecimentos em saúde no caminho científico. Hipócrates fundamentou a sua prática (e a sua forma de compreender o organismo humano, incluindo a personalidade) na teoria dos quatro humores corporais (sangue, fleugma ou pituíta, bílis amarela e bílis negra) que, consoante as quantidades relativas presentes no corpo, levariam a estados de equilíbrio (eucrasia) ou de doença e dor (discrasia). Esta teoria influenciou, por exemplo, Galeno, que desenvolveu a teoria dos humores e que dominou o conhecimento até o século XVIII.
Sua ética resume-se no famoso Juramento de Hipócrates.

Solenidade da Epifania do Senhor - Ano A - 5 de Janeiro de 2014



Tinha Jesus nascido em Belém da Judeia, nos dias do rei Herodes, quando chegaram a Jerusalém uns Magos vindos do Oriente. «Onde está – perguntaram eles – o rei dos judeus que acaba de nascer? Nós vimos a sua estrela no Oriente e viemos adorá-l’O». Ao ouvir tal notícia, o rei Herodes ficou perturbado e, com ele, toda a cidade de Jerusalém. Reuniu todos os príncipes dos sacerdotes e escribas do povo e perguntou-lhes onde devia nascer o Messias. Eles responderam: «Em Belém da Judeia, porque assim está escrito pelo Profeta: ‘Tu, Belém, terra de Judá, não és de modo nenhum a menor entre as principais cidades de Judá, pois de ti sairá um chefe, que será o Pastor de Israel, meu povo’». Então Herodes mandou chamar secretamente os Magos e pediu-lhes informações precisas sobre o tempo em que lhes tinha aparecido a estrela. Depois enviou-os a Belém e disse-lhes: «Ide informar-vos cuidadosamente acerca do Menino; e, quando O encontrardes, avisai-me, para que também eu vá adorá-l’O». Ouvido o rei, puseram-se a caminho. E eis que a estrela que tinham visto no Oriente seguia à sua frente e parou sobre o lugar onde estava o Meni-no. Ao ver a estrela, sentiram grande alegria. Entraram na casa, viram o Menino com Maria, sua Mãe, e, prostrando-se diante d’Ele, adoraram-n’O. Depois, abrindo os seus tesouros, ofereceram-Lhe presentes: ouro, incenso e mirra. E, avisados em sonhos para não voltarem à presença de Herodes, regressaram à sua terra por outro caminho. (Mt 2, 1-12)

O Mistério, por ser grande,
não nos dá a explicação humana
da atracção sentida pelos Magos
quando viram a Estrela no céu do Oriente
que os conduziu para Ti,
onde chegaram cheios de presentes.

Senhor, hoje, como ontem,
Tu, que continuas a atrair todos os homens,
crentes e pagãos, como Herodes,
aceita os presentes que trazemos
e Te queremos dar.
Como os Reis Magos, 
 - embora pessoas vulgares - 
vemos e caminhamos
iluminados pela Luz da Fé,
a Estrela que nos dás!

Que tudo, em nós mesmos,
e nas coisas que nos rodeiam
se deixem contagiar pela Luz
que há em Ti, e tudo seja cristão.
Que a Tua Estrela continue a ajudar
o sentido mais perto do caminho
que conduza todos os homens
a Ti, ainda que seja longa a noite
e sombrios todos os caminhos!

Senhor, que a Tua Estrela
se abra com mais Luz
sobre a sombra que ainda existe
em tantos caminhos do Mundo!

sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

Américo Durão (1894-1969)



Foto retocada a partir do exemplar 
inserto na "Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira"


De seu nome completo, Américo de Oliveira Durão nasceu na vila do Couço, concelho de Coruche, em 26 de Outubro de 1894 e faleceu em Lisboa, no dia 7 de Março de 1969.
Frequentou a Escola Primária na sua terra natal, mas pelo facto dos seus avós maternos residirem em Leiria foi naquela cidade onde fez a frequência do Liceu, transitando, depois, para Lisboa para ingressar na Faculdade de Direito, no ano de 1917, no mesmo ano em que a poetisa Florbela Espanca passou a frequentar aquela Faculdade.

Este facto ocasional proporcionou entre os dois um relacionamento de índole literária, num tempo em que Américo Durão, era já um poeta de reconhecidos méritos no seio académico.
Publica os seus primeiros trabalhos na página literária de "O Século" em 1919, num tempo em que os jornais de grande expansão, ou não, dedicavam à cultura algum espaço.
Ainda estudante publica o livro "Tântalo" e vê o seu nome consagrado como um promissor sonetista de grande mérito, tendo nessa mesma época - ainda a frequentar a Faculdade de Direito - o prazer de ver representar no Teatro Nacional  D. Maria II, as suas peças, "Perdoar" ; "Maria Isabel" e "Ave de Rapina".

Concluídos os estudos o Poeta torna-se Professor a que se segue a sua carreira de Diplomata, exercendo o consulado em Bilbau e Trieste, a que se seguiu, a sua admissão na Câmara Municipal de Guimarães como Chefe de Secretaria e, por fim, a sua transferência para a Câmara Municipal de Lisboa, como coordenador do Sector de Publicidade e Turismo no ano de 1943.

Foi colaborador de revistas, como  "A Águia": "Contemporânea" e "Seara Nova", nas quais se revelou como um dos mais brilhantes literatos do seu tempo, havendo os que sustentam que a sua veia poética foi beber às escolas humanistas e saudosistas e no entender de Cabral do Nascimento (in, Líricas Portuguesas) a poesia de Américo Durão dirige-se à alma e ao mesmo tempo nos afaga os ouvidos, pela harmonia do verso.

Da sua obra ressaltam os seguintes livros: "Penumbras" (1914); "Vitral da Minha Dor" (1917); "Poema de Humildade" (1917); "Tântalo" (1921); "Lâmpada de Argila" (1930) e "Tômbola" (1942).

Eis alguns dos seus poemas.


A ÁGUA

Eu fui a sombra a converter-se em luz,
E fui a névoa a transformar-se em cor,
E fui o pranto a consagrar a dor,
Quando brilhei nos olhos de Jesus.

E fui a nuvem a buscar a altura,
E recebi do Sol a cor da chama.
Caí na terra e converti-me em lama
Para a tornar melhor e menos dura!

Fui pranto de perdão e de humildade...
E foi nuns olhos cheios de saudade
Que mais linda me fiz e desejei!...

E fui rio... e fui mar... e onda... e espuma...
E, em sonho de Poetas, fui à bruma...
O vago... o indeciso... o que não sei....

in, Penumbras


DIFERENTE

Buscando o vão Ideal que me seduz,
Sem que o atinja me disperso e gasto,
E ansiosamente aos braços duma cruz
Ergo o perfil de iluminado e casto.

Já tristemente desdenhoso afasto
O manto de burel dos ombros nus;
E a noite pisa a forma do meu rasto,
Se deixo atrás de mim passos de luz.

Na minha tez suave e nazarena,
Transparecem vislumbres dessa pena
Que Deus pelos estranhos hà sentido...

E frio e calmo, a divergir da Raça,
Mal poiso os lábios no cristal da taça
Por onde as outras almas têm bebido!

in, Vitral da Minha Dor


EX - LIBRIS

Tomei as cinco chagas para emblema:
Pois trago no meu peito as cinco chagas!
E molho a ponta fina das adagas
No meu sangue, ao escrever este poema!

Vida, passa por mim! Jamais apagas
A minha voz olímpica e suprema:
A Dor não se amordaça, nem se alhema,
Quer cante em verso, ou se revolte em pragas!

Numa tarde em Judeia os fariseus,
A um doce Rabi, filho de Deus,
Pregaram numa cruz por ser o Eleito.

Então, cerrou-se a noite na montanha.
E as cinco chagas dessa tarde estranha
Abrem hoje vermelhas no meu peito!

in, Tântalo

Um mar de montanhas!

.




Agradeço aos autores das fotos

Cântico de amor para P..........


P.........., fica no fundo da uma gamela natural com que Deus a presenteou, a espraiar-se no aconchego da uma condição geográfica singular, com as suas encostas de variegados verdes formando os contrafortes possantes que num passado recente ainda ouviram o balir dos rebanhos e o assobio dos pastores e, hoje, apenas, ouvem o zumbido álacre das abelhas e o coro dos pardais que voltejam estridentes, quando passam sob o sol das manhãs, quando estas despontam a ferir o azul imaculado de um céu sem manchas, que se abre risonho sobre aquele mundo pequeno, mas grande na minha lembrança e na minha recordação.

P.......... é o povoado humilde onde abri os olhos para todas as paisagens do mundo, e à qual regresso sempre desejoso de a rever – por ser única - nos cambiantes que trago emoldurados na arca do peito e me acompanham sempre.
Tenho a certeza que os teus filhos nunca te abandonarão, meu belo torrão natal.

É que tu trazes preso a ti, como uma marca de qualidade, aquele mistério dos povoados que parecem ter surgido das lendas velhinhas que furaram os tempos, sem no entanto terem a sua história firmada nos compêndios da sabedoria académica da Pátria que somos

Ainda assim, é essa aura de sonho e névoa, que constituem a melhor garantia para projectar no futuro o encanto das existência de povoados iguais a ti. Amo-te, por isso mesmo: por seres uma realidade que eu sinto e sem, no entanto,  conhecer a tua origem
Diziam os mais antigos que os teus primeiros habitantes se aninharam na margem da tua ribeira explorando uma mina que saía desta, lá para as bandas do Poço do Seixo..
A bocarra da mina está lá, escondida nas silvas e ramagens de era e musgos, mas o mineral que dela se explorou não se sabe.

Mas é, neste ponto a par de outros que reside o teu encanto, precisamente por não seres uma certeza devassada, mas antes, uma certeza que se afirma em cima da nuvens de um passado longínquo, onde não falta o heroísmo dos meus avós para se firmarem no chão duro das tuas encostas e nos talvegues inóspitos dos teus montes a namorar os vales, que mais não são que as paredes da gamela que tu és e, onde, nos socalcos que firmavam com paredes de pedras soltas entre si, erguiam as minguadas courelas onde plantavam as couves com que cozinhavam o caldo à mistura com as migas da broa de milho e das castanhas que amareleciam no caniço, por cima da lareira.

Tu, P........... transportas, assim, no teu seio a grandeza do desconhecido e todo o mistério da tua existência onde não faltam motivos de recreio para o olhar mais exigente.
A grandeza das tuas encostas verdes firmam nos baixios os leitos apertados das tuas duas ribeiras, onde se ouvem, distintos, os beijos das águas cantantes quando tropeçam nos seixos rolados. E é um encanto quando as águas límpidas, num roçar dengoso e fresco formam aqui e ali lagoas naturais onde nadam os peixes assustadiços, indiferentes ao bucolismo das margens onde crescem os salgueiros com as suas ramadas pendentes a beijar as águas que correm a caminho de um destino longo e muito menos bucólico
Contudo, não te apreciamos como mereces, o que é uma desatenção que fazemos à tua quietude e ao teu ar sadio que é uma benção de Deus que nem sempre temos sabido agradecer.
Mas, tenho a certeza, apesar de algumas desatenções, não morrerás.

Muitos dos teus filhos legítimos e outros adoptivos – mas que são teus filhos, do mesmo modo – não deixarão que aconteça, um dia,  o esquecimento do teu céu azul vivo e forte, da água pura das tuas nascentes, dos verdes dos teus montes e da variedade multicor das flores campestres que em todos os meses de Maio implantam tapetes policromos que apetece percorrer e, até, rolar sobre eles, cantando um hino de amor por tanta beleza espraiada num mar imenso de cores.
Todo o teu conjunto é uma maqueta alegra e viva.

Tu és, o meu melhor brinquedo...
Que nós todos, os teus filhos se lembrem disto: do brinquedo que tu és e o saibamos preservar, para que continues a cumprir o dever de nos encantar e sejas para sempre a magia que nos chama e à qual havemos de continuar a responder, com a poesia de que formos capazes, como aconteceu com os nossos primeiros avós, aos quais homenageamos, lembrando-nos que,


Num certo dia,
num tempo d’outras canseiras
fizeste a tua estadia
na queda das cachoeiras,
bebendo da  água fria
das tuas duas ribeiras.
Depois, como uma flor
abriste um pouco mais.
Nasceu o “Povo de Baixo”
-o teu primeiro amor-
e aconteceste, P..........

Subiste de seguida
e alargaste o teu chão
na Várzea, na Ladeira
e lá no alto, no Caratão.

Foi isto, há muitos anos...
-tempo onde não estive!
Tantos anos, que perdi o conto
a todos os avós que tive.
Mas aponto os teus lugares
que falarão a vida inteira
dos teus antigos lagares
e dos moinhos da ribeira
que já não têm caminho.

Aponto, também,
as encostas da Varejeira
e a água do Regatinho
que por ser tão pura
podemos levar à feira!

Aponto, ainda,
a granja da Cortavinha
e a tua Escola velhinha
que foi uma imensa luz
e é uma saudade minha!

E não esqueço, não
as Voltinhas e o Cabeço
e as terras do Sendão.
E aquele sussurro
da água que se escoa
na Foz do Muro.

E aponto a saudade antiga
do passar dos bois
quando caía a tardinha...
ou, então, ao pino do calor
sob o som da cantiga
do humilde lavrador!

E, não esqueço, não
o Poço do Moinho
onde íamos a banhos
deixando nos montes
os cândidos rebanhos.

E, por fim, aponto
a tua linda Capela
onde Deus se faz presente
na luz de cada vela
e em toda a tua gente!

Setembro, 2002

quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

Deixar sinais!


Foto parcial de um diaporama da qual desconheço o autor 
e a quem agradeço a benevolência de alguma ilicitude cometida


Deixar sinais, eis o que é pedido a cada homem.
O sinal, pode ou não ter estrutura física e, portanto - não ser como o rasto - olhando a imagem do barco que atrás de si deixou impresso nas águas do rio o sinal da sua passagem.

O sinal que nos é pedido, pode ser assim, mas também pode ser, e não menos importante, o que se fundamenta no imaterial da sua essência, imbricando-se na linha espiritual que é um ferrete que acompanha todo o homem, obrigando-o a deixar sinais de si mesmo e dos sítios por onde levou o barco da vida, tendo como princípio e fim uma única coisa: que os sinais sejam profícuos, devendo ser guias para os que, na sua peugada os encontrem, ainda que imaterialmente estampados no influxo deixado pelo seu exemplo.

Olho a imagem que ilustra este apontamento e vejo na atitude do barqueiro a determinação de quem quer deixar o sinal do que segue em frente, à proa do destino - a comandá-lo - sabendo que é o sentido imaterial da sua acção que deixa impresso na água do rio o sinal material da sua passagem.

quarta-feira, 1 de janeiro de 2014

Caminhemos... sempre!




Ali

Ali sofreste. Ali amaste.
Ali é a pedra do teu lar.
Ali é o teu bem, teu lugar.
Ali a praça onde jogaste
o que o destino te quis dar.

Ali ficou tua pegada
impressa, firme, sobre o chão.
Ninguém a vê sob o montão
de cinza fria e poeirada?
Distingue-a, sim, teu coração.

Podem talvez o vento, a neve,
roubar a flor que tu criaste?
Ali sofreste. Ali amaste.
Ali sentiste a vida breve.
Ali sorriste. Ali choraste.

Saúl Dias, in "Sangue"


Neste Ano Novo que hoje começa, o pensamento que vai em epígrafe - segundo a nossa opinião - leva implícita uma norma de vida a seguir, porquanto, nenhum passado de qualquer homem pode ter sido tão inúitil que não tenha algo de bom para o ajudar a situar em cima do tempo novo que a ditadura implacável do calendário impõe.
É aí que se situa o trampolim de que nos fala o antigo Primeiro-Ministro de Reino Unido, Harold MacMillan e que nos deve servir - não para cairmos, sonolentos, em cima do sofá, mas acordados para uma nova caminhada.

Atente-se, depois, na segunda estrofe do poema de Saúl Dias e, logo, no primeiro verso: Ali ficou a tua pegada, enquanto imagem feliz do salto que é preciso dar no intuito de, em consequência do caminho que se deve percorrer, fazer o mesmo e com a mesma firmeza, porque, de acordo com aquilo que ele diz cada passada do homem consciente do seu destino tem de ficar impressa, firme, sobre o chão,servir de um trampolim activo para colocar, decididamente, cada homem no cumprimento do seu dever em cima deste Ano Novo.

Jamais, portanto, fazer do trampolim do passado um meio de nos sentarmos comodamente no Ano Novo, refastelados num sofá aveludado, deixando o tempo correr.
Caminhemos... sempre!´

Podem talvez o vento, a neve,
roubar a flor que tu criaste?

Podem, se nos esquecermos que é do trampolim do passado onde sofremos, mas onde amamos, que é preciso continuar a caminhar, mesmo sofrendo... mas sem nunca nos esquecermos de amar todos os homens e mulheres que tantas vezes nos aliviaram na vida breve os sofrimentos longos.
Caminhemos... sempre!


Um bom Ano Novo para todos os homens e mulheres de Portugal, independentemente de credos políticos, de paixões clubistas, de raças ou regionalismos, porque, é em cima das maiores diferenças que urge construir a unidade.


domingo, 29 de dezembro de 2013

Festa da Sagrada Família de Nazaré - Ano A - 29 de Dezembro de 2013


Depois de os Magos partirem, o Anjo do Senhor apareceu em sonhos a José e disse-lhe: «Levanta-te, toma o Menino e sua Mãe e foge para o Egipto e fica lá até que eu te diga, pois Herodes vai procurar o Menino para O matar». José levantou-se de noite, tomou o Menino e sua Mãe e partiu para o Egipto e ficou lá até à morte de Herodes. Assim se cumpriu o que o Senhor anunciara pelo Profeta: «Do Egipto chamei o meu filho». Quando Herodes morreu, o Anjo apareceu em sonhos a José, no Egipto, e disse-lhe: «Levanta-te, toma o Menino e sua Mãe e vai para a terra de Israel, pois aqueles que atenta-vam contra a vida do Menino já morreram». José levan-tou-se, tomou o Menino e sua Mãe e voltou para a terra de Israel. Mas, quando ouviu dizer que Arquelau reina-va na Judeia, em lugar de seu pai, Herodes, teve receio de ir para lá. E, avisado em sonhos, retirou-se para a região da Galileia e foi morar numa cidade chamada Nazaré. Assim se cumpriu o que fora anunciado pelos Profetas: «Há-de chamar-Se Nazareno». (Mt 2, 15. 19-23)

Senhor Deus, que nos deste 
como maior exemplo
 - o da Sagrada Família -  
dá-nos a graça de a imitarmos 
no respeito, na doçura, na ajuda 
e na defesa da sua integridade
como fez José, o guardião
do Menino e sua Mâe
a fugir para o Egipto, 
para que o Menino, salvo de Herodes,
voltasse dali para salvar o teu Povo
como - há milénios - por Tua vontade
havia acontecido com Moisés,
dá-nos, neste Dia, 
simplicidade, paciência e coragem.

O Menino, Maria e José,
eram três seres diferentes,
mas tinham entre si uma igualdade:
a do Amor.

Senhor, assim seja connosco!
Que as nossas famílias,
tão desiguais, nas pessoas,
sejam iguais no amor mútuo
de que é exemplo a Sagrada Família.
Dá-nos essa unidade.
A que fez da Casa de Nazaré
tão importante, que ainda neste Dia
a glorificamos!

Senhor Deus: 
Que um dia, todas as Tuas famílias
se encontrem Contigo,
na Eternidade da Tua Moradia!

sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

Para Fernando Pessoa a História de Portugal acabou em 1578!?



in, livro "Mensagem-Fernando Pessoa" - edição de Teresa Sobral Cunha - Junho 2013


Nesta edição cuidada do livro "MENSAGEM" de Fernando Pessoa, a pág, 27, o seu autor que ainda o viu publicado, numa nota a que chama: "Uma Explicação do Autor" diz o seguinte, num dado passo:

Notar-se-á que se considera a História de Portugal como fechada nas duas primeiras dinastias, dando-se como não existentes a dos Filipes, a dos Braganças e a República. Assim é. Estes três tempos são o nosso sono; não são a nossa história, senão que representam a ausência dela.

Não se estranhe esta asserção de Pessoa. É preciso entendê-lo em face do "misticismo" nacionalista que perpassa na "MENSAGEM". Para ele, a História de Portugal acabou em 4 de Agosto de 1578, no areal inóspito de Alcácer Quibir, com a morte de D. Sebastião.

E assim, toda a História seguinte, a partir de 1580, ano em que faleceu o cardeal D. Henrique, que nos dois anos em que reinou sofreu a desdita de assistir ao suborno da nobreza portuguesa por parte de Filipe II - neto de D. Manuel - para apoiar a causa da sua pretensão ao trono de Portugal, invocando aquele parentesco.
O que veio a acontecer, como é sabido.
Este foi o sono do primeiro tempo de que o Poeta nos fala, a que se seguiu um sono maior, que durou entre 1640 - com a dinastia dos Braganças repartida entre o absolutismo e constitucionalismo com todo o seu rol de misérias políticas que tiveram fim em 1910 - a que se seguiram outras não menos gravosas -  e, finalmente, o terceiro tempo, ou terceiro sono, a partir da implantação da República a que se seguiu a Ditadura militar (1926-1933) e depois a do Estado Novo, que Pessoa ainda viu implementada, pelo facto de ter falecido em 30 de Novembro de 1935, um ano depois de publicado o seu livro: MENSAGEM.

Por isso, se  levarmos na devida conta o que ele nos diz, embora tivesse 22 anos quando eclodiu a República o País não acordou do sono profundo em que mergulhou em 1580, e tendo vivido, ainda, 25 anos após o derrube da monarquia o novo regime não podia seduzir um liberal fraternitário que não se reviu nos tempos atribulados da 1ª República e das diatribes dos homens que não satisfeitos com a matança real do Terreiro do Paço em 1908, com a mesma senha assassinaram Sidónio Pais em 1918, o Poeta viu esfumar-se o ideal esotérico de um quinto Império, prefigurado nas três partes em que dividiu o seu livro: "Brasão"; "Mar Português" e "O Encoberto", e em todas elas, como que rediviva a imagem de D. Sebastião, o herói que perpassa como um símbolo em todas as páginas da "MENSAGEM".

Maçónico - ou, simplesmente, um iniciado - no ano em que faleceu, revoltou-se em artigo publicado no dia 4 de Fevereiro no jornal "Diário de Lisboa" contra uma proposta do deputado José Cabral de 19 de Janeiro de 1935 - um político que era, então. director-geral dos Serviços Prisionais - e que propunha a extinção das sociedades secretas, mormente a da Maçonaria entrada no reino de Portugal em 1727 através de comerciantes britânicos com estadia em Lisboa, onde fundaram uma loja que ficou conhecida nos registos da Inquisição como a dos "Hereges Mercadores", por serem protestantes quase todos os seus membros.


Concluímos, que - embora desconheça o teor da refutação de Pessoa contra o parlamentar - tenho para mim, que a razão assistia ao deputado da Nação que queria ver extintas todas as sociedades secretas, tal como hoje, devia acontecer, se efectivamente, os deputados que elegemos - e estão de acordo com a proposta do seu antigo colega José Cabral -  não estivessem a dormir, comportando-se como no tempo de que nos fala Fernando Pessoa, porquanto, no decorrer da dinastia dos Braganças, Portugal dormia o seu segundo sono.
E foi nessa postura que sorrateiramente a maçonaria se instalou até hoje no silêncio hermético das suas "lojas", gerindo como pode e sabe e perfeitamente acordada o sono em que o resto do Pais vive mergulhado.

Ao certo pode afirmar-se que Pessoa, apesar do misticismo nacionalista da MENSAGEM, foi - um inimigo radical da Igreja de Roma  conforme confessa na pág.155 deste livro - foi um rosacruciano firmado na contraria hermética de iluminados, denominada: "Rosa-cruz", difundida a partir do século XVI da Alemanha e inserida na tradição esotérica do Ocidente, cujo fim era a prestação à evolução espiritual da humanidade, não se devendo esquecer, que para tanto, contribuiu a educação inglesa que recebeu nos tempos em que permaneceu na África do Sul (1895-1905), em Durban, para onde sua mãe emigrou após o seu segundo casamento.

Mas não podemos dar-lhe razão quanto ao sono português que passou a existir após o cumprimento das duas primeiras dinastias.
Se é verdade que Portugal adormeceu para sonhos esotéricos e parece ter esquecido o sentido nacionalista dos 44 poemas da sua MENSAGEM, com todos os sobressaltos, Portugal vive acordado, já não para a conquista de sonhos como o do "Quinto Império" que Pessoa acalentou na linha concebida pelo Padre António Vieira no século XVII, mas para um tempo em que a realidade dura, embora se não coadune com o sonho da MENSAGEM, não pode esquecer tudo o que está por detrás e encheu de glória as duas dinastias de Portugal, onde Pessoa foi buscar a fonte do formidável livro que legou e que faz dele uma preciosa herança.

quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

Um "aviso"... só para fora?



Com a devida vénia, in, jornal "Diário de Notícias" de 26 de Dezembro de 2013


Neste País acéfalo - onde os culpados se tornaram vítimas - os sobressaltos vão continuar a acontecer, vindos até do próprio governo, razão que me leva a concluir que o recado de Passos Coelho, muito embora seja directamente atirado para aqueles que miram o derrube do seu ou de um outro qualquer governo - são os profissionais do "deita abaixo" -  onde estranhamente, neste tempo, enfileira com eles um  PS armado em "menino mimalho" que olha para o lado sem olhar o prato da sopa que ele mesmo partiu é, também, dirigido para dentro, em especial para o "irrevogável" a quem competia ter tido mais comedimento, quanto ao peso político que o País teve de suportar.
Para bem de todos nós deseja-se para o Ano Novo de 2014 que os sobressaltos que vão continuar a existir, apesar de tudo, nos ajudem a levar "a carta a Garcia".

E Deus criou o homem...






Então Deus disse: "Façamos o homem à nossa imagem e semelhança. Que ele reine sobre os peixes do mar, sobre as aves dos céus, sobre os animais domésticos e sobre toda a terra, e sobre todos os répteis que se arrastem sobre a terra." (Gn 1, 26)
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E formou o Senhor Deus o homem do pó da terra, e soprou-lhe nas narinas o fôlego da vida; e o homem tornou-se alma vivente. (Gn 2, 7)


Reflectindo sobre estes dois versículos do Livro do Genesis, concluímos:

Sobre o primeiro.

Deus ao fazer o homem em último lugar, depois ter criado a luz e o firmamento e tudo o que sob ele está ordenado, imprimiu-lhe a marca de si mesmo, fazendo-o sua imagem e semelhança, dando-lhe, assim, a faculdade do conhecimento (Sl 94,10) e, desse modo, servir como seu administrador e de tal modo tão parecido com Ele que o homem ficou repleto de honra e dignidade (cf Sl 8, 6-9), tendo-lhe o Criador conferindo o exercício da autoridade sobre as todas obras por si criadas.
E tudo aconteceu com uma só palavra: "façamos", o que mostra a vontade de Deus em dar ao sujeito - o cume da sua Obra - o desígnio de ser seu representante e revestido de autoridade, enquanto sua cabeça visível no governo das coisas.
Desse modo - carne e espírito - prefigurando a terra e o céu, passou a ter parte nos desígnios do Eterno sobre a vivência do Mundo.

Sobre o segundo:

Deus ao formar o homem do pó da terra provou que a substância da sua carne e todo seu o admirável suporte material o liga à crosta da Orbe.
Julgado e admitido o princípio da Bíblia não ser um Livro científico, como tal, neste aspecto, a linguagem usada "pó da terra" é uma metáfora que deve ser entendida nos seus aspectos físicos, como a concentraçao harmónica de cálcio, potássio, ferro, etc, ou seja, aquilo que dá consistência ao corpo humano e o mantém erecto.
Situando-nos no passo seguinte, ou seja, no aspecto de Deus ter soprado sobre a criatura o "fôlego da vida" este sopro da divindade acendeu na matéria inerte, a "alma vivente", fazendo assim da dualidade corpo/alma uma unidade em que o lado material - o corpo -  se tornou como havia de dizer S.Paulo, um templo do Espírito Santo ao perguntar, declarando: Não sabeis vós que sois templo de Deus, e que o Espírito de Deus habita em vós? Se alguém destruir o templo de Deus, Deus o destruirá; porque o templo de Deus, que sois vós é santo (1 Co 3,16 -17).
E, que, a alma, por ser uma criatura de Deus, foi dotada de carismas de tal modo especiais que vai guardar até à eternidade uma lembrança do seu Criador, constituindo-se sempre como a primeira manisfestação do Amor de Deus e, logo, atraída para Ele em todo o tempo em que lhe cumpre animar o corpo em todo o seu percurso terreal.


Concluindo, dir-se-á que toda a criatura por ser imagem e semelhança do Criador, é naturalmente impelida a perceber a sua origem através dos seus sentimentos  e virtudes que ao tornar o homem um templo de Deus o obriga que na sua aparência corporal, esta reflicta a saúde da sua alma, o que levou  Voltaire (1694-1778) a declarar o seguinte no seu "Dicionário Filosófico":   
Seria maravilhoso ver a própria alma. 
Mas só a Deus é dado pô-lo em prática. 
Quem mais pode conhecer a própria essência?
Alma chamamos ao que anima. É tudo o que dela sabemos: a inteligência humana tem limites. Três quartos do gênero humano não vão alêm, nem se preocupam com o ser pensante. O outro quarto indaga. Ninguém obteve nem obterá resposta. (...) 

E segue o seu raciocínio com este interessante e esclarecedor diálogo, antecedido de um pequeno intróito:

     Os primeiros filósofos, quer caldeus, quer egípcios, disseram: Forçoso é haver em nós algo que produza o pensamento; esse algo deve ser extremamente subtil: sopro, fogo, éter, substrato, um tênue simulacro, uma enteléquia, um número, uma harmonia. Finalmente, segundo o divino Platão, é um composto do mesmo e do outro. São átomos que pensam em nós, disse Epicuro depois de Demócrito. Mas, meu amigo, como pensa o átomo? Confessa que nem o imaginas.
     Aceita-se seja a alma um ser imaterial. Mas vós não concebeis o que seja esse ente imaterial.
     - Não, - respondem os sábios - porém conhecemos sua natureza: pensar.
     - Como o sabeis?
     - Porque ela pensa. (...)

E a terminar o capítulo dedicado à alma, diz Voltaire:

(...) Parece que só depois da fundação de Alexandria os judeus se cindiriam em três seitas: fariseus, saduceus, essénios. Ensina o historiador fariseu José no livro 13 das Antiguidades que os fariseus acreditavam na metempsicose. Criam os saduceus que a alma se extinguia com o corpo. Para os essénios - é ainda José quem o afiança - a alma era imortal; segundo eles as almas, sob forma aérea, desciam do fastígio do firmamento violentamente atraídas pelos corpos. Após a morte as almas das pessoas boas iam morar além oceano, num país onde não fazia calor nem frio, não ventava nem chovia. Lugar de todo em todo oposto era o desterro das almas ruins. Tal a teologia dos judeus.
 Aquele que devia ensinar todos os homens veio condenar essas três seitas. Sem ele, porém, jamais saberíamos coisa alguma da própria alma. Porque os filósofos nunca souberam nada certo e Moisés, único verdadeiro legislador do mundo antes do nosso, Moisés que falava com Deus face a face e não o via senão pelas costas, deixou os homens em profunda ignorância dessa magna questão. Há apenas mil e setecentos anos que estamos certos da existência e imortalidade da alma.
  Cícero não tinha mais que dúvidas. Seus netos aprenderam a verdade com os primeiros galileus que arribaram a Roma.
   Mas antes disso, e até depois disso em todo o resto da terra onde não penetraram os apóstolos, cada um devia dizer à própria alma: Que és tu? De onde vens? Que fazes? Para onde vais? Tu és não sei que, que pensa e que sente. Mas ainda que pensasses e sentisses cem bilhões de anos, nada saberias por tuas próprias luzes, sem o auxílio de Deus.
Homem! Deus outorgou-te o entendimento para bem procederes e não para penetrares a essência das coisas por ele criadas.


Como nota final apetece dizer:
Se o homem - especialmente aquele que combate a divindade e o Seu poder criador - teima em não entender o que diz a Bíblia e a Igreja que a proclama, que atente nestas palavras cheias de sabedoria de um homem, que todos vêem inimigo da Igreja - e foi-o, efectivamente - mas teve a arte de não negar que na Obra da Criação existe o selo de um Deus que em si mesmo reúne o Mistério insondável das origens que só Ele conhece.