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terça-feira, 11 de abril de 2017

Condenação do Farisaísmo (3ª FEIRA SANTA)


Nos dois dias seguintes ao Domingo que assinalou a sua entrada em Jerusalém, Jesus Cristo viveu-os intensamente, porque bem sabia que se estava a esgotar a sua presença física no meio dos homens.

Todo o dia de segunda-feira foi passado no Templo e se o povo havia abrandado os hosanas com que o haviam acolhido, uma grande parte não se afastava da sua presença, que só deixou de existir quando ao fim do dia regressou ao Monte das Oliveiras, enquanto no campo dos seus opositores crescia a malquerença, estando as supremas autoridades judaicas resolvidas a acabar com a vida de Jesus, desde Caifásm«, aos príncipes dos sacerdotes, escribas e fariseu, em especial estes, que incentivavam Caifás a condenar à morte de Jesus - um agitador do povo - o Imperador romano Pôncio Pilatos.

Jesus, contudo, continuava o seu Ministério.

Daquilo que ouviu neste e nos restante dias que antecederam a sua Crucifixão, S. Mates - um repórter atento - deixou-nos este texto que é bem demonstrativo da forma como Jesus depois de ter falado para os seus e da forma como se deviam comportar 

numa linguagem dura verberou aqueles que se haviam instalado no poder sem cuidarem do povo sofredor e sujeito às suas leis iniquas, desprezando Aquele que viera para as abrogar, substituindo-as pelas Leis de que Ela falava às multidões e lhe mereceram o ódio dos seus inimigos.


Então, Jesus falou assim à multidão e aos seus discípulos:  «Os doutores da Lei e os fariseus instalaram-se na cátedra de Moisés. Fazei, pois, e observai tudo o que eles disserem, mas não imiteis as suas obras, pois eles dizem e não fazem. Atam fardos pesados e insuportáveis e colocam-nos aos ombros dos outros, mas eles não põem nem um dedo para os deslocar. Tudo o que fazem é com o fim de se tornarem notados pelos homens. Por isso, alargam as filactérias e alongam as orlas dos seus mantos. Gostam de ocupar o primeiro lugar nos banquetes e os primeiros assentos nas sinagogas. Gostam das saudações nas praças públicas e de serem chamados ‘mestres’ pelos homens.

Quanto a vós, não vos deixeis tratar por ‘mestres’, pois um só é o vosso Mestre, e vós sois todos irmãos. E, na terra, a ninguém chameis ‘Pai’, porque um só é o vosso ‘Pai’: aquele que está no Céu. Nem permitais que vos tratem por ‘doutores’, porque um só é o vosso ‘Doutor’: Cristo. O maior de entre vós será o vosso servo. Quem se exaltar será humilhado e quem se humilhar será exaltado.

Ai de vós, doutores da Lei e fariseus hipócritas, porque fechais aos homens o Reino do Céu! Nem entrais vós nem deixais entrar os que o querem fazer.
Ai de vós, doutores da Lei e fariseus hipócritas, que devorais as casas das viúvas, com o pretexto de prolongadas orações! Por isso, sereis mais rigorosamente julgados.
Ai de vós, doutores da Lei e fariseus hipócritas, que percorreis o mar e a terra para fazer um prosélito e, depois de o terdes seguro, fazeis dele um filho do inferno, duas vezes pior do que vós!

Ai de vós, guias cegos, que dizeis: ‘Se alguém jura pelo santuário, isso não tem importância; mas, se jura pelo ouro do santuário, fica sujeito ao juramento.’ Insensatos e cegos! Que é o que vale mais? O ouro ou o santuário, que tornou o ouro sagrado? Dizeis ainda: ‘Se alguém jura pelo altar, isso não tem importância; mas, se jura pela oferta que está sobre o altar, fica sujeito ao juramento.’ Cegos! Qual é o que vale mais? A oferta ou o altar, que torna sagrada a oferta? Portanto, jurar pelo altar é o mesmo que jurar por ele e por tudo o que está sobre ele; jurar pelo santuário é jurar por ele e por aquele que nele habita; jurar pelo Céu é jurar pelo trono de Deus e por aquele que nele está sentado.

Ai de vós, doutores da Lei e fariseus hipócritas, porque pagais o dízimo da hortelã, do funcho e do cominho e desprezais o mais importante da Lei: a justiça, a misericórdia e a fidelidade! Devíeis praticar estas coisas, sem deixar aquelas. Guias cegos, que filtrais um mosquito e engolis um camelo!

Ai de vós, doutores da Lei e fariseus hipócritas, porque limpais o exterior do copo e do prato, quando por dentro estão cheios de rapina e de iniquidade! Fariseu cego! Limpa antes o interior do copo, para que o exterior também fique limpo.
Ai de vós, doutores da Lei e fariseus hipócritas, porque sois semelhantes a sepulcros caiados: formosos por fora, mas, por dentro, cheios de ossos de mortos e de toda a espécie de imundície! Assim também vós: por fora pareceis justos aos olhos dos outros, mas por dentro estais cheios de hipocrisia e de iniquidade.

Ai de vós, doutores da Lei e fariseus hipócritas, que edificais sepulcros aos profetas e adornais os túmulos dos justos, dizendo: ‘Se tivéssemos vivido no tempo dos nossos pais, não teríamos sido seus cúmplices no sangue dos profetas!’ Deste modo, confessais que sois filhos dos que assassinaram os profetas. Acabai, então, de encher a medida dos vossos pais! Serpentes! Raça de víboras! Como podereis fugir à condenação da Geena?

Por causa disto, envio-vos profetas, sábios e doutores da Lei. Matareis e crucificareis alguns deles, açoitareis outros nas vossas sinagogas e haveis de persegui-los, de cidade em cidade. Assim cairá sobre vós todo o sangue inocente que tem sido derramado sobre a terra, desde o sangue do justo Abel até ao sangue de Zacarias, filho de Baraquias, que matastes entre o santuário e o altar. Em verdade vos digo: Tudo isto cairá sobre esta geração!» (Mt, 23, 1-36)

domingo, 9 de abril de 2017

"Meu Deus, meu Deus, porque me abandonaste?"


Tudo começou em Domingo de Ramos....



A Igreja Apostólica Romana com a entrada de Jesus em Jerusalém - a que a Liturgia denominou "Domingo de Ramos", tendo em conta os ramos de palmeiras empunhados pela multidão que acompanhou o cortejo que em festa saudou a entrada de Jesus, é uma Festa móvel celebrada todos os anos no Domingo que antecede o Domingo de Páscoa - insere na Liturgia deste Domingo o Salmo 22 (21).

Dá-se, com ele e as restantes Palavras de todas as leituras litúrgicas o início da Semana Santa e é, por isso, que este Salmo é cantado com a intenção de introduzir desde este momento o clima vivencial da Semana Maior que lembra a Morte e Ressurreição do Filho de Deus.

Convém frisar - para os menos atentos - que a exclamação de Jesus: "Meu Deus, meu Deus, porque me abandonaste" não é de alguma perplexidade ou angústia dirigida a Deus, como se lhe fizesse sentir um "abandono", mas é, literalmente, a recitação de um velho Salmo do rei David, rei de Judá e de Israel, que viveu entre os anos 1003 a 971 antes de Cristo, e que Jesus bem conhecia da leitura que era feita nas sinagogas.

Não é, por isso, aceitável a ideia que em alguns meios menos cultos das Escrituras, senão malévolamente, se diga que naquele Acto Supremo em que Jesus Crucficado antes de expirar, apresentou a Deus estas Palavras como se traduzissem um queixume,

Do LIVRO DOS SALMOS reproduz-se na íntegra a primeira das três partes em que o Salmo 22 - de acordo com numeração hebraica -  e (21) - de acordo com a versão da Vulgata - é dividido.

1 - Ao Director do coro. Pela melodia «A corça da aurora».
Salmo de David.

2 - Meu Deus, meu Deus, porque me abandonaste,
rejeitando o meu lamento, o meu grito de socorro?
3 - Meu Deus, clamo por ti durante o dia e não me respondes;
durante a noite, e não tenho sossego.

4 - Tu, porém, és o Santo
e habitas na glória de Israel.
5 - Em ti confiaram os nossos pais;
confiaram e Tu os libertaste.
6 - A ti clamaram e foram salvos;
confiaram em ti e não foram confundidos.

7 - Eu, porém, sou um verme e não um homem,
o opróbrio dos homens e o desprezo da plebe.
8 - Todos os que me vêem escarnecem de mim;
estendem os lábios e abanam a cabeça.
9 - «Confiou no SENHOR, Ele que o livre;
Ele que o salve, já que é seu amigo.»

10 - Na verdade, Tu me tiraste do seio materno;
puseste-me em segurança ao peito de minha mãe.
11 - Pertenço-te desde o ventre materno;
desde o seio de minha mãe, Tu és o meu Deus.
12 - Não te afastes de mim, porque estou atribulado
e não há quem me ajude.
(...)

Não havia de ficar indiferente a este Salmo o poeta, sacerdote e teólogo nicaraguense Ernesto Cardenal, que, tendo-se servido do antiquíssimo lamento do rei David, no-lo apresenta do seguinte modo, numa linguagem actual, mas cheia de sentido, onde não falta o lamento secular dos seus irmãos num tempo agitado vivido na Nicarágua e em que ele, à revelia da Igreja Católica, seguiu uma linha que lhe mereceu alguns reparos, sem contudo deixar de ser importante a arte poética de que ele e serviu para lembrar aquela frase de Jesus dita  do alto da Cruz, a culminar um acto começado em Domingo de Ramos:

Meu Deus meu Deus por que me abandonaste?
Sou uma caricatura de homem
o desprezo do povo
Riem de mim em todos os jornais.

Rodeiam-me os tanques blindados
estou sendo apontado pelas metralhadoras
e encerrado em cercas de arame farpado
as cercas eletrificadas
Todo dia me fazem chamada
Tatuaram-me um número
Fotografaram-me dentro da cerca
e é possível contar meus ossos
como numa radiografia.

Levaram-me todos os documentos de identidade
Conduziram-me nu ante a câmara de gás
e se compartiram minhas roupas e meus sapatos
Grito pedindo morfina e ninguém me ouve
grito sob a camisa de força
grito a noite inteira no asilo de doidos
na sala dos doentes incuráveis
no corredor dos enfermos contagiosos
no asilo de velhos
agonizo banhado de suor na clínica do psiquiatra
afogo-me na câmara de oxigénio
choro na delegacia
no pátio da prisão
no quarto de torturas
no orfanato
estou contaminado de radioatividade
e ninguém se aproxima para não se contagiar.

Mas eu poderei falar de Ti aos meus irmãos
Eu Te elevarei na reunião de nosso povo
Ecoarão os meus hinos no meio de um grande povo
Os pobres terão um banquete
O nosso povo celebrará uma grande festa
O povo novo que vai nascer

Salmo 21
in, Breve Antologia da Poesia Cristã Universal
Organização de Sammis Reachers
Tradução de Thiago de Mello

Dá que pensar como Erneso Cardenal com a sua arte poética burilou o velho Salmo do rei David, possivelmente, por aquilo que aconteceu com a sua participação na Revolução de Abril de 1954 contra Anatácio Somosa Garcia,  um golpe falhado que terminou com a more de muitos dos seus amigos e companheiros, e em que ele, cheio de coragem, tendo sobrevivido, e sem se esquecer de Deus, lhe diz: 

Mas eu poderei falar de Ti aos meus irmãos
Eu Te elevarei na reunião de nosso povo
Ecoarão os meus hinos no meio de um grande povo
Os pobres terão um banquete
O nosso povo celebrará uma grande festa
O povo novo que vai nascer.

Domingo de Ramos - Início da Semana Santa

Hosana! 
Bendito o que vem em Nome do Senhor!



Socorro-me de uma pequena parte do Capítulo II do Sermão do Dia de Ramos pregado em 1656 pelo Padre António Vieira, para deixar este apontamento eclesial, certo que não podia ter escolhido melhor cultor dos textos sagrados, sendo meu desejo, não deixar passar este Dia em  que o Cordeiro Pascal entrou em Jerusalém, convicto que n'Ele se cumpriam as velhas profecias que apontavam, havia séculos, a imolação do Filho de Deus para dar lugar a um Tempo Novo.

(…)
Começou a chover o dilúvio de Noé: alagaram-se na primeira semana os vales e os quartos baixos dos edifícios; subiram-se os homens aos quartos altos. Choveu a segunda semana; venceram as águas os quartos altos, subiram-se aos telhados. Choveu a terceira semana: sobrepujou o dilúvio os telhados, subiram-se às torres. Choveu a quarta semana: ficaram debaixo das águas as torres e as ameias mais altas, subiram-se aos montes. Choveu a quinta semana: ficaram também afogados os montes, subiram-se finalmente às árvores, e assim estavam suspensos e pegados nos ramos. Postos neste estado os homens, já não tinham para onde subir, e não lhes restava mais que uma de duas: ou nadar, ou acolher-se à Arca, ou deixar-se afogar e perecer no dilúvio. Oh! se nos víssemos bem neste grande espelho! E quantos de nós estamos hoje no mesmo estado!

Desde o princípio da Quaresma começou Deus a querer-nos conquistar as almas, e nós sempre a retirar e a fugir de Deus de semana em semana.
Passou a primeira semana da Quaresma, guardamo-nos para a segunda; passou a segunda, deixamo-nos para a terceira; passou a terceira, esperamos para a quarta; passou a quarta, dilatamo-nos para a quinta; passou a quinta, apelamos para a sexta; já estamos na sexta e na última semana deste dilúvio espiritual, já estamos, como os do outro dilúvio, com as mãos nos ramos das árvores, ou com os ramos das árvores nas mãos: "Caedebant ramos de arboribus". (1)

Em dia de ramos estamos, e chegados a este dia e a esta semana precisa, em que não há já para onde retirar, que é o que nos resta? Ou afogar e perecer, ou resolver e nadar para a Arca. Os daqueloutro dilúvio não podiam nadar nem salvar-se na Arca de Noé, uns porque estavam muito longe, outros porque não sabiam dela, e todos porque a Arca não tinha mais que uma porta, e essa estava fechada por fora, e tinha Deus levado as chaves, como diz o texto. Cá no nosso dilúvio não é assim. O Noé é Cristo, Salvador e reparador do mundo, e a Arca em que salvou o gênero humano é a sua cruz. Assim lhe chama a Igreja no hino corrente deste tempo: "Atque portum praeparare Arca mundo naufrago". (2)

O antigo Noé não tinha porta por onde recolher os que se quisessem valer da Arca; mas o nosso Noé divino está com cinco portas abertas, e abertas em si mesmo, para recolher e salvar todos os que se quiserem valer dele e de sua cruz. Oh! que diferente dilúvio é este daquele! Naquele morreram todos os homens, e salvou-se só Noé; neste morreu e afogou-se só o divino Noé: "Veni in altitudinem maris, et tempestas demersit me" (3) para que todos os homens se salvem. Os que pereceram naquele dilúvio são os que não se quiseram persuadir, e se foram dilatando até que não tiveram remédio.

E será bem que nós, chegados a este dia, ainda nos dilatemos mais, e pereçamos  como eles? Perecer não, cristãos, pelo que nos merece o amor de Cristo e suas santíssimas chagas. Aproveitemo-nos ao menos destes poucos dias da Semana Santa, já que dos de toda a Quaresma nos não soubemos aproveitar.
(…)

(1)  - Cortavam ramos de árvores (Mt. 21, 8).
(3)  - Cheguei ao alto-mar, e a tempestade me submergiu (Sl. 68, 3).
(3) -  Eis aqui agora o tempo aceitável (2 Cor. 6, 2).

Padre António Vieira
in, Capítlo II do Sermão do Dia de Ramos (1656)

sábado, 8 de abril de 2017

A unção de Betânia

Igreja de Santa Maria de Betânia, Santa Marta e São Lázaro, em Betânia
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Faz hoje anos que esta cena aconteceu.em Betãnia. uma antiga aldeia da velha Judeia, então chamada al-Eizariva e, hoje, situada na actual Cisjordánia, distando cerca de três quilómetros de Jerusalém.

Era lá, na casa dos seus amigos, Maria, Marta e Lázaro que Jesus costumava ser recebido de todas as vezes que se dirigia a Jerusalém, como aconteceu no fim do seu ministério terreno, durante a Páscoa, que nos apresenta Marta a mais velha das duas irmãs, sem se dispensar de todos os encargos em servir Jesus, enquanto Maria tinha o hábito de se quedar bem perto de Jesus a aprender ensinamentos.

Naquela passagem, Lázaro havia morrido havia quatro dias e é ressuscitado por Jesus para honra e glória de Deus e, selar assim, antes da sua Ressurreição aquele milagre que não foi o último, porque este se deu com a cura da orelha decepada por Pedro num dos soldados que o prenderam no Monte das Oliveiras.

Se meditarmos na cenas domésticas havidas em Betânia, onde não apenas Marta e Maria o queriam hospedar em conjunto com os seus discípulos, onde não faltou o banquete em casa de Simão que Jesus curara da lepra, ressalta o modo como Maria sai do banquete e vai a casa e tomou um vaso de alabastro e voltando, aproximou-se de Jesus para despejar sobre a sua cabeça aquele óleo perfumado, um gesto que irritou, sobremaneira, Judas e julgando que tinha sido um desperdício, quando, afinal, Maria - hoje Santa Maria de Betânia - o que fez foi realizar um sinal que teve a ver com a unção por obra e graça do Espírito Santo, de ordem sobrenatural e é por isso que o Evangelista S. Marcos chama a esta cena: A Unção de Betânia, descrevendo-a do seguinte modo: 



Jesus encontrava-se em Betânia, na casa de Simão, o leproso. Estando à mesa, chegou uma certa mulher que trazia um frasco de alabastro, com perfume de nardo puro de alto preço; partindo o frasco, derramou o perfume sobre a cabeça de Jesus.
Alguns, indignados, disseram entre si: «Para quê este desperdício de perfume? Podia vender-se por mais de trezentos denários e dar-se o dinheiro aos pobres.» E censuravam-na.  Mas Jesus disse:
«Deixai-a. Porque estais a atormentá-la? Praticou em mim uma boa acção! Sempre tereis pobres entre vós e podereis fazer-lhes bem quando quiserdes; mas a mim, nem sempre me tereis. Ela fez o que estava ao seu alcance: ungiu antecipadamente o meu corpo para a sepultura. Em verdade vos digo: em qualquer parte do mundo onde for proclamado o Evangelho, há-de contar-se também, em sua memória, o que ela fez.» (Mc 14, 3-9)

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Segundo assevera L. Cristiani no seu livro JESUS CRISTO o banquete em casa de Simão ocorreu ao cair da tarde de Sábado, dia 1 de Abril, e segundo este autor, Judas não se impressionou com as Palavras de Jesus, porque o peso da traição havia tomado conta dele, como veio a acontecer.


sexta-feira, 7 de abril de 2017

Ler e meditar sobre os "PENSAMENTOS" de Blaise Pascal

(...)

Sabemos que há um infinito e ignoramos a sua natureza, assim como sabemos que é falso que os números sejam finitos; é, pois, verdade que há um infinito em número, mas não sabemos o que ele é. É falso que seja par, é falso que seja ímpar; porque, acrescentando-lhe a unidade, ele não muda de natureza: no entanto, é um número, e todo número é par ou é ímpar; isso é verdadeiro para todos os números finitos.

Pode-se, pois, saber que existe um Deus sem saber o que ele é.

Conhecemos, pois, a existência e a natureza do finito, porque somos finitos e extensos como ele.

Conhecemos a existência do infinito e ignoramos sua natureza, porque ele tem extensão como nós, mas não tem limites como nós. Não conhecemos, porém, nem a existência nem a natureza de Deus, porque ele não tem extensão nem limites.
Mas, pela fé, conhecemos sua existência; pela glória, conheceremos sua natureza.

(...)

Blaise Pascal
in,"Pensamentos"
Artigo II - O que é mais vantajoso acreditar ou não acreditar na Religião Cristã.

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Sem comentários.

"A Lenda da Ferradura" - Um poema de Goethe




A Lenda da Ferradura

Quando ainda obscuro
e desconhecido
Nosso Senhor andava na terra
e muitos discípulos o seguiam
que raras vezes o compreendiam,
amava doutrinar as massas
nas ruas amplas e nas praças,
pois à face dos céus a gente
fala melhor e mais livremente,

Ali dos seus divinos lábios
fluíam os ensinamentos mais sábios;
pela parábola e pelo exemplo
faziam de cada mercado um templo.

Certa vez que, em paz e santidade,
com os seus chegava a uma cidade,
viu qualquer coisa luzir na estrada;
era um ferradura quebrada.

Disse a S.Pedro com brandura:
"Pedro, apanha essa ferradura!"

Porém S. Pedro no momento
tinha ocupado o pensamento;
absorto em êxtase profundo,
sonhava-se o dominador do mundo,
rei, papa, ou tal que se pareça,
aquilo enchia-lhe a cabeça!
E havia de dobrar a espinha
por uma coisa tão mesquinha!

Se fosse um ceptro, uma coroa,
mas uma ferradura à-toa!...
E foi seguindo distraído,
como se não tivesse ouvido.

Curvou-se Cristo com doçura
celeste,angélica, humilde;
ergueu do chão a ferradura.
E quando entraram na cidade
vendeu-a em casa de um ferreiro.
Comprou cerejas com o dinheiro,
guardando-as à sua maneira
na manga, à falta de algibeira.

Dali saíram por outra porta.
Fora a campanha estava morta;
nem flor nem a sombra;
ao longe, ao perto,era o silêncio,
era o deserto,era a desolação; ardia,
torrava, o sol do meio dia.
Que não valia em tal secura
um simples gole de água pura!

Nosso Senhor caminha à frente
Deixa cair discretamente,
Furtivamente, uma cereja
que Pedro apanha,
salvo seja,com cabriolas de maluco.
A frutinha era mesmo o suco.

Outra cereja no caminho
atira o mestre de mansinho,
que Pedro apanha vorazmente.
E assim por diante, não uma vez somente
fê-lo o Senhor dobrar a espinha
mas tantas vezes quantas cerejas tinha.

Durou a cena um bom pedaço.
Por fim, disse o Senhor com ar prazenteiro:
Pedro se fosses mais ligeiro
não tinhas tido este cansaço.
Quem cedo e a tempo ao pouco não se obriga,
tarde por muito menos se afadiga.

Goethe

Tradução de Alberto Ramos
in, Breve Antologia de Poesia Cristã Universal
edição de Sammis Reachers

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Agora que nos aproximamos do Domingo de Ramos que assinala a entrada de Jesus em Jerusalém para ar início à SEMANA MAIOR do Cristianismo, "A Lenda da Ferradura" admiravelmente contada por Goethe é, um exemplo que parece datar de um tempo em que os Apóstolos que seguiam Jesus - e neste caso S. Pedro - ainda não tinha a dimensão cabal do Mistério que havia na vida humana e divina do Homem de Nazaré.

São d'Ele bem conhecidas as Parábolas, com ais quais numa linguagem figurada mas cheia de comparações e de elementos comuns à época, transmitiam ensinamentos ligados à moral, à virtude, à sabedoria e à doutrina que Ele transmitiu aos homens de todos os tempos.

Goethe, nesta "Lenda da Ferradura" deu o exemplo do que se entende pelo significado da Parábola e sem que esta conte nas 44 que a Bíblia refere - o sentido vai beber por inteiro aos ensinamentos do Mestre -  e  de tal modo que o escritor alemão fez questão de deixar bem patente, na última estrofe, a conclusão de que, 


Quem cedo e a tempo ao pouco não se obriga,
tarde por muito menos se afadiga.


Eis, porque, tomando como ontem -  os tempos em que Jesus, depois de ter deixado bem clara a Mensagem que trazia de Deus se aproximava de Jerusalém para ser crucificado - e o tempo de hoje, os ensinamentos que Ele deixou continuam indelevelmente ligados à História dos homens para todo o sempre.

quinta-feira, 6 de abril de 2017

No céu se pagam os males...


Dois poemas de Júlio Dinis



C . . .

Não meças o amor pelo tempo que dura;
Ontem amei-te mais nessa hora tão ligeira,
Senti maior prazer, gozei maior ventura,
Do que ao pé de ti passasse a vida inteira.

Deixa que esta paixão termine com o dia,
Efémera cecém nascida à madrugada,
E que ao cair do Sol, nessa hora de poesia,
Deixou pender no chão a fronte desfolhada.

Fiquemos sempre assim, um ao outro ignorados
Nestas vagas regiões duma paixão nascente.
Sigamos cada um caminhos separados;
Com uma hora de amor a alma é já contente.

Lisboa 1869.


A ROMEIRA

Onde é que vais tão garrida,
Lenço azul, saia vermelha;
Pareces-me mais crescida
Ai, filha, fazes-me velha!

Mas... inda agora reparo,
Cordão novo e arrecadas!
Onde vais nesse preparo
E com estas madrugadas?

— Onde vou ? à romaria
Da Senhora da Bonança.
Querem ver que não sabia
Que era hoje? Ai que lembrança!

— Que queres tu, rapariga,
Se toda a minha canseira
É fiar a minha estriga
Ao canto desta lareira.

Ora o Senhor vá contigo.
— Fique em paz minha madrinha.
— A casa voltes sem perigo.
Olha lá, vem à noitinha!

— Ai venho, logo às trindades,
Que é que quer que eu lhe traga?
— Como me levas saudades
Traz-me saudades em paga.

Pois trarei e até à vinda,
Adeus que há muito amanhece.
— Vai, que romeira tão linda
É que lá não aparece.

1857.

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Júlio Dinis, pseudónimo literário de Joaquim Guilherme Gomes Coelho (1839-1871), médico de formação académica na Escola Médio-Cirúrgica do Porto (1861), vitimado pela tuberculose, nos 32 anos que teve de vida deixou uma notável obra literária, sendo mais conhecido por um cultor exímio de uma prosa que foi beber à ruralidade sadia e ao bucolismo das gentes e dos campos do Minho que lhe serviram de teia, onde teceu as figuras populares que enchem de encanto os seus livros.

Menos conhecido nas Letras Portuguesas como Poeta, reuniu num único volume o acervo das suas poesias divididas três partes e é desse livro que se reproduzem estas duas poesias - C... e A Romeira - que nos dão do autor a beleza de uma pena simples, que sem prejudicar a arte poética a exalta de um modo que ficou ímpar na Poesia portuguesa, especialmente, no modo como ele descreve as cenas - que são quadros pintados com letras - como acontece no diálogo travado entre a romeira e a tecedeira, sua madrinha.

Sobre a primeira das composições, aqui plasmadas, e que o Poeta dedica a um Senhora - C... -  datada de Lisboa  e do ano de 1869, dois anos antes da sua morte - ficará para sempre ignorada a dama-heroína do poema, mas deixando-se perceber que nunca tendo casado, conhecedor, a que acrescia o seu estatuto de médico, da doença fatal que lhe ceifou a vida no fulgor da idade, Júlio Dinis, a ter em conta a seriedade de que encheu a sua vida e o modo como criou as suas figuras literárias - muitas delas retiradas da realidade vivencial que ele conheceu de perto - ao dedicar aquele poema a - C... - transportou para ele uma realidade amorosa que viveu e a que, pelo seu estado de saúde, não pode corresponder.

Eis, porque, não deixa de ser comovente aquilo que ele escreveu:

Não meças o amor pelo tempo que dura;
Ontem amei-te mais nessa hora tão ligeira,
Senti maior prazer, gozei maior ventura,
Do que ao pé de ti passasse a vida inteira.

Comovidamente, tiro o meu chapéu à memória de Julio Dinis que encheu a minha juventude de uma prosa escorreita, simples e pura nos ideais que ele soube viver e criar.

quarta-feira, 5 de abril de 2017

Duas palavras sobre um poema de Miguel Torga


ESPERANÇA

Tantas formas revestes, e nenhuma
Me satisfaz!
Vens às vezes no amor, e quase te acredito.
Mas todo o amor é um grito
Desesperado
Que ouve apenas o eco...
Peco
Por absurdo humano:
Quero não sei que cálice profano
Cheio dum vinho herético e sagrado.

Miguel Torga


Ao homem comum  - e Miguel Torga não foi um homem destes - na sua passagem pelo arco da vida, não raro se lhe depara no dia a dia uma dicotomia que o Poeta e com razão chama um absurdo humano, ou seja, ser um anjo ou um demónio e dar consigo a beber um vinho herético e sagrado, que ora lhe sabe a um néctar sem casta de fama, ora o regala, como se bebesse um vinho de Arhanes, da ilha de Creta.

Contudo, Miguel Torga deu a este poema o nome de ESPERANÇA, o que traduz, com excelência o drama do homem comum que vive na procura de ser mais anjo que demónio, nesta luta entre o MAL e o BEM, possivelmente, a causa deste Mundo desejar - sem se saber como - beber pelo cálice profano onde se misturam estes dois sentimentos humanos... mas, sem se esquecer da ESPERANÇA de um dia vir a beber o vinho sagrado, que o torne, entre os seus iguais, mais anjo que demónio.

terça-feira, 4 de abril de 2017

Uma reparação complicada!



Quando conseguirmos concertar o homem, 
consertaremos o Mundo!
(Autor Desconhecido)
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Eis-nos perante uma operação complicada e, de tal monta, que o homem - no seu todo - depois de tantos milénios sobre milénios continua desarranjado, ainda que tenha à mão Aquele que melhor conhece a Obra que criou e é, por isso, pela falta de amor humano, o "óleo" que lhe podia consertar a "máquina" ela continua a ter um som de "ferro.velho".

A viver no meio dos seus barulhos!

Foi, por isso, que o "Autor desconhecido" conhecedor deste desarranjo, ao olhar em seu redor, entendeu que só consertando o homem - representando nele a Humanidade - seria possível dar outro rosto a uma Humanidade desavinda consigo mesmo... o que nos leva a concluir que vamos continuar a pesar com o fardo de Caim ter dado a morte a seu irmão Abel, com o desplante de ter respondido a Deus, com outra pergunta: 

  • "Onde está Abel, teu irmão"? 
  • "Não sei; sou eu guardador do meu irmão"?

O desconcerto do Mundo começou naquele momento.
Ninguém é guardador de coisa alguma... e de ninguém... e é por isso que o concerto do homem - como único meio de consertar o Mundo - vai continuar a ser uma reparação complicada!

Se aquilo que a gente sente...


sábado, 1 de abril de 2017

Há pessoas muito altas...


Levantamento da excomunhão de Martinho Lutero?


O Papa Francisco recebeu na manhã do passado dia 31 de Março na Sala Clementina os participantes no Congresso organizado pela Pontifícia Comissão de Ciências Históricas, por causa do quinto centenário do início da Reforma.


Ipsis-verbis transcrevem-se as palavras do Papa.
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SAUDAÇÃO DE SUA SANTIDADE PAPA FRANCISCO
AOS PARTICIPANTES NA REUNIÃO PROMOVIDA PELA
O PONTIFÍCIO COMITÉ DE CIÊNCIAS HISTÓRICAS:
"LUTHER: 500 ANOS MAIS TARDE"

Clementine Hall
Sexta-feira, 31 de março de 2017 

Queridos irmãos e irmãs,
Senhoras e senhores,

Tenho o prazer de saudar todos vocês e de lhes oferecer uma calorosa recepção. Agradeço ao Padre Bernard Ardura por sua introdução, que resume o propósito de sua reunião sobre Lutero e sua reforma.

Confesso que a minha primeira resposta a esta louvável iniciativa do Pontifício Comité para as Ciências Históricas foi de gratidão a Deus, juntamente com uma certa surpresa, uma vez que não há muito tempo uma reunião como esta teria sido impensável. Católicos e luteranos em conjunto, discutindo Lutero, em um encontro organizado por um Escritório da Santa Sé: estamos realmente experimentando os resultados do trabalho do Espírito Santo, que supera todos os obstáculos e transforma os conflitos em ocasiões de crescimento em comunhão. Do Conflito à Comunhão é precisamente o título do documento da Comissão Luterana-Católica Romana preparado para a nossa comemoração conjunta do quinto centenário do início da reforma de Lutero.

Estou particularmente feliz por saber que esta comemoração ofereceu a estudiosos de várias instituições uma ocasião para estudar esses eventos juntos. Uma investigação séria sobre a figura de Lutero e sua crítica da Igreja de seu tempo e do papado certamente contribui para superar a atmosfera de desconfiança e rivalidade mútuas que por muito tempo marcou as relações entre católicos e protestantes. Um estudo atento e rigoroso, livre de preconceitos e polémicas, permite às igrejas, agora em diálogo, discernir e receber tudo o que é positivo e legítimo na Reforma, distanciando-se de erros, extremos e fracassos e reconhecendo os pecados que levaram Para a divisão.

Todos nós estamos bem conscientes de que o passado não pode ser mudado. No entanto, hoje, depois de cinquenta anos de diálogo ecuménico entre católicos e protestantes, é possível envolver-se numa purificação da memória. Não se trata de realizar uma correção impraticável de tudo o que aconteceu há quinhentos anos, mas sim de "contar essa história de maneira diferente" (livre da Traço persistente do ressentimento sobre lesões passadas que distorceu nossa visão um do outro. Hoje, como cristãos, todos nós somos chamados a colocar atrás de nós todo o preconceito em relação à fé que os outros professam com uma ênfase ou linguagem diferente, a oferecer-se mutuamente o perdão pelo pecado cometido por aqueles que nos precederam e juntos a implorar De Deus o dom da reconciliação e da unidade.

Asseguro minhas orações por sua importante pesquisa histórica e invoco sobre todos vocês a bênção de Deus, que é todo-poderoso e rico em misericórdia. E peço-lhe, por favor, que orem por mim. Obrigado.
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Estará em marcha o levantamento da excomunhão de Marinho Lutero pela Bula papal: Decet romanum pontificem de 3 de Janeiro de 1521 promulgada pelo Papa Leão X, contra a afixação das 95 teses contrárias ao poder da Igreja de Roma, na porta da Igreja do castelo de Wittenbeg no dia 31 de Outubro de 1517?