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segunda-feira, 14 de julho de 2014

Aeroporto Marítimo de Cabo Ruivo


Fotos capturadas no Aquivo Municipal de Lisboa


Hidrovião amarado (1962) na doca dos Olivais
onde se situou o aeroporto marítimo
(local do actual Oceanário - Expo)


Um dos hidroviões pousado em terra (1962)

O ano de 1938 assinala a construção do aeroporto marítimo de Cabo Ruivo, na Doca dos Olivais destinado à amaragem de hidroviões a par da construção do aeroporto terrestre da Portela de Sacavém, tendo estas obras sido implementadas com uma rapidez inaudita por causa da Exposição do Mundo Português realizada em 1940, prevendo-se a vinda a Lisboa de muitos turistas, o que não aconteceu, não sendo estranho o facto de ter eclodido a 2ª guerra mundial.

Um dos outros motivos que estiveram presentes quanto à sua construção deve-se ao facto  de Portugal ser durante o tremendo conflito, um oásis numa Europa em convulsão, proporcionando os luxuosos Clippers da PAN AM passagem para os famosos e ricos que procuravam a liberdade do outro lado do Oceano, sendo conduzidos para o Aeroporto terrestre da Portela através da então chamada  Av. Entre Aeroportos, coincidente, hoje, com a Av. de Berlim.


Estrada de Ligação Entre Aeroportos 1942-50
Captura do Arquivo Municipal de Lisboa

Estes dois factos tornaram o espaço que foi ocupado pelo Aeroporto Marítimo de Cabo Ruivo, e toda a área envolvente, na actualidade, um dos lugares mais belos de Lisboa, depois de fechada a EXPO'98 (Exposição Internacional de Lisboa de 1988)


 Menino e moço ainda tive a graça de ter assistido à amaragem dos hidroviões, cujo tráfego encerrou na década de 50. Aconteceu isto no tempo em que eu e os da minha igualha, moradores nos Olivais, nos tempos de folga das nossas ocupações da Escola Primária nos deslocávamos em bando para assistirmos ao espectáculo que nos proporcionavam as baleeiras dos formosos hidroviões, que de ambos os lados das asas deixavam na água os caminhos borbulhantes que eram um regalo para os nossos sentidos.


domingo, 13 de julho de 2014

Por do Sol na Ponta da Atalaia (Alzejur)



ribat da Ponta da Atalaia 
situado no términus da Estação Arqueológica

ribat (1) da Ponta da Atalaia, em Aljezur, foi classificado como Monumento Nacional pelo Decreto-Lei nº 25/2013, constituindo-se como o primeiro do Concelho, assim classificado, na esteira dos poucos que atestam do legado islamita em todo o território nacional.



Eis, a parte inicial do Decreto-Lei acima referenciado:

Decreto n.º 25/2013 de 25 de julho

O sítio arqueológico localizado sobre a pequena península da Ponta da Atalaia corresponde ao ribat da Arrifana, centro religioso e militar referenciado em diversas fontes literárias islâmicas como convento de monges guerreiros muçulmanos, que começou a ser edificado em data próxima a 1130 da era cristã por iniciativa de Ibn Qasi, personagem histórica natural de Silves, mahdi, cabecilha da oposição aos Almorávidas e temporariamente aliado do primeiro rei de Portugal, D. Afonso Henriques. Da morte de Ibn Qasi em 1151, resultante de uma conspiração interna, resultou, em data pouco posterior, o abandono do ribat.

Este curto período de ocupação reflete-se na cronologia dos artefactos, exumados nos contextos associados aos edifícios arruinados e parcialmente recobertos por depósitos de origem eólica, em parte colocados a descoberto pelas escavações arqueológicas. O conjunto edificado com paredes de taipa estucadas e caiadas sobre embasamento de alvenaria de xistos, grauvaques e arenitos, chão de terra batida e coberturas quer com telhado de uma só água, de madeira revestida com telha de canudo, quer de terraço de madeira e terra crua, evidencia um planeamento hierarquizado, traduzindo aspetos funcionais e simbólicos.

Do lado sueste, por onde se fazia o ingresso no ribat, foi identificada a área da necrópole, com algumas das sepulturas integrando estelas funerárias epigrafadas. Dela separada por um muro, a zona (setor 4) corresponde a uma madrasa (escola corânica), com um grande pátio e celas anexas a sueste. A seguir, numa zona onde o promontório estreita (setor 1), localiza-se um denso complexo de construções formado por várias mesquitas (uma das quais de grandes dimensões) e por um conjunto de estruturas habitacionais (duas delas de maior tamanho), que correspondem a uma área de maior atividade do ribat e onde se controlava a passagem para o interior do promontório, que no restante perímetro é naturalmente defendido pelas escarpas. Na parte sul do promontório descobriu-se uma mesquita com anexos, ocupando um pequeno relevo sobranceiro ao mar (setor 2), e na ponta do promontório (setor 3), localiza-se uma mesquita com muro de orações e minarete de planta circular, tendo este sido reutilizado no século XIV como torre de atalaia, dando origem ao topónimo atual. 




Ruínas de uma das mesquitas (in Wikipédia)

Tive a felicidade de ter sido, recentemente, um dos muitos visitantes que se deslocam a este local para ter um contacto com a História de Portugal, que no tempo de vida do nosso primeiro rei ainda, ali, existia o templo religioso do Islão, cujos últimos religiosos e guerreiros só acabariam por ser expulsos de Portugal em 1249.

Na visita que fiz, pelas 21H00 assisti ao espectáculo grandioso do Sol a esconder-se no vasto horizonte do Atlântico e a cena de unisitada foi gravada, no cimo da falésia pela objectiva da máquina e pela retina do olhar perdido na distância, como se levasse atrás da bola de fogo que caía, um pouco da alma rendida à Lei inamovível da Natureza.



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(1) - ribat é um termo árabe que designava, no séc. VIII uma pequena fortificação ao longo da fronteira 
nos primeiros anos da conquista muçulmana do Norte de África, com o fim de albergar voluntários militares, tendo servido posteriormente para proteger as rotas comerciais. 
Há, quem veja no ribat, não só um centro político, como religioso de defesa da cultura do Islão, como aconteceu no tempo do nosso primeiro rei, D. Afonso Henriques que foi contemporâneo do ribat que existia nas terras que formam, hoje, o concelho de Aljezur.


quinta-feira, 3 de julho de 2014

João de Deus (1830-1896) (2)



Gravura publicada pela Revista "Occidente" de 15 de Julho de 1878


Que dizer de João de Deus que não haja já sido dito?
Embora correndo esse risco, vou servir-me do livro "In Illo Tempore" de Trindade Coelho para respigar dele um dos  tema desse formoso feixe de memórias da sua vida académica, em Coimbra, ""Resurrexit non est hic" e que o autor dedica ao seu colega de estudo coimbrão, João de Deus

“In illo tempore – no tempo em que João de Deus andava em Coimbra, havia na Lusa Atenas, que é terra de mulheres bonitas, duas senhoras muito formosas, que eram irmãs, – uma chamada Raquel e a outra Cândida. A Raquel, principalmente, diz que era uma divindade; e a mocidade da Academia, sobretudo os poetas, bebiam os ares por ela! Não era branca nem morena; tinha uma cor de bronze, de uma suavidade encantadora, nariz grego, e então uns olhos extraordinários, aveludados, muito brilhantes e pestanudos, que eram a perdição da rapaziada! Os pretendentes eram assim – aos cardumes… E a cabeça de rapaz sobre a qual esses olhos admiráveis pousassem por um instante, mesmo casualmente, era cabeça perdida; porque entrava logo de andar à roda, como se fosse uma ventoinha, e o menos que lhe acontecia era rebentar numa catadupa de versos – que nem sempre, diga-se a verdade, eram condignos da inspiradora…

Ora o João de Deus pertencia à ala dos namorados dessa divindade, se bem que nunca lhe falasse; e tanto, que a majestosa Raquel ficou sendo para ele uma espécie de musa, como para o Camões a Catarina, para o Dante a Beatriz , a Laura para o Petrarca, para Miguel Ângelo Vitória Colonna, etc.,etc. Fez-lhe muitos versos, e aquela poesia "A Vida", que a não há mais linda em todo o mundo; e fez-lhe depois, quando ela morreu, aquela elegia que tem o seu nome – "Raquel"–uma das melhores coisas que o génio humano tem produzido, e que João de Deus, por sinal, improvisou numa tourada, alheio, absorto, estranho ao mais formidável chinfrim que se tem desencadeado numa praça de touros! Soubera a notícia da morte quando ia para lá; chegou e amodorrou-se a um canto: e quando se deu fé que a praça de touros tinha desabado, revolvida, de baixo para cima pelo furacão da rapaziada, foi dar com ele o João Vilhena, o seu fiel Acates, no mesmo lugar onde o deixara, e que por milagre tinha escapado! Pegou-lhe por um braço e levou-o dali, como se estivesse doido ou a dormir… (…) 

Esta Raquel foi uma paixão de João de Deus e, como assevera Trindade Coelho, foi por sua causa que o Poeta de S. Bartolomeu de Messines levou dez anos a concluir a sua formatura em Direito.
Manda, contudo, a verdade que se diga que em 1850 volta para Messines a fim de ajudar a sua meia irmã Maria Justa que se encontrava doente e que ele muito prezava perdendo assim um ano lectivo (no qual nem se matriculou), uma prova da rara sensibilidade que o levou assim até ao fim da vida.

A Raquel - segundo afirma Trindade Coelho - dedicou João de Deus o famoso poema "A Vida", que a não há mais linda em todo o mundo, como ele assevera:
Vejamos:

A vida

A José A. S. R. de Castro

Cosi trápassa, al trapassar d'un giorno,
Dela vita mortale il fiore e 'l verde,
Nè, perchè faccia indietro april ritorno,
Si rinfiora ella mai, nè si rinverde.

Tasso


Foi-se-me pouco a pouco amortecendo
A luz que nesta vida me guiava,
Olhos fitos na qual até contava
Ir os degraus do túmulo descendo.

Em se ela enuviando, em a não vendo,
Já se me a luz de tudo anuviava
Despontava ela apenas, despontava
Logo em minha alma a luz que ia perdendo.

Alma gémea da minha, e ingénua e pura
Como os anjos do céu (se o não sonharam...)
Quis mostrar-me que o bem bem pouco dura!

Não sei se me voou, se ma levaram;
Nem saiba eu nunca a minha desventura
Contar aos que inda em vida não choraram...

Ah! quando no seu colo reclinado,
Colo mais puro e cândido que arminho,
Como abelha na flor do rosmaninho
Osculava seu lábio perfumado;

Quando à luz dos seus olhos (que era vê-los,
E enfeitiçar-se a alma em graça tanta!)
Lia na sua boca a Bíblia santa
Escrita em letra cor dos seus cabelos;

Quando a sua mãozinha pondo um dedo
Em seus lábios de rosa pouco aberta,
Como tímida pomba sempre alerta,
Me impunha ora silêncio, ora segredo;

Quando, como a alvéola, delicada
E linda como a flor que haja mais linda,
Passava como o cisne, ou como ainda
Antes do sol raiar nuvem doirada;

Quando em bálsamo de alma piedosa
Ungia as mãos da súplice indigência,
Como a nuvem nas mãos da Providência
Uma lágrima estila em flor sequiosa;

Quando a cruz do colar do seu pescoço
Estendendo-me os braços, como estende
O símbolo de amor que as almas prende,
Me dizia... o que às mais dizer não ouço;

Quando, se negra nuvem me espalhava
Por sobre o coração algum desgosto,
Conchegando-me ao seu cândido rosto
No perfume de um riso a dissipava;

Quando o oiro da trança aos ventos dando
E a neve de seu colo e seu vestido,
Pomba que do seu par se ia perdido,
Já de longe lhe ouvia o peito arfando;

Quando o anel da boca luzidia,
Vermelha como a rosa cheia de água,
Em beijos à saudade abrindo a mágoa,
Mil rosas pela face me esparzia;

Tinha o céu da minha alma as sete cores,
Valia-me este mundo um paraíso,
Distilava-me a alma um doce riso,
Debaixo de meus pés brotavam flores!

Deus era inda meu pai, e em quanto pude
Li o seu nome em tudo quanto existe,
No campo em flor, na praia anda e triste,
No céu, no mar, na terra e... na virtude!

Virtude! Que é mais que um nome
Essa voz que em ar se esvai,
Se um riso que ao lábio assome
Numa lágrima nos cai!

Que és, virtude, se de luto
Nos vestes o coração?
És a blasfémia de Bruto:
Não és mais que um nome vão!

Abre a flor à luz, que a enleva,
Seu cálix cheio de amor,
E o sol nasce, passa e leva
Consigo perfume e flor!

Que é desses cabelos de oiro
Do mais subido quilate,
Desses lábios escarlate,
Meu tesoiro!

Que é desse hálito que ainda
O coração me perfuma!
Que é desse colo de espuma,
Pomba linda!

Que é duma flor da grinalda
Dos teus doirados cabelos!
Desses olhos, quero vê-los,
Esmeralda!

Que é dessa franja comprida
Daquele xaile mais leve
Do que a nuvem cor de neve,
Margarida!

Que é dessa alma que me deste,
Dum sorriso, um só que fosse,
Da tua boca tão doce,
Flor celeste!

Tua cabeça que é dela,
A tua cabeça de oiro,
Minha pomba! meu tesoiro!
Minha estrela!

De dia a estrela de alva empalidece;
E a luz do dia eterno te há ferido!
Em teu languido olhar adormecido
Nunca me um dia em vida amanhecesse!

Foste a concha da praia! A flor parece
Mais ditosa que tu! Quem te há partido,
Meu cálix de cristal onde hei bebido
Os néctares do céu... se um céu houvesse!

Fonte pura das lágrimas que choro,
Quem tão menina e moça desmanchado
Te há pelas nuvens os cabelos de oiro!

Some-te, vela de baixel quebrado!
Some-te, voa, apaga-te, meteoro!
É só mais neste mundo um desgraçado!

E as desgraças podia prevê-las
Quem a terra sustenta no ar,
Quem sustenta no ar as estrelas,
Quem levanta às estrelas o mar.

Deus podia prever a desgraça,
Deus podia prever e não quis!
E não quis, não... se a nuvem que passa
Também pôde chamar-se infeliz!

A vida é o dia de hoje,
A vida é ai que mal soa,
A vida é sombra que foge,
A vida é nuvem que voa:
A vida é sonho tão leve
Que se desfaz como a neve
E como o fumo se esvai:
A vida dura um momento,
Mais leve que o pensamento,
A vida leva-a o vento,
A vida é folha que cai!

A vida é flor na corrente,
A vida é sopro suave,
A vida é estrela cadente,
Voa mais leve que a ave:
Nuvem que o vento nos ares,
Onda que o vento nos mares,
Uma após outra lançou,
A vida - pena caída
Da asa de ave ferida -
De vale em vale impelida
A vida o vento a levou!

Como em sonhos o anjo que me afaga
Leva na trança os lírios que lhe pus,
E a luz quando se apaga
Leva aos olhos a luz!

Levou sim, como a folha que desprende
De uma flor delicada o vento sul,
E a estrela que se estende
Nessa abobada azul;

Como os ávidos olhos de um amante
Levam consigo a luz de um terno olhar,
E vento do levante
Leva a onda do mar!

Como o tenro filhinho quando expira
Leva o beijo dos lábios maternais,
E à alma que suspira
O vento leva os ais!

Ou coma leva ao colo a mãe seu filho,
E as asas leva a pomba que voou,
E o sol leva o seu brilho...
O vento ma levou!

E Deus, tu és piedoso,
Senhor! és Deus e pai!
E ao filho desditoso
Não ouves pois um ai!
Estrelas deste aos ares,
Dás pérolas aos mares.
Ao campo dás a flor,
Frescura dás às fontes,
O lírio dás aos montes,
E roubas-ma, Senhor!

Ah! quando numa vista o mundo abranjo,
Estendo os braços e, palpando o mundo,
O céu, a terra e o mar vejo a meus pés,
Buscando em vão a imagem do meu anjo,
Soletro à froixa luz de um moribundo
Em tudo só: Talvez!...

Talvez! - é hoje a Bíblia, o livro aberto
Que eu só ponho ante mim nas rochas quando
Vou pelo mundo ver se a posso ver;
E onde, como a palmeira do deserto,
Apenas vejo aos pés inquieta ondeando
A sombra do meu ser!

Meu ser... voou na asa da águia negra
Que, levando-a, só não levou consigo
Desta alma aquele amor!
E quando a luz do sol o mundo alegra,
Crisálida nocturna a sós comigo
Abraço a minha dor!

Dor inútil! Se a flor que ao céu envia
Seus bálsamos se esfolha, e tu no espaço
Achas depois seus átomos subtis,
Inda hás-de ouvir a voz que ouviste um dia...
Como a sua Leonor inda ouve o Tasso...
Dante, a sua Beatriz!

- Nunca! responde a folha que o outono,
Da haste que a sustinha a mão abrindo,
Ao vento confiou;
- Nunca! responde a campa onde do sono
E quem talvez sonhava um sonho lindo,
Um dia despertou!

- Nunca! responde o ai que o lábio vibra;
- Nunca! responde a rosa que na face
Um dia emurcheceu:
E a onda que um momento se equilibra
Em quanto diz às mais: Deixai que eu passe!
E passou e... morreu!

                                          in, "Campo de Flores"


Quando Raquel morreu - é, ainda, Trindade Coelho que o afirma, João de Desu fez soltar a lira e escreveu a seguinte elegia a que deu o nome do seu acrisolado amor de Coimbra, dedicando-a a sua irmã.


Raquel

A D. Cândida Nazaré

Despe o luto da tua soledade
E vem junto de mim, lírio esquecido
Do orvalho do céu!
Tens nos meus olhos pranto de piedade,
E se és, mulher! irmã dos que hão sofrido,
Mulher! sou irmão teu.

Consolos não te dou, que não existe
Quem de lágrimas suas nunca enxuto
Possa as de outro enxugar:
Não pôde alívios dar quem vive triste,
Mas é-me doce a mim ch
orar se escuto
Alguém também chorar.

Botão de rosa murcho à luz da aurora!
Que pecado equilibra o teu martírio
Na balança de Deus?
Se é como justo e bom que ele se adora,
Quem te há mudado a ti, ó rosa, em uno,
E em uno os lábios teus?

Não enche ele de bálsamos o cálix
Da flor a mais humilde, e esses espaços
Não enche ele de luz?
Não veio o Filho seu, lírio dos vales!
Só por amor de nós pregar os braços
Nos braços de uma cruz?

Mulher, mulher! quando eu num cemitério
Levanto o pó dos túmulos sozinho:
Eis, digo, eis o que eu sou!
Mas, quando penso bem nesse mistério
Da virtude infeliz: Vai teu caminho;
Dois mundos Deus criou!...

Deus não dispara a seta envenenada
À pombinha, que aos ares despedira,
Com mão traidora e vil;
Imagem sua, Deus não volve ao nada,
Não aniquila a flor que ao chão caíra
Lá desse eterno Abril!

Hás-de, cisne, expirando alçar teu canto;
Hás-de lá quando a lua da montanha
Te acene o extremo adeus,
Voar, Cândida, ao céu, e ébria de encanto;
No oceano de amor que as almas banha,
Unir teu canto aos seus.

Seus delas, mãe e irmã... cinzas cobertas
Dum só lanço de terra... Oh desventura!
Oh destino cruel!
Vejo-as ainda ir com as mãos incertas
Guiando-se uma à outra à sepultura,
E a mãe: "Raquel! Raquel!"

Desde então, à janela do ocidente
Te hão de ver como a bússola em seu norte
Fita pensando... em quê?
Oh! não n os voes também, pomba inocente!
É grande a eternidade e é certa a morte:
Espera, vive e crê!

Por ocasião da morte de sua irmã Raquel
e, poucos dias depois, de sua mãe.

                                         in, "Campo de Flores"


João de Deus Ramos nasceu em São Bartolomeu de Messines (Algarve) no dia 8 de Março de 1830 e faleceu em Lisboa, no dia 11 de Janeiro de 1896. Era filho de José Pedro Ramos e de D. Isabel Gertrudes Martins. A sua vida decorre entre os reinados de D. Maria II a D. Carlos.
Em 1849 entra na Universidade de Coimbra, na Faculdade de Direito, curso que  acaba apenas em  1859, o que lhe terá suscitado dizer, que a sua formatura teria durado tanto tempo como a Guerra de Tróia. Acabado o Curso de Direito em prazo tão dilatado, deixa-se ficar por Coimbra, no meio estudantil das serenatas e da boémia, tendo-se, no entando, dedicado ao jornalismo e à advocacia na cidade do Mondego, a que se seguiram, Beja, Évora e Lisboa.

Questões familiares, fazem-no, em 1862, regressar ao Algarve. O seu espírito rebelde, porém, transvia-o para Beja, onde permanece durante dois anos, ocupado na redacção de “O Bejense”, jornal que em 1863, dá à estampa e por sua lavra artigos de crítica contra António Feliciano de Castilho, defensor do velho Romantismo, já a agonizar, sendo nesse mesmo ano convidado por Rodrigo de Morais Soares a escrever um folhetim educativo para o Archivo Real. (1)

João de Deus não seguiu qualquer escola literária mas adoptou uma estética muito própria, de um lirismo (2) que o torna o maior Poeta de Portugal, nesse campo. As suas poesias foram reunidas na colectânea Campo de Flores, publicada em 1893, incluindo-se nesta duas obras anteriores: Flores do Campo e Folhas Soltas. Dedicou-se à pedagogia, resultando daí a Cartilha Maternal publicada em 1876 – um  ensino de leitura às crianças que foi muito divulgado –  e do qual a Rainha D. Amélia disse: Nos seus versos aprendi a amar Portugal; na sua Cartilha Maternal aprendi a ler português e ensinei os meus filhos a ler.

Regressado a S. Bartolomeu de Messines, é  em Silves, em casa de José António Garcia Blanco que em 1869 que é convencido a disputar a eleição para deputado à Câmara. É eleito pelo círculo de Silves, facto que o obriga a fixar residência em Lisboa. A política, porém, não o fascina minimamente. É raro aparecer na Câmara, onde, no entanto se mantém durante uma legislatura por consideração aos amigos e seus eleitores.
Admira e frequenta a tertúlia e o remanso do Café Martinho, ali perto do teatro de D. Maria II.
Do seu casamento com D. Guilhermina Battaglia, tem cinco filhos, dois rapazes e três raparigas.

É nomeado, e contestado – acontece com os grandes homens - Comissário Geral do Ensino da Leitura, segundo o seu método, declarado de interesse nacional – a Cartilha Maternal.
Poeta, por um dom da sua alma lírica foi jornalista por acaso e pedagogo, por intuição.
Conhecido pelo seu indiferentismo por escolas literárias, João de Deus foi irredutível na ligação que manteve com  a verdade simples, que cantou com rara elevação, arvorando como temas fundamentais, Deus, a mulher, a sobrenaturalidade e aqui e ali o erótico ingénuo, revestido de roupagens naturais que dão uma inusitada beleza.

A sátira e as fábulas que ele trabalhou nos seus últimos anos de Coimbra, nunca  atingiram, no entanto,  o nível inultrapassável do seu lirismo puro e apaixonado.
Foi um poeta popular e ao mesmo tempo de um fino cariz cultural.
Em 1893, Teófilo Braga, edita, toda a obra dispersa no livro: Campo de Flores, que teve uma nova edição em 1896, ainda revista por João de Deus.

No dia 8 de Março de 1895, estudantes de Lisboa, Coimbra, Porto, Santarém, Braga, Lamego e Portalegre a que se juntou a Imprensa portuguesa, o povo anónimo e muitas as crianças, manifestam-se junto a sua casa, na Estrela, em Lisboa.
Era sócio honorário pela Academia Real das Ciências e pelo Instituto de Coimbra.
No dia 9, daquele mesmo ano assiste a um sarau no teatro D. Maria II que contou com a assistência do Rei D. Carlos. No fim saiu da sala sobre as capas dos estudantes.
O seu funeral, cerca de um ano depois, foi uma manifestação nacional, constituindo a maior consagração pública que algum dia se fizeram em Portugal a escritores.

Como um marco lírico ficou profundamente estrelado no céu da poesia portuguesa, o famoso poema, Enjeitadinha, que o povo antigo sabia de cor:

De que choras tu, anjinho?
"Tenho fome e tenho frio!    
— E só por este caminho
Como a ave que caiu
Ainda implume do ninho!...
A tua mãe já não vive?

"Nunca a vi em minha vida;
 Andei sempre assim perdida,
E mãe por certo não tive!"
— És mais feliz do que eu,
Que tive mãe e... morreu!

Sobre a mulher, deixou-nos, do seu profundo respeito e idolatrado sentir humano, composições que são jóias raras, com esta, Mal Sabes, que entre outras tem estas duas quadras:

Despedi-me de ti, os lábios rindo
Mas estalando o coração, que em suma
Deus me livrasse a mim por forma alguma,
De te nublar um dia o gesto lindo!

Que eu sofra, muito embora: o meu destino
Qual é senão sofrer a vida inteira?
Causa da tua lágrima primeira
É que nunca serei: não te amofino.

Na célebre cançoneta, Amor, João Deus eleva o seu lirismo tão puro e imaculado, que dir-se- á, estarmos em presença de um poeta de alma etérea:
                                                   
                                                     Não vês como eu sigo
                                                     Teus passos, não vês?
                                                     O cão do mendigo
                                                     Não é mais amigo
                                                     Do dono, talvez!

                                                     Ao pé de uma fonte
                                                     No fundo de um vale,
                                                     No alto de um monte
                                                     De vasto horizonte.
                                                     Sem ti estou mal!

João de Deus era um poeta de cunho cristão.
No poema Pátria, deixa-nos explícito algo que nos lembra a Parábola do Filho Pródigo, tecendo um ideia entretecida de sentimentos filiais tão nobres e tão altruístas que devem merecer de todos aqueles que têm a graça de lerem este formoso e cândido Poeta, um sentido respeito, pela harmonia e sentido dos versos e pelo seu encadeamento singularmente belo, que leva todo o homem de sentimentos puros a desejar morrer onde lhe embalaram o berço, como se naquele punhado de terra estivesse a Pátria inteira.
Diz, assim, João de Deus:

Como o pródigo volta ao lar paterno
Desenganado do que em vão procura,
Eu já desfalecido nesta lida
De sonhos sobre sonhos de ventura,
Desejava dormir o sono eterno
Abrindo junto ao berço a sepultura!
Fechar em suma o círculo da vida
No saudoso ponto de partida!

Chegado, pois, Senhor, aquele dia
Que se me apague a luz que me alumia,
Deixai-me descansar onde repousa
Meu santo pai e sua terna esposa
- A minha santa mãe!
Ser-me-á assim mais leve a fria lousa...
Que a terra onde se nasce é mãe também!

Este desejo do Poeta, de dormir o sono da morte junto dos seus progenitores não se cumpriu.
Pela sua postura de cidadão erguido ao cume mais alto da honra de ter vivido e ter feito da vida uma causa em prol dos outros, como o atesta, para além do valor da sua obra poética – que é um ímpar em toda a Literatura portuguesa – a sua obra de pedagogo, traduzida na Cartilha Maternal, onde muitas gerações de portugueses aprenderam a ler, a Pátria, fez do seu corpo, património comum, e ao dar-lhe honras de Estado, fê-lo repousar no Panteão Nacional ao lado de Almeida Garrett e Guerra Junqueiro, homens, que como ele, se libertaram da lei da morte, no dizer inspirado de Luís de Camões.
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(1) - Jornal de Agricultura fundado em 1858, quando o Bacharel em Medicina, que ficou conhecido por Morais Soares, tomou posse em1852 do cargo de Chefe de Repartição da Agricultura da Secretaria das Obras Públicas, criada no reinado de D. PedroV. Em Lisboa, existe uma rua com o seu nome
(2) - O lirismo tem a sua primeira afirmação nacional na poesia trovadoresca, cujos géneros principais são: as cantigas de amor assimiláveis à poética provençal, na qual o poeta exprime uma forte admiração e submissão em relação à mulher amada



Sophia de Mello Breyner Andresen (1919-2004)



Foto,(parcial) in Jornal digital "Observador"


Sophia de Mello Breyner Andresen faleceu há dez anos.
Em Fevereiro de 2014 a Assembleia da República - onde a Poeta, como gostava de ser tratada foi deputada em 1975 pelo Partido Socialista na Assembleia Constituinte - por unanimidade decidiu dar a honra do Panteão Nacional aos restos mortais da consagrada escritora, por forma a honrar “a escritora universal, a mulher digna, a cidadã corajosa, a portuguesa insigne”, e de evocar o seu exemplo de “fidelidade aos valores da liberdade e da justiça”, segundo o texto parlamentar.

Este facto aconteceu, ontem, dia 2 de Julho de 2014, com a trasladação a partir do cemitério de Carnide, tendo a arca tumular ocupado a sala onde se encontram as do General Humberto Delgado e a do seu confrade das Letras, Aquilino Ribeiro.

Não se pode neste pequeno apontamento de homenagem à Mulher que foi Sophia, ou de dar um retrato abrangente da sua vida e da sua obra, mas, apenas, exaltar dois factos que estão na origem desta insigne Mulher que valorizou, sobremaneira as Letras Portuguesas: pelo lado paterno vai buscar à Dinamarca, a sua origem através do bisavô, Jan Heinrich Andresen e pelo materno a sua portugalidade, na mãe, filha do conde de Mafra e neta do conde Henrique de Burnay.



Publicou em 1962 "Contos Exemplares" e em 1984 "Histórias da Terra e do Mar", tendo dedicado grande parte do seu labor literário dedicado à prosa a Contos Infantis, como "A Menina do Mar" (1958) ; "A Fada Oriana" (1958) ; "Noite de Natal"(1959) ; "O Cavaleiro da Dinamarca" (1964) ; "O Rapaz de Bronze" (1965) ; "A Floresta" (1968) ; "O Tesouro" (1970) e a  "A Árvore" (1985).

Teatróloga, publicou: "O Bojador" (2000) ; "O Colar (2001) ; "O Azeiteiro"(2000) ; "Filho de Alma e Sangue"(1998) ; "Não chores minha Querida" (1993).

Ensaísta, publicou: "A poesia de Cecíla Meyrelles" (1956) ; "Cecília Meyrelles" (1958) ; 
Poesia e Realidade (1960), in Colóquio, nº 8"Hölderlin ou o lugar do poeta" (1967) ; "O Nu na Antiguidade Clássica" (1975) ; "Torga, os homens e a terra" (1976) ; "Luiz de Camões. Ensombramentos e Descobrimentos" (1980) ; "A escrita (poesia)" (1982).

Tradutora, publicou:  "A Anunciação de Maria (Paul Claudel) – 1960 ; "O Purgatório (Dante) – 1962 ;  "A Hera", "A última noite faz-se estrela e noite" (Vasko Popa); "Às cinzas", "Canto LI", "Canto LXVI" (Pierre Emmanuel); "Gosto de te encontrar nas cidades estrangeiras" (Edouard Maunick) 1964 ; Muito Barulho por Nada (William Shakespeare) - 1964 ; Medeia (Eurípedes) - 1964 ; "Hamlet" (William Shakespeare) – 1965 "Os reis Magos", 1967 ; "Quatre Poètes Portugais" (Camões, Cesário Verde, Mário de Sá-Carneiro, Fernando Pessoa) – 1970 ; "A Vida Quotidiana no Tempo de Homero", de Émile Mireaux" 1979 ; "Ser Feliz", de Leif Kristianson, 1980 ; "Um Amigo", de Leif Kristianson, 1981 e "Medeia, de Eurípedes".

A sua brilhante carreira literária foi galardoada com os seguintes Prémios:

1964 - Grande Prémio de Poesia da Sociedade Portuguesa de Escritores, atribuído a Livro Sexto.
1977 - Prémio Teixeira de Pascoaes
1979 – Medalha de Verneil da Societé de Encouragement au Progrés, de França
1983 - Prémio da Crítica, do Centro Português da Associação Internacional de Críticos Literários, pelo conjunto da sua obra
1989 - Prémio D. Dinis, da Fundação da Casa de Mateus
1990 - Grande Prémio de Poesia Inasset / Inapa
1992 - Grande Prémio Calouste Gulbenkian de Literatura para Crianças
1994 - Prémio cinquenta anos de Vida Literária, da Associação Portuguesa de Escritores
1995 - Prémio Petrarca
1995 – Homenagem de Faculdade de Teologia da Universidade Católica de Lisboa, pelo cinquentenário da publicação do primeiro livro "Poesia"
1995 - Outubro – Placa de Honra do Prémio Fransesco Petrarca, Pádua, Itália
1996 - Homenageada do "Carrefour des Littératures", na IV Primavera Portuguesa de Bordéus e da Aquitânia
1998 - Prémio da Fundação Luís Miguel Nava
1999 - Prémio Camões (primeira mulher portuguesa a recebê-lo)
2000 - Prémio Rosalia de Castro, do Pen Clube Galego
2001 - Prémio Max Jacob Étranger
2003 - Prémio Rainha Sophia de Poesia Ibero-americana.
2004 - Morre e ganha o prémio "Estatueta de Ouro"

Recebeu as segintes condecorações

Grande-Oficial da Ordem Militar de Sant'Iago da Espada (9 de Abril de 1981)
Grã-Cruz da Ordem do Infante D. Henrique (13 de Fevereiro de 1987)

Grã-Cruz da Ordem Militar de Sant'Iago da Espada (6 de Junho de 1998)

Nota: a fonte dos dados atrás referidos deve-se à Wikipédia.


No final da cerimónia, à saída do Panteão Nacional, o seu filho e consagrado autor e brilhante jornalista Miguel Sousa Tavares expendeu, comovido, que uma das honras maiores que o País deve a sua mãe é continuar, entre as crianças, com o estudo e a leitura dos seus brilhantes Contos Infantis escritos com a pureza da Língua Portuguesa, algo que Miguel Sousa Tavares continua a cultivar, ao arrepio do canhestro e malfadado Acordo Ortográfico.

Que os responsáveis pelo Ministério da Educação tenham ouvido e sigam este conselho avisado do filho da insigne Poeta, de cuja obra se retiram estes pedaços dourado de uma poesia que bateu em todos os cantos da vida e onde o Mar teve um quinhºão muito largo.

Eis como Sophia se exprime ao falar do Infante D. Henrique:


Aos homens ordenou que navegassem
Sempre mais longe para ver o que havia
E sempre para o sul e que indagassem
O mar e a terra o vento e a calmaria
Os povos e os astros
E no desconhecido cada da entrassem


in, “Obra Poética” 

Senhora de um cristianismo que no seu sentir augurava os novos rumos que a Igreja viria a trilhar com o advento do Concílio Vaticano II, em 1987, dirigindo-se ao Senhor, interpretando o modo de uma multidão imensa de crentes - embora afastados dos Sacramentos - expressa-se assim:

Senhor sempre te adiei
Embora sempre soubesse que me vias
Quis ver o mundo em si e não em ti
E embora nunca te negasse te apartei

in, “Obra Poética” 

O seu verbo que tocou todas as regiões da saber, da cultura, da arte e, sobretudo, o da insatisfação contra os instalados na vida mas sem cuidar dos que os serviam na sua abastança, não podia deixar de lhes perguntar o porquê das suas tropelias sociais.
Eis como Sophia se dirigiu a eles:

Tu sentado à tua mesa
Bebes vinho e comes pão
Quem é que plantou a vinha?
Quem é que semeia o grão?

Lá no socalco da serra
Anda a cavar teu irmão
Debruçado sobre a terra
P’ra que tenhas vinho e pão

Para além daquela serra
P’ra que tenhas vinho e pão
Abrindo o corpo da terra
Dobra o corpo o teu irmão

Sua mão concha do cacho
Sua mão concha do grão
Em cada gesto que faz
Põe a vida em comunhão

in, “Obra Poética” 

Se os homens todos, independentemente, dos seus cargos - mais grandiosos ou mais humildes - entendessem de vez, que todo o trabalho que fazem devia em comunhão com o seu semelhante - como diz Sophia - este mundo seria mais honesto, seria sobretudo, mais puro.

Não deixou o seu verbo de homenagear essa grande figura do seu Porto natal, que foi o Bispo expatriado pelo poder do antigo regime, D. António Ferreira Gomes, a quem dedicou este Poema que é um alto momento da sua lira, ao homenagear, não a fortaleza que ela sabia haver em tudo o que de inerte a rodeava, como as pedra de granito do paço do Bispo, porque para ela, a gandeza maior estava no homem que visitava sempre que os seus passos subiam os degraus do Paço Episcopal.


Na cidade do Porto há muito granito
Entre névoas sombra e cintilações
A cidade parece firme e inexpugnável
E sólida - mas habitada
Por súbitos clarões de profecia
Junto ao rio em cujo verde se espelham as visões -
Assim quando eu entrava no paço do Bispo
E passava a mão sobre a pedra rugosa
O paço me parecia fortaleza
Porém a fortaleza não era
Os grossos muros de pedra caiada
Nem os lintéis de pedra nem a escada
De largos degraus rugosos de granito
Nem o peso frio que das coisas inertes emanava
Fortaleza era o homem - o Bispo -
Alto e direito firme como torre
Ao fundo da grande sala clara: fortaleza
De sabedoria e sapiência
De compaixão e justiça
De inteligência a tudo atenta
E na face austera por vezes ao de leve o sorriso
Inconsútil da antiga infância.

in, “Obra Poética” 

Ao ler este poema - lindíssimo na forma como o Bispo é erguido na  forma trabalhada do verbo de Sophia, como se a autora em vida já o quisesse esculpir no tal granito que há em profusão na cidade do Porto - é que o homem austero que foi D. António Ferreira Gomes, na sua face havia algo que todos os homens nunca deviam deixar morrer; o sorriso inconsútil da antiga infância, porque quando o homem deixa morrer em si mesmo, os traços da sua infância, faz morrer o que mais belo devia continuara a viver na sua existência.

Obrigado, Sophia, por esta lição!