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quarta-feira, 29 de maio de 2013

António Correia de Oliveira - Um Patriota




António Corrêa de Oliveira (1878-1960) é, hoje, um poeta esquecido.
Injustamente, diga-se, porquanto ele foi no seu tempo um acrisolado autor da exaltação patriótica e do idealismo cristão, quando estes sentimentos eram gratos à alma lusitana, o que hoje não acontece, porque morreu o amor que os nossos avós tinham por Portugal, um amor que agora anda esbatido pelos federalismos de uma Europa que nos está a roubar a identidade de Nação altaneira que manda a verdade dizer, deu novos mundos ao mundo.
De pouco ou nada importa que esta frase seja do Estado Novo, onde uns certos senhores vêem fascismos, enquanto outros – como eu – vêem um regime duro de pendor ditatorial, cujo único pecado foi o de não ter aberto o caminho à rotatividade dos homens que tinham pela Nação o respeito que agora se perdeu.
Será que para sempre?
António Corrêa de Oliveira foi um desses homens.
Grande cultor da poesia de cunho popular e um dos cantores mais lídimos do Saudosismo, na linha de Pascoaes, num dado passo da vida ligou-se ao Movimento cultural do “Integralismo Lusitano” (1) onde o levou o seu pendor monárquico assumido e, depois, se viria a transformar num poeta oficioso do Estado Novo, com muitos textos escolhidos para os livros únicos de língua portuguesa do sistema de ensino primário e secundário.
É este o anátema que pesa sobre ele, porque os homens da esquerda dos pós 25 de Abril, pregoeiros da liberdade só a entendem quando ela se casa com o seu culto.
Esquecem que ele foi o primeiro português nomeado para o Prémio Nobel da Literatura a partir de 1933, tendo merecido 15 nomeações.
Em 1945, a concorrente que viria a ganhar, a chilena Gabriela Mistral disse, que estando presente o autor do livro publicado em 1926 “Verbo Ser e Verbo Amar” o prémio deveria ter-lhe sido dado.
No ano em que escreveu o “Alívio dos Tristes” (1901) adivinhava-se que o poeta aos 23 anos de idade começava já a dar mostras do seu grande carinho pela alma do povo que se sentia joguete dos jogos políticos que viriam a desembocar na queda da Monarquia, para imporem uma República sem rei nem roque.
Possivelmente, por causa de acontecimentos nacionais vividos naquele ano ele escreveu aquele livro.
Os referidos acontecimentos equacionam-se assim: publicação em 12 de Março do Decreto anticongreganista sobre as ordens religiosas, com o apoio do Rei D. Carlos, que emite a posição anticlerical do Partido Regenerador; pela apreensão em 28 do mesmo mês do jornal católico “A Palavra” a que se sucede em 14 de Abril a saudação entusiástica na Praça de Touros do Campo Pequeno ao rei D. Carlos em reconhecimento pelo seu anti-clericalismo, e logo a seguir, em 18, ao aparecimento de um Decreto controlador das casas religiosas, sendo apenas admitidas as casas religiosas que se dedicavam à instrução ou à beneficência ou então à propaganda da fé e civilização no Ultramar, com o consequente encerramento de várias casas religiosas, tudo isto acompanhado pela criação de Juntas – ou Comissões Liberais – de pendor anticlerical, como aconteceu em 25 de Abril com a presidência de José Dias Ferreira e outra, no dia 30 a cargo de Miguel Bombarda, a que não faltou em 1 de Julho a dissolução da Câmara dos Deputados, devido à perda pelo governo do apoio da facção João Arroio do Partido Regenerador, já enfraquecido pela saída do grupo de João Franco.
Corrêa de Oliveira, era então um jovem, mas entristecido pelo caminho que Portugal levava, onde o ataque à Igreja e a convulsão política continuava a degradar a coisa pública, lhe mereceu os seguintes tercetos:

Quando Deus for minha alma recebendo
Limpa de toda a mancha, ou ruindade,
E do pecado feio e ódio horrendo;

......................................................

Quero o meu coração dentro do peito,
Tomado pela fé, pela desgraça,
Num coração mansíssimo e perfeito.

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E com a mesma fé, pedir, ainda
Por esta pobre Terra Portuguesa,
A mais triste, entre as outras a mais linda.
E contar suas penas e tristeza
Por agora se ver onde é chegada
De tanta formosura e fortaleza.

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Terra de ao pé do Mar, tão forte, quando
Granjeava uma fama peregrina
Que eternamente irá peregrinando...
Fama tão grande! Terra pequenina,
Que dela enchendo o mundo, se assemelha
A uma candeia acesa que ilumina.

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Ó Nação cristianíssima e infeliz!
Ó terra que tens fome e que tens sede!
“Ó ninho meu paterno”, ó meu País.

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Ó minha triste Pátria estremecida,
Para alegrias grandes restaurada,
Para mortais tristezas decaída!


António Corrêa de Oliveira foi um poeta nacionalista, mas isto só é defeito para  aqueles que perderam o sentido da Pátria, algo que está a acontecer nos tempos actuais, internacionalizados, descaracterizados e envergonhados em que falar e sentir a Bandeira Nacional é uma atitude ultrapassada e saudosista.
 Própria, apenas, dos que não seguiram em frente a cantar loas aos ventos novos de uma Europa rendida à deusa de uma economia sem valores éticos que sem se saber, efectivamente, para onde nos levam, nos continuam a levar numa atitude passiva – que essa, sim! – nos devia envergonhar, pelo facto de colectivamente não termos sido chamados a dar a nossa opinião como povo quanto ao caminho escolhido, onde parece, estamos encurralados e sujeitos a leis estranhas à Pátria que somos.
Não admira, por isso, que se esqueçam deliberadamente homens como António Corrêa de Oliveira, que tinha um caminho e o soube honrar, por cima de todos os ventos e marés.
Mas não deixa de ser uma vingança que a sua memória faz ao Portugal que somos hoje e que passado mais de um século continuem  correctos os seus tercetos, especialmente o último, porque os homens públicos, através de tantas gerações, onde se incluem as que fizeram e sustentaram o Estado Novo, parece não terem encontrado maneira de livrar Portugal das mortais tristezas que nos acompanham desde a Revolução Liberal de 1820.
Cabe aqui, um reparo, ao 25 de Abril de 1974.
Revolução contra um fascismo que só existiu, verdadeiramente, nas mentes de alguns que prometeram a liberdade ao povo, e lha retiraram ao assinar sem o ouvir, a Constituição europeia do porreiro, pá!


1) - O Integralismo Lusitano (IL) designa um agrupamento sócio-político tradicionalista português e monárquico, activo e influente entre 1914 e 1932 e, por intermédio dos seus dirigentes fundadores e discípulos, na oposição à Implantação da República de Estado, ao Estado Novo de Oliveira Salazar e à Monarquia Constitucional que repudiavam.
 Como movimento político advogava o tradicionalismo mas não o conservadorismo e era contra o parlamentarismo; em vez disso, favorecia a descentralização de poder, o municipalismo, o nacional sindicalismo, a Igreja católica e a monarquia tradicional ou orgânica.
 Contou entre os seus dirigentes mais destacados Hipólito Raposo, António Sardinha, Luís de Almeida Braga, Alberto Monsaraz, João Mendes da Costa Amaral, Pequito Rebelo e Francisco Rolão Preto. O velho Ramalho Ortigão chegou a aderir, com entusiasmo, ao movimento.
 O grupo "Os Vencidos da Vida", do qual este último fazia parte, tinha no seu ideário o mesmo repúdio pelo parlamentarismo partidista (pela «partidocracia» como era por vezes dita) que levava a considerar que tinha sido a sua escola política e as pessoas que dele faziam parte com sendo os seus procederes e mestres , do Integralismo Lusitano aqui abordado.
                                                                                                                   (in, Wikipédia)

Fé e razão de mãos dadas

A verdade existe. Apenas se inventa amentira
Georges Braque


(...)  A fé, que se fundamenta no testemunho de Deus e conta com a ajuda sobrenatural da graça, pertence efectivamente a uma ordem de conhecimento diversa da do conhecimento filosófico. De facto, este assenta sobre a percepção dos sentidos, sobre a experiência, e move-se apenas com a luz do intelecto. A filosofia e as ciências situam-se na ordem da razão natural, enquanto a fé, iluminada e guiada pelo Espírito, reconhece na mensagem da salvação a « plenitude de graça e de verdade » (cf. Jo 1, 14) que Deus quis revelar na história, de maneira definitiva, por meio do seu Filho Jesus Cristo (cf. 1 Jo 5, 9; Jo 5, 31-32).
                                                      (in, nº 9 da Encíclica "Fé e Razão" do Papa João Paulo II

 

         Ao criar o homem Deus transmitiu-lhe, no mesmo instante, a fé como suporte da alma que o Criador projectou no Mistério do Além e a razão como suporte da razão para poder aceitar a transcendência e o poder da alma chamada a viver para sempre.
        Eis,  porque, aderir ao cristianismo não pressupõe, apenas, abrir a mente à aceitação da fé, pois ninguém deve nem pode verdadeiramente assumir-se cristão sem ter da fé uma ideia firmada pelo poder da razão.
Esta não deve ser um sentimento cego, devendo fundar-se em razões esclarecidas, o que exige um exercício contemplativo sobre a ordem das coisas e a sua disposição no Universo, desde que o façamos sem preconceitos pré-concebidos, o que nos ajuda a entender melhor a verdade de nenhum dos seres que nos maravilham terem capacidades por si mesmos de se auto-criarem, mas serem todos dependentes de um acto criador original.
Se a nossa razão entender isto como um atributo que escapa à finitude e incapacidade do homem,  logo, toma corpo a existência de um Ser que sendo origem e fundamento de tudo quanto existe, é pela sua natureza especial um sujeito Único na filosofia dos acontecimentos e é no homem, na ordem do raciocínio das suas ideias, um motivo suficiente para que este entenda na contemplação do Universo, o mundo fabuloso em que vive.
Eis porque a nossa fé, é, para além de  uma crença sem ver, é uma crença racional que vai ao encontro do mistério do ser que somos.
Deus, por este motivo, não se afastou do mundo.
É um companheiro de jornada.
Vive connosco em cada dia que passa e de tal forma o faz, que num dado momento da História viveu mergulhado nos problemas sociais e políticos que então enxameavam o local onde um Deus feito homem viveu e morreu, acompanhando os homens do seu tempo na aventura de estar presente, como um Deus pessoal e interessado na sorte dos homens a quem deixou a sua Verdade, para que estes a seguissem.
Jesus foi este Deus feito homem.
Verdade das Verdades, deixou-nos caminhos para serem seguidos.
É por isso – e por causa d’Ele – que a verdade existe e só a mentira é que é inventada pela acção deletéria do homem que a usa para seu proveito e para todas as suas cabriolices.
Para não ser assim o homem  tem de ter fé para fazer singrar no mundo a Palavra de Jesus que não engana ninguém.
Não faltam ao homem razões para aceitar isto, sobretudo, a todo aquele que faz da sua fé o contributo que lhe dá a razão, porque é esta que o esclarece, sendo, pois, a fé um acto de inteligência e de assunção plena de uma liberdade autêntica, que não precisa de ser publicada em livros de leis, mas é, antes, no próprio homem uma lei própria e imutável fundada no cadinho da sua experiência pessoal de confiança no acto criador de Deus e na crença que é a partir d’Ele que tudo existe.   


ANTÓNIO SARDINHA
 UMA FIGURA DO INTEGRALISMO LUSITANO
 
 

António Maria de Sousa Sardinha nasceu em Monforte do Alentejo em 9 de Setembro de 1887 e faleceu em Elvas, a 10 de Janeiro de 1925, quando contava apenas 38 anos.
Poeta inspirado e político, destacou-se como ensaísta, polemista e doutrinador.
Foi pela mão de Eugénio de Castro que António Sardinha publicou os seus primeiros poemas. Tinha15 anos, assinando-os com o nome de António de Monforte.
Em 1911 concluiu  na Universidade de Coimbra a sua formatura em Direito.
     Tendo no decorrer da vida académica sido um fervoroso republicano após a implantação da República operou-se no seu espírito uma profunda desilusão com o novo regime surgido da Revolução de Outubro.
Passou a ser um crítico da República, por motivos que os próprios republicanos lhe serviram, dado o desnorte e falta de ética política do novo regime.
Convertido ao Catolicismo, teceu frases de um grande fervor espiritual como estas:
Todo me curvo, todo eu beijo o chão, mais humilde que os bichos da terra... Mas o Senhor foi para a minha aridez como a chuva da tarde pelo estio, eu sou um homem de boa vontade, confio, aguardo, não serei confundido eternamente. «Só os pagãos é que não têm esperança!» diz a letra admirável do Ofício de Defuntos. E em frente do momento em que Cristo não tarda a repousar eu recito o versículo sublime: «A minha carne descansará na esperança, ao lado do Senhor meu Deus dormirei em paz».
Desfeito o ideal republicano da era estudantil, seguiu-se a conversão aos ideais monárquicos, tendo-se aproximado de Hipólito Raposo, Alberto de Monsaraz, Luís de Almeida Braga e Pequito Rebelo, com os quais fundou  a revista Nação Portuguesa, publicação de filosofia política que deu aso ao lançamento do movimento político-cultural denominado "Integralismo Lusitano" em defesa de uma "monarquia tradicional, orgânica, anti-parlamentar".
     António Sardinha bem cedo se viria a destacar no seio do grupo pela força do seu verbo.
    A passagem das Letras à Política consumou-se em 1915, ano que publica o livro Epopeia da Planície, de onde se destaca o soneto Letreiro, que é um hino de amor à raça do sangue antigo e uma homenagem emocionada aos lavradores alentejanos que lhe haviam moldado a alma:
 

Tudo o que sou o sou por obra e graça
da comoção rural que está comigo.
Foi a virtude lírica da Raça
a herança que eu herdei do sangue antigo.

 
Foi esta voz que em minhas veias passa
e atrás da qual, maravilhado eu sigo.
Como um licor de encanto numa taça,
assim se quer esse condão comigo.

 
Olhai-me: – Eu vim de honrados lavradores.
De avós e netos, sempre os meus Maiores
fitaram o horizonte que hoje eu fito.

 
«O que estaria além da curva estreita?»
– E da pergunta, a cada instante feita.
nasceu em mim a ânsia p’ró Infinito.

 
Nesse mesmo ano pronuncia na Liga Naval de Lisboa uma conferência onde alertava para o perigo de uma absorção da Pátria pelos espanhóis, com a alma posta na degradação dos costumes que a República – como entendia - havia trazido à vida portuguesa.
Durante o breve consulado de Sidónio Pais, foi eleito deputado na lista da minoria monárquica. Em 1919, exilou-se em Espanha após a sua participação na fracassada tentativa restauracionista da Monarquia, movimento que ficou conhecido pela  "Monarquia do Norte". (1)
Ao regressar a Portugal, cerca de dois anos e meio, depois, publica  Quando as Nascentes Despertam, onde a alma do povo se espelha nessa formosa composição: Versos do Trinco da Porta, no modo como então era uso, ter-se a porta franqueada, fosse a quem fosse:

 
Versos do trinco da porta,
- Louvado seja o Senhor!
A casa é Deus quem a guarda,
Ninguém a guarda melhor!

 
Batem os pobres à porta,
- Batem com ar de humildade.
“Eu sei que é pouco irmãozinho!
É pouco, mas de vontade!”
 
...................................................
 
 
Mexem no trinco da porta.
“Levante, faça favor!”
A entrada nunca se nega
Seja a visita quem for!

 
Por esse tempo, tornou-se Director do diário A Monarquia onde veio a desenvolver um intenso combate em defesa da filosofia e sociologia política e onde se afirma como  arauto em  defesa de um nacionalismo monárquico, empresa que lhe consumiu os restantes – e já poucos – anos de vida.
Em 1922 publica mais um livro de poemas: Na Corte da Saudade, onde o seu acrisolado amor à terra portuguesa lhe inspirou o lindo soneto Memória, de louvor à saudade, esse sentimento tão nosso, tão português:
 
 
Meu coração de lusitano antigo
bateu às portas de Toledo, a estranha.
Mais roto e ensanguentado que um mendigo.
só a saudade as passos lhe acompanha.

 
Pois a saudade ali me deu abrigo.
ao pé do Tejo que a Toledo banha.
Levava os dias a falar comigo,
como um pastor com outro na montanha.

 
Em todo o mundo há terra portuguesa,
desde que a alma a tenha na lembrança
e a sirva sempre com fervor igual.

 
Talvez por isso, em horas de tristeza,
eu pude à sua amada semelhança
criar pra mim um novo Portugal!

 
Dois anos, antes de morrer, mais um livro: Chuva da Tarde. É um livro de despedida, que nos dá conta, no soneto Velho Motivo de uma certa mágoa do Poeta, que, inspirado por Camões, deixa transparecer – como sendo a sua dor superior è de Jacob, que não tendo conquistado a sua amada Raquel, ainda assim a via -  ao contrário dele.
    António Sardinha, revela-se um lírico de fina água:

 
Soneto de Jacob, pastor antigo,
– soneto de Raquel, serrana bela...
Oh! quantas vezes o relembro e digo,
pensando em ti, como se foras Ela!

 
O que eu servira para viver contigo,
– tão doce, tão airosa e tão singela!
Assim, distante do teu rosto amigo,
em torturar-me a ausência se desvela!

 
E vou sofrendo a minha pena amarga,
– pena que não me deixa nem me larga,
bem mais cruel que a de Jacob pastor!

 
Raquel não era dele, e sempre a via,
enquanto que eu não vejo, noite e dia,
aquela que me tem por seu senhor!

 
    E do mesmo livro, na história da poesia portuguesa hão-de ficar para sempre os versos desse soneto admirável e encantador: No Deserto, enquanto hino de amor pintado num quadro asiático de uma beleza ímpar e imorredoira:

 
Chegaram os camelos junto ao poço,
Quando Rebeca tinha a urna cheia.
Foram momentos esses de alvoroço,
Bem raros de encontrar em terra alheia.

 
Também meu coração, menino moço,
Nos cardos do caminho se golpeia.
Ouço-te os passos, dentro de alma eu ouço
O eco dos teus passos sobre a areia.

 
Busquei-te no deserto longamente...
Como Rebeca outrora, condoída,
Surgiste, calma, na poeira ardente.

 
De ânfora baixa, à boca da cisterna,
Ficaste assim, para toda a tua vida,
Matando a minha sede, que é eterna!
 

No livro publicado postumamente, Roubo da Europa (1931) António Sardinha , no final do Poema deixou-nos os seguintes versos, que parecem, hoje, quando vemos a velha Europa com receios de assumir a sua vertente histórica cristã, terem sido escritos sob um clarão de um sentimento dolorido, como que prevendo o que viria a passar-se sete décadas depois:
.........................................................................

E sigo-te as pisadas, madre Europa,
Mal reprimindo um grito em minha boca:
Não é agora o toiro quem galopa, (2)
És tu que vais em cavalgada louca!

.........................................................................

Europa! Europa! (E já te não avisto!)
Não ouves esta voz que por ti chama?!
Onde ficou o lábaro de Cristo?
Onde deixaste, Europa, a tua flama?

 
António Sardinha, é, hoje, injustamente um Poeta esquecido, porque a intelectualidade do regime não lhe perdoou o seu pendor monárquico, e aquela que situando-se distante do poder instaurado nunca teve força nem engenho para o impor, o que tem sido um erro grosseiro, porque o Poeta foi um português de alma inteira, um patriota esclarecido e motor de homens, que no seu tempo tentaram – com todo o direito que lhe provinha de serem homens livres – de restaurar a Monarquia, um ideia, que ainda hoje não morreu na alma de muitos portugueses.
De vida curta, António Sardinha, foi um cultor da língua portuguesa de grande erudição, pelo que lembra a sua memória, aos mais novos, é um acto de justiça.
 


    (1) - A “Monarquia do Norte” teve os primeiros passos  a 3 de Janeiro de 1919 com o Manifesto da Junta Militar do Norte, sediada no Porto, autoproclamando-se representante da herança sidonista.
A 19 de Janeiro é proclamada a Monarquia no Porto (e também em Lisboa). É declarado o estado de sítio em todo o continente. No entanto a proclamação é efémera (a 24 de Janeiro a revolta é subjugada no Sul), embora o Norte tenha resistido até 13 de Fevereiro, tendo mesmo sido criada uma Junta Governativa do Reino chefiada por Paiva Couceiro. A 13 de Fevereiro, após combates em todo o litoral centro, a guerra civil termina com a entrada dos republicanos no Porto.
 
    (2) - Na Mitologia, Europa é filha de Argenor, rei da Fenícia e irmã de Cadmo. Era de tal modo formosa que se dizia ter recebido um púcaro com os arrebiques de Juno. Júpiter, por ela perdidamente apaixonado, tomou a figura de um touro e tendo-a roubado, atravessou o mar e levando Europa no dorso trouxe-a para a parte do mundo a que deu o seu nome. Esta é a lenda da formação da Europa. Camões faz menção deste episódio da Mitologia, no Canto II, estrofe 72, quando relata a chegada de Vasco da Gama a Melinde: 
 Era no tempo alegre, quando entrava  
  No roubador de Europa a luz Febeia, entendendo-se por “Febeia” a luz do Sol, de Febo (brilhante) ou seja, Apolo, que era identificado como Sol no ciclo das estações do ano, constituindo a sua mais importante caracterização no mundo helénico.

Nota: Notas buscadas na NET

ANTÓNIO FELICIANO DE CASTILHO
 
 
 
 
Nasceu em Lisboa a 28 de Janeiro de 1800, onde também faleceu a 18 de Junho de 1875.  Era filho do Dr. José Feliciano de Castilho e de sua mulher, D. Domicilia Máxima de Castilho.
Era criança quando adoeceu gravemente, manifestando sintomas de tuberculose, receando-se muito que não pudesse salvar-se. Resistiu, porém, e já lia e escrevia quando aos 6 anos o sarampo o prostrou novamente no leito. Teve a fortuna de resistir, mas com a infelicidade de ficar privado da vista.
 Acompanhado por seu irmão Augusto Frederico de Castilho, quase da mesma idade, com ele estudou e se instruiu no conhecimento dos poetas latinos, que foram sempre os seus estudos predilectos, e com ele se matriculou na Universidade de Coimbra, na faculdade de Cânones, em que ambos se formaram. 0 seu talento poético começou a desenvolver-se, sendo ainda criança.
    Versejava com facilidade e os seus primeiros versos tinham já o cunho melodioso e bocagiano que foi característico na sua poesia. Tinha 16 anos quando escreveu uma poesia dedicada à morte da rainha D. Maria I.
    Esta poesia causou a maior surpresa por ser firmada por um poeta de tão tenra idade e sobretudo por ser cego.
Em 1818 publicou outro poemeto, intitulado: Á Faustíssima Aclamação de S. M. o S. D. João VI ao Trono. Estas duas composições granjearam-lhe o despacho da propriedade duma escrivaninha de ofício de escrivão e promotor do Juízo da Correição da Cidade de Coimbra.
Em 1820 publicou uma ode á morte de Gomes Freire. No sarau realizado na sala dos capelos da Universidade em 21 e 22 de Novembro de 1820, recitou várias composições, que andam insertas na Colecção então publicada em Coimbra. Em 1821 imprimiu o seu poema Cartas de Echo e Narciso, dedicadas à mocidade académica.
Traduziu as Metamorfoses e os Amores de Ovídeo, que escreveu muitos dos versos que depois se incorporaram nas Escavações Poéticas. Compôs dois poemetos: A Noite do Castelo e os Ciúmes do Bardo. A publicação das Cartas de Echo e Narciso motivou ao poeta uma aventura romanesca. Uma dama reclusa no convento de Vairão, D. Maria Isabel Baena Coimbra Portugal, escreveu-lhe dando-se como uma nova Echo e perguntando se ele procederia como Narciso.
Esta intriga galante deu em resultado a série de quadras do Amor e Melancolia que o poeta compôs e publicou em Coimbra no ano de 1828. Esta senhora veio a ser sua esposa, realizando-se o casamento em 29 de Julho de 1834. Pouco durou este idílio, porque D. Maria Isabel faleceu em 1 de Fevereiro de 1837.
No ano de 1840 acompanhou seu irmão Augusto à ilha da Madeira e assistiu à sua morte em 31 de Dezembro desse ano.
Castilho escreveu sobre a História de Portugal, uma publicação por fascículos intitulada Quadros Históricos de Portugal. Nesse mesmo ano casou em segundas núpcias com D. Ana Carlota Xavier Vidal, natural da ilha da Madeira, que viria a falecer em 1871.
Nos primeiros dias de 1841 voltou da ilha da Madeira e em 1 de Outubro publicava-se o 1.º número da Revista Universal Lisbonense, por ele fundada e dirigida, uma publicação que prestou serviços prestou à agricultura, à industria, às artes, à historia, à moralidade e às letras. Deixou a direcção da Revista em 17 de Junho de 1845 e nesse ano e no seguinte, de colaboração com seu irmão, o conselheiro José Feliciano de Castilho, deu principio à Livraria Clássica Portuguesa.
Em 1846 fez uma rápida passagem pela política, militando no partido de Costa Cabral, no movimento político que a história regista como o “cabralismo”.
Por esse tempo começou também a luta em que empenhou uma grande parte da sua vida, para fazer adoptar o seu método de leitura, contra o qual se levantaram grandes polémicas.
Depois, duma luta intensa que só venceu em parte, porque se o governo o nomeou comissário para a propagação do seu método e lhe deu um lugar no conselho superior de instrução pública, nunca o adoptou o seu Método de leitura oficialmente. Em 1847, desgostoso pelo modo como fora tratado, partiu para os Açores, onde se demorou até 1850.
Em Ponta Delgada escreveu o Estudo Histórico-Poético de Luis de Camões.
Fundou uma tipografia, onde se imprimiu o jornal o Agricultor Micaelense, sendo Castilho o redactor principal. Estabeleceu conferências e fundou a sociedade dos Amigos das Letras e das Artes; escreveu a Felicidade pela Agricultura, o Tratado de Mnemónica, o Tratado de Metrifìcação, as Noções Rudimentares para Uso das Escolas, e traduziu os Colóquios Aldeãos, de Timon.
    No dia 22 de Fevereiro de 1850 regressou a Lisboa e embrenhou-se acérrimamente na luta contra os adversários do seu método de leitura, do qual se publicaram duas edições em 1850 saindo a 3.ª em 1853, refundida e com o titulo de “Método Português Castilho”. Esta propaganda também motivou grandes polémicas, em que por vezes Castilho se excedeu, como na Tosquia de um Camelo, carta a todos os mestres das aldeias e cidades, em 1853; O ajuste de contas em 1854, e Resposta aos Novíssimos Impugnadores do Método Português, de 1854, publicando neste mesmo ano a 4.ª edição do Método. Em 1853 foi nomeado comissário geral de instrução primária.
      Por sua iniciativa foram abertos cursos públicos em Lisboa, Leiria, Porto e Coimbra, para instruir adequadamente os professores.
      Em 1865 foi ao Brasil com o intuito de propagar o seu Método donde voltou nesse mesmo ano, sendo recebido amigavelmente por D. Pedro II, a quem dedicou o seu drama Camões, e de quem foi sempre dilecto amigo até à morte.
      Em 1861 publicou se a nova edição do Amor e Melancolia aumentada com a Chave do Enigma, parte complementar desenvolvida com a autobiografia do poeta até 1837.
      Em 1862 publicou-se a tradução dos Fastos de Ovídeo, em 6 volumes.
Em 1863 foi publicado o Outono, colecção de poesias.
Em 1866 foi a Paris na companhia de seu irmão José Feliciano de Castilho, tendo sido apresentado ao escritor, então muito em voga, Alexandre Dumas, de quem era um grande admirador.
Nesse ano – 1867 -  publicou em Paris a Lírica d'Anacreonte.
Igualmente, em Paris, apareceu urna edição luxuosa da tradução das Geórgicas de Virgílio.
Em 1868 foram publicados os Ciúmes do Bardo .
Castilho empreendeu, ainda, a tradução do Fausto de Goethe.
O titulo de Visconde de Castilho foi-lhe concedido em duas vidas por decreto de 25 de Maio de 1870.
A sua morte foi muito sentida e no seu funeral viram-se representadas todas as classes da sociedade, ministros, colegas da Academia,  representantes das letras e os homens mais grados do exército, da magistratura, do professorado e da armada.
Dele apareceram biografias subscritas pelo Dr. Teófilo Braga, na Encyclopedia Portugueza Illustrada, em publicação no Porto, vol. 2.°, pág. 639 e 640 e outra por Latino Coelho, na Revista Contemporânea tomo 1, pág. 297 a 312, 353 a 360. 453 a 459, continuando no vol. II. de pág. 177 a. 183. e de pág. 321 a 336.
Para comemorar o centenário do nascimento do notável homem de letras colocou-se em 28 de Janeiro de 1900 uma lápide na casa onde nasceu, Alcântara, Lisboa.
 

    ALEXANDRE HERCULANO
 
A criação intelectual é o mais misterioso
e solitário de todos os misteres humanos:
(Gabriel Garcia Marquez)
 

De seu nome completo, Alexandre Herculano de Carvalho e Araújo, nasceu em Lisboa em 1810 e faleceu na sua propriedade rústica de Vale de Lobos, em 1877.
Era filho do recebedor da Junta de Juros, Teodoro Cândido de Araújo, que tendo cegado e por manifesta falta de meios após o jovem ter completado os estudos preparatórios com os padres Oratorianos desistiu de o matricular na Universidade de Coimbra, fazendo-o entrar na Academia da Marinha e, mais tarde, na Aula de Comércio que então preparava os candidatos para a Fazenda Pública.
Ainda adolescente tornou-se adversário do absolutismo de D. Miguel, envolvendo-se nas lutas civis entre liberais e miguelistas, estes arregimentados ao Infante que desde 1827 se encarniçava com os seus apaniguados contra os aderentes à ideia nova do liberalismo.
No decurso do ano de 1831, apoiados pelo Duque de Palmela que na Ilha Terceira (Açores) em 1829 havia formado um conselho de regência em nome de D. Maria II, revoltou-se em Lisboa o Regimento do 4 de Infantaria, com o propósito de incendiar a esquadra de D. Miguel. É neste passo que surge Alexandre Herculano, tendo sofrido a desdita da revolta ter sido vencida pelos miguelistas, um facto que o leva a refugiar-se em Plymouth, até que no ano de 1832 aporta à Ilha Terceira – que nunca aderira ao absolutismo – e de onde regressa ao Continente na expedição liberal de D. Pedro, desembarcando no Mindelo e participado nas lutas que levaram à capitulação de D. Miguel, em Évora-Monte, no ano de 1834.
Vencida a causa em 1839 é nomeado director das Bibliotecas reais das Necessidades e da Ajuda.
Já então a sua pena havia produzido A Harpa do Crente (1837) a que se seguiram as Lendas e Narrativas, (1839-1844) 2 volumes,  e neste mesmo ano, Eurico, o Presbítero e O Pároco de Aldeia.
Escreve quase de seguida o 1º Volume da História de Portugal (1846) e O Monge de Cister (1848) e o Bobo; o seu labor infatigável a que se ficou devendo a renovação do estudo da História de Portugal não cessa de produzir uma obra vastíssima, tendo em 1850, agastado com a intolerância religiosa do seu tempo, dado à estampa A História da Origem e Estabelecimento da Inquisição em Portugal.
É, com Garrett, o iniciador do romantismo, em Portugal, fazendo as suas obras apresentadas  sob a forma de romance, drama ou poesia, transmitam a nova corrente literária, inserindo-as num passado histórico em que Portugal, enquanto Nação ainda não existia ou estava a ganhar a sua independência.
Para além de exímio historiador, Herculano foi um poeta de grande qualidade, um facto literário nem sempre devidamente apreciado na obra deste escritor de eleição.
Embora ao de leve, servindo-nos de um escrito do seu grande amigo e admirador Bulhão Pato, vamos relatar um facto, possivelmente pouco conhecido e que esteve na origem de uma criação poética das mais conhecidas do mestre.
Num estudo que fez, em 1883, sobre o celebrado poema de Herculano, A Cruz Mutilada, conta o autor das Flores Agrestes, que num certo dia foi de longada, a pé, até Sintra, levando por companhia, Alexandre Herculano e o Marquês de Sabugosa, com o fito de se alojarem na propriedade do Conde de Lavradio, cunhado do Marquês. É a história de um passeio de amigos.
A narração de Bulhão Pato é extremamente curiosa e merece um pouco de atenção.
Conta ele, que o triunvirato, tendo almoçado em Queluz, onde chegaram por um caminho bravo, por ausência de estrada, seguiram depois, pela estrada que passou a haver, até Sintra, serra acima  até ao convento do Carmo, onde chegaram mortos de fome. Caíram na cama e todos dormiram o sono dos justos, tendo-os acordado, Herculano – que se levantara às sete da manhã, com a seguinte cantilena:

 
Quatro horas dorme o santo.
Cinco o que não é tanto.
Seis o estudante.
Sete o viandante.
Oito o porco
e nove o morto!

 
Com muita graça conta Bulhão Pato que ele e o Marquês haviam dormido doze horas!
Na continuação do relato daquele passeio, conta o narrador que a bela e inspirada poesia A Cruz Mutilada foi inspirada a Herculano nas imediações do convento do Carmo, naquela agreste e encantadora posição da nossa Sintra, a que o próprio Lord Byron, inimigo figadal dos portugueses, chama a mais bela da Europa.
A cruz tinha um braço partido e a hera, a mãe solícita das ruínas, deitara-lhe em volta os ramos verdejantes e cariciosos.
A célebre poesia, nasceu, deste modo naquele local da Serra e começa com estes pujantes versos de um puro lirismo e amor místico:

Amo-te, ó cruz, no vértice firmada
De esplêndidas igrejas;
Amo-te quando, à noite, sobre a campa,
Junto ao cipreste alvejas;
Amo-te sobre o altar, onde, entre incensos,
As preces te rodeiam;
Amo-te, quando em préstito festivo
As multidões te hasteiam;
Amo-te, erguida no cruzeiro antigo,
No adro do presbitério,
Ou quando o morto, impresso no ataúde,
Guias ao cemitério!
Amo-te, ó cruz, até, quando no vale
Negrejas triste e só(...)
 
E, neste passo, remata Bulhão Pato, que Herculano, censurado de ímpio e herege, espécie de papão com que em certa sociedade se chegou a meter medo às crianças e até a mulheres já feitas, era uma alma  profundamente religiosa.
Com efeito, o grande escritor, em A Harpa do Crente, ao cantar a Arrábida com todo o seu fulgor majestático, eleva à Obra de Deus um cântico, quando afirma:
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Oh, como surge majestosa e bela,
Com viço da criação, a natureza
No solitário vale! E o leve insecto
E a relva e os matos e a fragrância pura
Das boninas da encosta estão contando
Mil saudades de Deus, que os há lançado,
Com mão profusa, no regaço ameno
Da solidão, onde se esconde o justo.

E lá campeiam no alto das montanhas
Os escalvados píncaros, severos,
Quais guardadores de um lugar que é santo;
Atalaias que ao longe o mundo observam,
Cerrando até o mar o último abrigo
Da crença viva, da oração piedosa,
Que se ergue a Deus de lábios inocentes.
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Alexandre Herculano foi e é um mestre da língua portuguesa.
No ano da sua morte (1877) João de Deus, o mimoso autor do Campo de Flores, encabeçou uma manifestação nacional em honra deste homem, amante das ideias liberais que irrompiam pela Europa, tecendo-lhe uma homenagem merecida, por aqueles que viram nele um tempo novo