A gruta de Elias
A leitura que se segue pertence ao Cap. VI do Sermão da Primeira Dominga do Advento, pregado pelo Padre António Vieira no dia 27 de Novembro de 1650, na Capela Real e, desde o primeiro momento em que conheci este texto me interroguei por este pedaço de crítica ao profeta Elias que fora agraciado por Deus que lhe dera forças para poder lutar contra os sacerdotes de Baal, o deus as dez tribos nos tempos do rei Acab.
(...)
A omissão é o pecado que com mais
facilidade se comete e com mais dificuldade se conhece; e o que facilmente se
comete e dificultosamente se reconhece, raramente se emenda. A omissão é um pecado
que se faz não fazendo; e pecado que nunca é má obra, e algumas vezes pode ser
obra boa, ainda os muito escrupulosos vivem muito arriscados em este pecado.
Estava o Profeta Elias em um deserto metido em uma cova, aparece-lhe Deus e
diz-lhe:
Quid hic agis, Elia? E bem Elias, vós aqui? — Aqui, Senhor! Pois aonde
estou eu? Não estou metido em uma cova? Não estou retirado do Mundo? Não estou
sepultado em vida? Quid hic agis?
E que faço eu? Não me estou disciplinando, não
estou jejuando, não estou contemplando e orando a Deus? — Assim era.
Pois se
Elias estava fazendo penitência em uma cova, como o repreende Deus e lho
estranha tanto? Porque ainda que eram boas obras as que fazia, eram melhores as
que deixava de fazer.
O que fazia era devoção, o que deixava de fazer era
obrigação.
Tinha Deus feito a Elias profeta do povo de Israel, tinha-lhe dado
ofício público; e estar Elias no deserto quando havia de andar na corte; estar
metido em uma cova, quando havia de aparecer na praça; estar contemplando no
Céu, quando havia de estar emendando a terra, era muito grande culpa.
A razão é
fácil, porque no que fazia Elias salvava a sua alma; no que deixava de fazer
perdiam-se muitas. Não digo bem: no que fazia Elias, parecia que salvava a sua
alma; no que deixava de fazer, perdia a sua e as dos outros: as dos outros,
porque faltava à doutrina; a sua, porque faltava à obrigação.
É muito bom
exemplo este para a corte e para os ministros que tomam a ocupação por escusa da
salvação. Dizem que não tratam de suas almas, porque senão podem retirar.
Retirado estava Elias e perdia se; mandam-no vir para a corte para que se salve.
Não deixe o ministro de fazer o que tem de obrigação, e pode ser que se salve
melhor em um conselho, que em um deserto. Tome por disciplina a diligência, tome
por cilício o zelo, tome por contempla,cão o cuidado e tome por abstinência o
não tomar, e ele se salvará.Mas porque se perdem tantos?
Os menos maus
perdem-se pelo que fazem,que estes são os menos maus; os piores perdem-se pelo
que deixam de fazer, que estes são os piores: por omissões, por negligências,
por descuidos, por desatenções, por divertimentos, por vagares, por dilações,
por eternidades.
Eis aqui um pecado de que não fazem escrúpulo os ministros, e
um pecado por que se perdem muitos. Mas percam-se eles embora, já que assim o
querem; o mal é que se perdem a si e perdem a todos, mas de todos hão-de dar
conta a Deus. Uma das cousas de que se devem acusar e fazer grande escrúpulo os ministros,
é dos pecados do tempo. Porque fizeram no mês que vem o que se havia de fazer no
passado; porque fizeram amanhã o que se havia de fazer hoje; porque fizeram
depois,.o que se havia de fazer agora; porque fizeram logo, o que se havia de
fazer já.
(...)
Elias, diz o texto bíblico do Livro dos Reis, estribado na sua sua crença em Deus parecia invencível contra o poder dos apaniguados de Baal, mas posto perante a sentença de morte de Jezabel tornou-se vulnerável e com medo de ser morto, foge e vai para o deserto e nesse seu desnorte nem se dá conta do anjo de Deus que lhe fornece o alimento.
Desanimado, quer morrer, até que, numa nova visita do anjo, desperta e recupera as forças perdidas no meio daquele deserto, onde havia séculos antes, havia passado o seu povo, tendo merecido a atenção de Deus que o mandou sair da sua gruta (1Rs 19, 11), o que aconteceu, mas a gruta não deixou de sair do seu pensamento, deixando-se ficar no seu isolamento.
O Padre António Vieira é neste ponto que condena Elias, ao dizer:
Tinha Deus feito a Elias profeta do povo de Israel, tinha-lhe dado ofício público; e estar Elias no deserto quando havia de andar na corte; estar metido em uma cova, quando havia de aparecer na praça; estar contemplando no Céu, quando havia de estar emendando a terra, era muito grande culpa.
E continua assim: no que fazia Elias salvava a sua alma; no que deixava de fazer perdiam-se muitas. Não digo bem: no que fazia Elias, parecia que salvava a sua alma; no que deixava de fazer, perdia a sua e as dos outros: as dos outros, porque faltava à doutrina; a sua, porque faltava à obrigação.
Eis, porque, sempre me interroguei pelo modo arguto que levou tão ilustre pregador da Palavra de Deus ao citar Elias, pretender chamar a nossa atenção para aquilo que todos devemos fazer e, sem deixar de orar a Deus, nunca deixarmos de cumprir no Mundo a obrigação que nos incumbe de, a par de exaltarmos a divindade pela nossa oração, podemos correr o risco, se não agirmos, faltar à doutrina de, com a força dela emendarmos os nossos semelhantes.
Razão, porque, a omissão que cometemos é uma falha grave que fica a pesar na consciência de cada um.
Continuamos a iludir a nossa consciência na convicção de que existimos para evitar o mal quando, de facto FAZER O BEM É A RAZÃO DE EXISTIRMOS. Vendo as vossas boas obras, louvem o Pai que está no céu. Para despistar esta ilusão Jesus passou ao largo dos mandamentos da antiga lei e deu-nos um mandamento novo: AMAI-VOS UNS AOS OUTROS COMO EU VOS AMEI.
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