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segunda-feira, 11 de setembro de 2017

"A Minha Filha" - Um poema de Guerra Junqueiro



A Minha Filha
(vendo-a dormir)

Que alma intacta e delicada!
Que argila pura e mimosa!
É a estrela d’alvorada
Dentro dum botão de rosa!

E, enquanto dormes tranquila
Vejo o divino esplendor
Da ala a sair da argila
Da estrela a sair da flor!

Anjos, no azul inocente,
Sobre o teu hálito leve
Desdobram candidamente,
Em pálio, as asas da neve…

E eu, urze má das encostas,
Eu sinto o dever sagrado
De te beijar – de mãos postas!
De te abençoar – ajoelhado!

Guerra Junqueiro
(in, Poesias Dispersas)


Este poema do celebrado Poeta que foi amado e odiado no seu tempo, mercê do seu temperamento polémico e cujas intervenções literárias e políticas estão em grande parte misturadas no fervor do tempo novo que fez emergir o golpe republicano que implantou a República Portuguesa, surge aqui, neste encantador Poema dedicado a sua filha - vendo-a dormir - com todo o esplendor paternal, mas não menos, com aquele esplendor literário que fez dele uma das maiores glórias da Literatura Portuguesa.

É o pai extremoso que num momento de remanso dentro do seu lar, surge candidamente rendido ao anjo que ele vê em sua filha - Que argila pura e mimosa! - dando a entender que Guerra Junqueiro estava centrado com a ideia bíblica que relata a formação do primeiro homem, como acontece com o mais atento dos mortais.

E, que se saiba - pese embora tudo quando escreveu ma "Velhice do Padre Eterno" em 1885 - esta afirmação eterna do "Padre Eterno" que ele veio a não respeitar num dado passo da sua vida literária, e de que veio, na velhice, a arrepender-se, naquele tempo, debruçado sobre o berço da filha, viu nela o divino esplendor, rendido àquela alma intacta e delicada, como o faria qualquer pai agradecido a Deus pela prenda recebida naquele pequeno corpo adormecido, e ante o qual o grande Poeta sentiu o dever sagrado de o beijar - de mãos postas - e de o abençoar - ajoelhado!.

É, por tudo isto, que eu que me confesso cristão católico, desde sempre admirei Guerra Junqueiro, por ter entendido a sua luta mental contra a Igreja do seu tempo, mal servida - com as excepções que sempre existem - por um clero afastado da doutrina evangélica que ele abjurou, muito embora - e esse foi o seu erro - ter misturado Deus, como se Deus tivesse culpa do erros clericais que ensombraram um grande espaço do século XIX.

Mas que fique de pé, neste Poema, a sua ideia deísta de um Deus Criador, onde não faltou a palavra - pálio - como se pode ler no último verso da penúltima quadra - e que na Ordem Litúrgica significa  nas procissões solenes um sinal de distinção e honra, servindo de cobertura sustentada por varas e sobre a qual passa pelas nas mãos do Sacerdote, o Santíssimo Sacramento.

De vez em quando leio este Poema de Guerra Junqueiro e ante os seus carinhosos versos ao sentir a minha comoção de pai e avô não posso deixar de render a minha homenagem sentida ao insigne Poeta, que foi fiel a si mesmo e ao tempo que lhe foi dado viver.

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